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Marco Bellocchio fala sobre seus filmes, política e cineastas do Cinema Novo

publicado: 30/10/2016 00h05, última modificação: 29/10/2016 06h52
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O diretor Marco Bellocchio é um dos principais representantes do neorrealismo na Itália - Foto: Divulgação

tags: Marco Bellocchio , Mostra Internacional de Cinema em São Paulo


Amilton Pinheiro - Especial para A União - De São Paulo

Os melhores cineastas italianos construíram parte de suas obras mais importantes na esteira das mudanças política do País logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Um dos movimentos mais significativos do cinema mundial, o neorrealismo, começou como uma forma de denunciar um estado fascista que se instaurava cerceando liberdades e cometendo crimes de estado e teve o ápice no filme Roma, Cidade Aberta (1945) de Roberto Rosselinni, considerado o marco zero desse movimento. O cineasta Marco Bellocchio, que ganha uma pequena retrospectiva na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e o Prêmio Leon Cakoff deste ano, é um dos representantes da segunda fase desse movimento.

O diretor que está em São Paulo participando do evento recebeu um pequeno grupo de jornalistas para falar sobre os filmes que a Mostra está exibindo (são onze filmes ao todo, passando pelo seu primeiro longa De Punhos Cerrados, 1965, até o seu mais recente Belos Sonhos e um curta-metragem Pagliaci), sobre política e religião e como conheceu alguns diretores brasileiros na Itália no final dos anos 1950, que iriam fazer o Cinema Novo: Glauber Rocha, Paulo César Saraceni e Gustavo Dahl. Seguem abaixo os trechos principais da entrevista.

Como a crítica e o público recebem seus filmes na Itália?

Ao longo desses mais de 50 anos de carreira não tenho do que reclamar em relação a recepção dos meus filmes pelo público e crítica. Claro que as reações do público e da crítica na maioria das vezes são distintas. Os filmes vivem suas histórias dentro do contexto que eles foram realizados. O meu primeiro filme De Punhos Cerrados foi bem recebido tanto pela crítica como pelo público. Mesmo tendo um forte teor político meus filmes nunca foram censurados, acredito que isso só foi possível por serem mais introspectivos e falarem da história política da Itália por meio da história dos personagens. Sou um diretor político sem sê-lo, numa época em que os filmes na Itália tinham uma carga muito forte politicamente.

Fale um pouco sobre o seu filme Diabo no Corpo, de 1986, que causou escândalo na Itália por conter uma cena de sexo explicito...

O filme foi criticado por minha adesão a um psicanalista italiano chamado Massimo Fagioli, mas claro que a cena de sexo explícito causou polêmica sim. Independentemente da cena ou não de sexo explicito, meus filmes são de histórias pessoais que traz o julgamento político do meu País.

Rotular seu cinema de político lhe desagrada de alguma forma?

De maneira alguma, até porque tudo é político. Somos seres políticos independentemente do nosso engajamento ou não. Meus filmes não devem ser vistos como defesa política. Dentro da história dos personagens têm as questões políticas. Eu tenho que seguir minha inspiração, minha consciência, de qualquer forma é arriscado. Nos meus filmes revelo meu caráter moral, sou um moralista por ter sido educado nos princípios da Igreja Católica e de uma família burguesa rígida.

E como entra a religião católica nos seus filmes. Você se considera um ateu?

Somos um País muito católico. Isso formou a mentalidade do nosso povo. Fui criado nesses princípios e isso norteou a construção das histórias dos meus filmes que acontecem na Itália extremamente católica. Claro que trato das questões da Igreja na vida dos meus personagens de uma forma crítica, mas não levanto bandeira contra a Igreja Católica. O Brasil também é um povo muito católico, mas sei que nos últimos anos vocês tiveram uma ascensão dos evangélicos, que ainda é uma religião pouco conhecida. O artista fala das coisas que viveu, que vivenciou, não tem como fugir disso, é inevitável. Cresci vendo a falsidade da religião na minha família e das pessoas que conhecia, de uma certa degeneração religiosa, então, coloquei esses temas dentro dos meus filmes de forma crítica. A educação católica que me formou são coisas que coloquei nos meus filmes e que delineiam as imagens de grande parte deles. Não sou religioso, não tenho fé cristã, mas respeito que as pessoas que têm.

A Operação Lava Jato que está em curso no Brasil para tentar punir políticos e empresários corruptos é parecido com o que vocês fizeram na Itália no início dos anos 1990, batizada de Mãos Limpas. Quais os benefícios que essa operação judicial trouxe para o País?

A operação judicial Mãos Limpas foi um acontecimento totalmente inesperado na Itália naquele momento. Ninguém imaginaria que o sistema político e empresarial fosse tão corrupto como era. A corrupção diminuiu no primeiro momento, mas aumentou no segundo momento. Mas a Operação Mãos Limpas trouxe a criação de novos partidos e novos políticos entraram no pleito, alguns juízes que participaram diretamente na operação. Estamos vivendo um novo momento político na Itália, mas acredito que ele tem sido fruto do que aconteceu no início dos anos 1990. Hoje conhecemos como funcionam as instituições políticas e grande parte do desprezo político que temos hoje foi fruto de conhecer como funciona essa engrenagem do poder político e empresarial.

Você conheceu alguns diretores que fariam o Cinema Novo no Brasil quando estudava cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. O que acha do Cinema Novo feito por eles e outros diretores. Você acompanha os filmes que estamos fazendo no Brasil atualmente?

Foi uma grata satisfação conhecê-los naquele momento e depois assistir os filmes inventivos feitos por eles, especialmente os filmes de Glauber Rocha. O cinema brasileiro passou a ser conhecido em respeito lá fora graças ao movimento que eles criaram com os grandes filmes que realizaram. Infelizmente não acompanho mais o que vocês estão fazendo, mas acredito que sempre haverá espaço para novas propostas estéticas e narrativas dentro do cinema.