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De volta ao planeta dos homens

publicado: 04/12/2024 09h21, última modificação: 04/12/2024 09h21
Em “Minha Vida em Marte”, Mônica Martelli faz comédia e filosofa sobre a vida a dois; peça será apresentada amanhã, em João Pessoa
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A atriz escreveu a peça, continuação de “Os Homens São de Marte... e É pra Lá que Eu Vou” | Fotos: Camila Cara/Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Há alguns anos, a artista fluminense Mônica Martelli estava ao telefone com uma amiga, que reclamava das diferenças entre os universos feminino e masculino, citando o título da famosa obra do filósofo britânico John Gray: Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus. Ela teria retrucado: “Se eles são de Marte, é para lá que eu vou”. A resposta jocosa de Mônica foi o ponto de partida para uma jornada de sucesso no teatro. Em cartaz desde 2017, a segunda parte desse projeto chega amanhã à capital: Minha Vida em Marte, monólogo com direção de sua irmã, Susana Garcia, terá uma apresentação única às 20h, no Teatro Pedra do Reino. Os tíquetes estão disponíveis no site Ingresso Digital, a partir de R$ 90.

Mônica bem que tentou seguir os passos de outros jovens da família, ingressando numa carreira supostamente mais segura àquela época, o Direito. Todavia, a arte já estava presente em sua vida desde a infância — primeiro, por meio dos artistas circenses, com quem desejava fugir, cada vez que um picadeiro deixava sua cidade natal (Macaé, Litoral do estado do Rio de Janeiro). “Quando eu cheguei à faculdade e entendi que eu ia ter que ler contratos, falei: ‘Meu amor, isso aqui não é para mim’. Depois ainda fui fazer Jornalismo. Demorou algum tempo pra eu me achar de fato, conseguir assumir que eu queria ser atriz”, rememora.

Na década 1990, depois de morar por algum tempo nos Estados Unidos, voltou ao Brasil decidida a escalar até o ponto onde, nas palavras dela, brilharia: os palcos. Matriculou-se no Centro de Artes de Laranjeiras (CAL), mítica escola carioca responsável por formar outros atores de sua geração, como Heloísa Perissé. Após alguns trabalhos nos teatros do Rio, passou em teste para o programa Chico Total, retorno de Chico Anysio ao horário nobre da Globo. No ano seguinte, em nova oportunidade, deu vida a Paula, secretária da novela Por Amor. “Fazia parte da empresa do [Antônio] Fagundes e do [Carlos Eduardo] Dolabella. Passei oito meses falando uma única frase: ‘Doutor Arnaldo, Dona Branca na linha C”, brinca.

 “Eu me descobri”

Apenas depois de seu êxito no teatro, Mônica conseguiu papéis mais relevantes na TV — primeiro na novela Beleza Pura, de 2008, vivendo Helena, viúva que decide assumir a identidade do seu marido para poder trabalhar; em seguida, no remake de Ti Ti Ti, em 2010, interpretando Dorinha Bacelar, melhor amiga de Jaqueline (Claudia Raia). Ela conta que, apesar de ter contracenado, anos antes, com Chico Anysio, não foi apadrinhada por ele ou por qualquer outra figura na emissora. “Todas essas experiências me fortaleceram como atriz, mas quem me descobriu fui eu mesma, porque eu tinha talento e vontade de produzir minha própria história”, declara.

Voltando justamente ao início dos anos 2000, Mônica relembra que estava desiludida com sua profissão e desencantada com os papéis pequenos que conseguia àquela altura — na TV ou fora dela. Quem lhe deu um incentivo, em forma de “sacode”, foi sua mãe, dizendo que a filha deveria mostrar para o mundo quem ela era.

“‘Pega seu texto, vai pra uma praça e sobe num caixote para divulgar o que você faz’, ela me disse. O meu caixote foi o Teatro Candido Mendes, em Ipanema, saindo daquela rotina de fazer testes. Pois sou de uma época em que, se você não era ator da Globo, você não conseguiria sobreviver”, pontua.

A partir daquela conversa com a amiga, parafraseando o livro de John Gray, e reunindo experiências pessoais, Mônica criou Fernanda, personagem principal do monólogo Os Homens São de Marte... e É pra Lá que Eu Vou, que estreou no Rio de Janeiro em abril de 2005. Nessa “primeira parte”, a protagonista está em busca de um amor e divide com o público as dificuldades de se iniciar um relacionamento.

“Mas não foi porque eu tinha vontade de fazer um monólogo. Eu descobri, nos ensaios, que a melhor forma de contar aquela história seria comigo sozinha. Se eu colocasse um outro ator para fazer todos os homens, não ia ter um diferencial em relação a outras peças da época”, justifica.

 “Uma cura para mim”

 O ciclo do espetáculo anterior encerrou-se em 2016. Como o título anuncia, em Minha Vida em Marte, Fernanda já está habituada ao “mundo masculino”, mas vive, agora, um novo desafio: o casamento, assombrado por uma iminente separação. Além de fazer sucesso no Brasil, essa segunda peça passou também por Portugal; Mônica antecipa que há propostas para temporadas na França e no Reino Unido.

“A Fernanda é completamente inspirada em mim mesma, em tudo em que vivo — alegrias, dores, medos — e naquilo que a mulher encara hoje. Esse sucesso enorme vem da identificação. Eu coloco tudo pra fora e funciona como cura, tanto para mim quanto para o público”, afirma.

Mônica mantém, no seu perfil no Instagram, o programa Mônica Total, com posts falando sobre relacionamentos. Ela pretende trazer esse projeto para os palcos, ao mesmo tempo em que indica a possibilidade de desenvolver uma terceira peça sobre Fernanda. Ela antecipa que pretende explorar, numa nova incursão na vida de sua persona, o seu cotidiano após o divórcio.

“Enquanto estiver viva, continuarei a escrever sobre Fernanda. Numa nova peça, falaria sobre como é namorar de novo aos 45, 50 anos. Como é lidar com as relações que já vêm com os pacotes — ex-casamentos, filhos —, como é administrar isso tudo”, almeja.

E, para a própria Mônica, como seria a tal “vida em Marte”? A artista assevera que, nos últimos anos, todas as principais transformações positivas que testemunhamos nas famílias e nos afetos foram perpetradas pelas mulheres e que os homens estão tendo de “correr atrás do prejuízo”.

“Nós é quem reivindicamos melhores salários e relações mais saudáveis, por exemplo. Eles ainda estão numa posição muito confortável, sem querer dividir a responsabilidade da relação, que, na verdade, é do casal. Temos que dialogar sempre”, aconselha.

Para além das complexidades e das diferenças exploradas no livro Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus, existe uma impressão machista, reforçada há muitas gerações, de que os homens seriam indivíduos menos descomplicados do que as mulheres — e que estas seriam pessoas quase ininteligíveis para eles.

“A mulher é vista como um indivíduo mais difícil porque fala — de sentimento, principalmente. O homem gosta de jogar muita coisa debaixo do tapete, porque ele está sempre ‘soberano’. Mas a gente só consegue ‘ir pra frente’ falando, pondo para fora”, finaliza.

MINHA VIDA EM MARTE
- Texto: Mônica Martelli. Direção: Susana Garcia. Elenco: Mônica Martelli.
- Amanhã, às 20h, no Teatro Pedra do Reino (Centro de Convenções, PB-008, km 5, s/no, Polo Turístico Cabo Branco, João Pessoa).
- Ingressos: de R$ 90 (plateia B/meia) a R$ 220 (plateia A/inteira), antecipado na plataforma Ingresso Digital.
- Classificação indicativa: 14 anos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de dezembro de 2024.