por Joel Cavalcanti*
‘Elza, Odílias, Terezinhas e outras costureiras’. Mas poderiam ser Marias, Zélias e Divas, mulheres que com linha e agulha deram sentido à manufatura de roupas e a uma tradição que marca a cultura popular. É sobre esse trabalho que trata a exposição que tem início às 10h de hoje no Museu do Artesanato Paraibano, localizado na Praça da Independência, em João Pessoa. Com destaque para telas em arte naif de 28 artistas do Brasil retratando costureiras, a exposição conta também com uma série de utensílios que ajudam a recriar a memória afetiva do trabalho artesanal dessas mulheres. Com entrada gratuita, o acervo está disposto na Sala de Exposição Mestra Zefinha de Pitimbu, anexo ao museu, e ficará disponível para visitação pelos próximos três meses, de terça a domingo, das 9h às 17h.
A mostra coletiva reúne obras de artistas de oito estados brasileiros, além do Distrito Federal, retratando com muitas cores a simplicidade do cotidiano de quem passava o dia a coser roupas em seus ambientes caseiros e familiares, mas que se misturavam com uma rotina de muito trabalho. Além das telas em traços figurativos e bidimensionais, estão expostos no museu artigos antigos que ajudam a contar a história do trabalho de várias gerações de mulheres, a exemplo de uma máquina de costura de 1889, que foi fonte de sustento de várias famílias, e uma série de utensílios do dia a dia que recriam o universo imaginário deste tipo de serviço.
“A exposição vai alcançar o afetivo de quem for visitá-la. Todos têm uma mãe, avó ou tia que costura ou costurou, e se lembram como era ir para a casa dessas pessoas nas férias e encontrá-las nas máquinas fazendo roupas para os netos, filhos e para a casa”, acredita Fábio Morais, diretor do Museu do Artista Popular. A curadoria de ‘Elza, Odílias, Terezinhas e outras costureiras’ é de Geolagens Oliveira e Fábio Morais, e conta com a colaboração do Ateliê Lu Silva. Os aspectos que sobressaem nos quadros é o olhar quase infantil para um tempo de convivência com as mulheres que tinham o dom e o domínio com as máquinas de construir roupas e fantasias. Só da Paraíba, são nove os artistas plásticos que compõem a mostra. São eles: Analice Uchoa, Babá Santana, Celia Gondim, Dadá Venceslau, Geolagens de Oliveira, J. Balbino, José Weligton, Marbi Silva e Val Margarida.
Alguns dos objetos que compõem o acervo no museu são da costureira Maria Odília Pereira Lins, que ajuda a dar nome à exposição. São dedais, bastidores, máquina de cobrir botões e peças de roupa, por ela produzidas, elementos que ajudam a alinhavar as memórias dos visitantes. Assim como descreve o texto de apresentação da mostra de autoria da curadora Janete Lins Rodriguez, Dona Odília costumava usar os retalhos das sobras de suas costuras para fazer pequenas peças, desde shorts e calções, para as crianças carentes que moravam nas redondezas, que sempre faziam festa ao receberem as roupas novas.
Já a Terezinha que consta no título da exposição é em referência a Dona Terezinha de Oliveira, natural da zona rural de São Mamede e mãe de dez filhos. Ela mesma sendo filha de uma rendeira de bilro e de um artesão de chapéus de palha, acabou se especializando em bordar enxovais de criança, desde seus doze anos. Bordava com bastidor e dedal, costurava para filhos, netos e amigos. Já Elza Falcão Rodriguez, além de costurar, também bordava e fazia crochê e tricô para os filhos e netos. A maior obsessão era com a precisão nos detalhes do acabamento.
“Antigamente, existiam as costureiras e as modistas. Não se saía de casa para comprar uma roupa pronta. Não existia a indústria massiva de roupa”, contextualiza Marielza Rodriguez, gestora do programa do artesanato paraibano. É contando com força do significado que essas experiências caseiras possuem que a mostra coletiva procura construir uma colcha de lembranças nos visitantes, fiando os retalhos de imagens que estão marcadas em suas histórias. “A mostra valoriza e resgata essa profissão que é tão importante e que, apesar da industrialização, ainda temos a necessidade de usar desse serviço para fazer ajustes ou mesmo para obter peças exclusivas”, finaliza Fábio Morais.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de agosto de 2022.