Lucas Silva - Especial para A União
Quem já teve a oportunidade de escutar a música Mil pedaços, lançada em 1996, irá lembrar dos músicos visionários Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos e Renato Rocha que em sua época já descreviam a saudade facilmente em suas canções: “E tanto faz, de tudo o que ficou, guardo um retrato teu e a saudade mais bonita”. Entretanto, a saudade descrita como imutável, por uma infelicidade, passou a ser mutável e sentida na carne pelos familiares, amigos e fãs com a perda do vocalista Renato Russo e o fim do grupo musical. O jornal A União te convida para dar um passeio na história e relembrar os 20 anos da morte do artísta carioca, que era radicado na Capital Federal, Renato Russo.
Abrindo um parêntese sobre os 20 anos da morte do artista que emocionava o Brasil com suas letras, uma novidade aqui na capital é que no próximo dia 15, a banda Angellus (cover da Legião) fará uma apresentação no Teatro de Arena do Espaço Cultural, às 20h30, para relembrar grandes sucessos de Renato Russo à frente da Legião Urbana.
A entrada custa R$ 15 meia e R$ 30 inteira. “Eu sempre fico nervoso, sofro antes, medo de errar, todo show é assim, fazemos show desde 1999 e sempre fico nervoso, mas quando subo lá no palco e começo a sentir a energia das pessoas, o carinho e aquele calor acolhedor, viro outra pessoa”, contou em entrevista ao jornal A União o vocalista da banda Angellus, Alexander Gomes do Prado.
Voltando para a história da banda considerada atemporal e cujas canções continuam a inspirar diversas gerações desde a década de 80. Em seus shows, os integrantes da Legião declamavam suas músicas modificando a realidade de seu tempo e trazendo ao Brasil o aceleramento que a música precisava quando falamos do jovem na década de 80 e 90. De toda modo, a geração emergida no boom do rock nacional, em 1985, teve como base a Legião Urbana que era a banda mais venerada pelo público e respeitada pela crítica.
“Legião Urbana fez parte da minha adolescência e foi um movimento que fazia a gente se sentir livre, para ir as ruas em uma roda de amigos com um violão, cantar todas as músicas do inclusive faroeste caboclo sem errar uma só palavra”, relembrou o professor Alessandro Pinon Leitão, quando questionado sobre a influência que a banda teve em sua juventude.
Já o jovem publicitário, Matheus Melo, de 22 anos, acredita que o legado da Legião foi enxergar o protesto político dentro da arte, mas, acima de tudo, disfarçar tudo ao seu redor de uma forma muito poética por meio da banda e das canções. “Eles se tornaram atemporais na história da música brasileira, porque querendo ou não eles são um legado para as novas gerações que podem se inspirar e se alimentar de seu trabalho”, ressaltou o publicitário. A partir desses relatos, é possível ver que de fato as gerações são atingidas pelas canções e influências que a legião deixou.
Durante a entrevista, Melo disse orgulhoso que a música “Que País é Esse?” era sua preferida por ter um espírito de questionamento e militante. “Naquela época, as bandas brasileiras não só Legião Urbana, mas o Barão Vermelho e Titãs tinham um discurso muito independente, é tanto que minha música preferida é “Que Pais é Esse”, por ela sempre ter esse espírito de questionamento e meio militante. Isso se tornou um símbolo importante na minha cabeça, porque me deu panorama para saber enxergar melhor e saber criticar a visão política dentro da arte”, finalizou.
Mergulhando nas suas canções, algumas letras de Renato Russo são consideradas de protesto e de amor, mas por outro lado, tinham o discurso que não caía na facilidade do tom panfletário e trazia nas entrelinhas o cunho social.
O vocalista Alexander Gomes comentou ainda em entrevista que dentre tantas músicas que a banda tem, uma que ele destacaria é “Metal contra as Nuvens”. “São tantas canções que nos remetem a diferentes situações e momentos de nossas vidas, mas Metal contra as Nuvens tem um espaço reservado devido a sua letra: Não sou escravo de ninguém, ninguém senhor do meu domínio”, completou cantando uma parte da música.
Sentimento revolucionário
A Legião foi uma das poucas bandas que sobreviveu por duas décadas num estilo de música com tantas mudanças e modas como o rock n’roll brasileiro. Foi um grupo que possui, até hoje, fãs apaixonados que a idolatram como uma religião e se identificam profundamente com suas canções. Suas músicas icônicas e revolucionárias tinham algo que faltava em muitas outras bandas: poesia e letras que praticamente conversavam com o público.
“Legião tem vários significados em minha vida, mas principalmente o amor, o amor como base em minha vida, o amor de amar as pessoas como se não houvesse amanhã, o amor supera qualquer preconceito, o amor que cura todas as feridas, o amor que nos leva a compreensão. Enfim, tendo o amor como base, as outras coisas são consequências”, disse o vocalista da banda Angellus.
Legião Urbana foi e continua a ser isso. Uma relação de amor ou ódio, um grupo que sabia como ninguém fazer música e expressar seus sentimentos e os sentimentos dos jovens de toda uma nação, fazendo-os pensar no que acontecia no mundo ao seu redor. Uma banda que hoje faz parte da história da música no Brasil, e que com certeza estaria levando seu trabalho adiante por muitos anos se Renato ainda estivesse vivo.
Renato Russo e a Legião Urbana
Surgida em 1982 quando Renato Russo juntou-se a Marcelo Bonfá, Eduardo Paraná (hoje, Kadu Lambach) e Paulo Guimarães (o ‘Paulista’), a Legião Urbana foi contratada e lançou seu primeiro álbum em 1985, emplacando em junho daquele ano as canções “Será”, “Ainda é Cedo” e “Geração Coca-Cola”. A Revista Bizz, leitura obrigatória para os amantes da música daquela época, elegia a Legião como a melhor banda e Renato, o melhor cantor daquele ano.
A receita que havia dado certo foi aperfeiçoada no álbum seguinte, Dois. Músicas como “Tempo Perdido”, “Índios”, “Metrópole” e “Quase Sem Querer” se tornam hits nas rádios de todo o Brasil. O maior sucesso foi “Eduardo e Mônica”, que conta a história de dois jovens que se apaixonam apesar dos estilos diferentes de vida. A Legião Urbana divulgava um conteúdo que qualquer jovem brasileiro dos anos 80 compreendia e se identificava. O álbum é considerado um dos maiores discos de rock nacional da história.
Em dezembro de 1986, uma grande plateia segue a turnê do álbum que vinha fazendo muito sucesso. Já em 1987, sai o terceiro álbum, "Que País é Esse"?, estourando o improvável mega- hit “Faroeste Caboclo”, considerada inicialmente muito grande (nove minutos) para ocupar a faixa radiofônica, o que logo caiu por terra. A música conta a saga do brasileiro João do Santo Cristo, um personagem criado por Renato e que chegou às telonas no ano de 2013, quando a letra foi adaptada para o roteiro do filme homônimo.
Após grande euforia e grandes anos de glória, o último concerto da Legião Urbana aconteceu em 14 de janeiro de 1995, na casa de apresentações “Reggae Night” em Santos, Litoral do Estado de São Paulo. No mesmo ano, todos os discos de estúdio da banda até 1993 foram remasterizados no lendário estúdio britânico Abbey Road Studios, em Londres, famoso por vários discos dos Beatles; e lançados em uma lata, intitulada “Por Enquanto 1984-1995”.
Algumas canções do disco sugerem uma despedida antecipada, como diz o trecho “e quando eu for embora, não, não chore por mim”, da canção “Música Ambiente”. As fotos do encarte foram tiradas próximas à época do lançamento, exceto a de Renato, que foi aproveitada da sessão de fotos do seu álbum solo Equilíbrio Distante de 1995, já que o cantor, um pouco debilitado, se recusou a fotografar para o disco.
O fim oficial da banda aconteceu em 22 de outubro de 1996, onze dias após a morte do mentor, líder e fundador da banda. Renato Russo faleceu 21 dias após o lançamento de A Tempestade, no dia 11 de outubro de 1996. Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá seguiram suas carreiras e lançaram discos solo nos anos seguintes.