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Distopia baseada em mitologia sertaneja

publicado: 15/03/2023 11h44, última modificação: 15/03/2023 11h44
Produção gravada em São José de Piranhas, no Sertão paraibano, ‘Extinção’ gira em torno de São Saruê e será lançada no próximo mês
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Carminha Abrantes vive uma cientista meio humana e meio máquina. Foto: Sara Andrade/Divulgação
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Norma Góes é uma ‘hacker’ que sobrevive no subsolo do Sertão da Paraíba. Foto: Sara Andrade/Divulgação
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Ficção científica tem direção de Maycon Carvalho (foto 3) e Eriko Renan (foto 4), que usam as questões climáticas para refletir sobre o que acontece atualmente. Foto: Acervo Pessoal
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Ficção científica tem direção de Maycon Carvalho (foto 3) e Eriko Renan (foto 4), que usam as questões climáticas para refletir sobre o que acontece atualmente. Foto: Acervo Pessoal
Tebas interpretado por Carminha Abrantes Foto Still Sara Andrade (3).jpg
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tags: Cinema paraibano

por Guilherme Cabral*

Produção audiovisual que se utiliza da mitologia sertaneja construída em torno de São Saruê, que é um paraíso terrestre criado pela oralidade popular e eternizada pela literatura de cordel, o curta-metragem Extinção, dirigido por Maycon Carvalho e Eriko Renan, é uma ficção científica distópica cyberpunk passada no Alto Sertão da Paraíba. O filme terá pré-lançamento no dia 15 de abril, em exibição gratuita ao público a partir das 20h, na praça defronte à matriz, na cidade de São José de Piranhas, município onde as cenas foram todas gravadas no ano passado. Em seguida, a produção que tem apoio da Prefeitura Municipal e foi realizada com recursos da Lei Aldir Blanc, por meio do Edital Prêmio Parrá, da Secretaria de Estado da Cultura, vai circular por festivais de todo o país.

“Nós estamos na finalização do filme, ajustando o desenho de som e a coloração”, disse o pernambucano Maycon Carvalho, codiretor e roteirista de Extinção, que terá 20 minutos de duração. A pré-produção ocorreu em janeiro do ano passado e, já em março, durante quatro dias, foram feitas as gravações, em São José de Piranhas. “Foi um trabalho minucioso, cujo resultado deverá ser bem interessante para o público”, comentou o realizador, que espera lançar o curta em João Pessoa e Caruaru (PE), cidade onde nasceu o cineasta Eriko Renan.
Na trama, enquanto a extinção em massa acontece no meio do deserto poluído, no Sertão da Paraíba, uma hacker chamada Gina (interpretada por Norma Góes) sobrevive no subsolo, tentando acessar o sistema da Cattle Space Corporation para obter benefícios e, com isso, financiar o grupo de resistência. Outra personagem, Sem Rosto (vivida por Alhandra Campos), caminha pelas terras poluídas, em busca das coordenadas de Saruê. Sempre quando ela descobre alguma coisa, envia para a cientista Tebas (papel da atriz Carminha Abrantes), mãe de Gina e que, ao sofrer um acidente, se transforma em meio humana e meio máquina. Ela cuida do gerenciamento dos dados, calculando-os para localizar o lugar mitológico de Saruê. Essas são as três protagonistas da história, cujo objetivo é procurar salvar o povo, por meio do impedimento da destruição da vida no planeta.

“O filme recorre a essa terra abundante em tudo, São Saruê, fazendo dela um objetivo para as personagens. Esse lugar seria o refúgio para a catástrofe ambiental que assola a humanidade e, por isso, é importante encontrar as coordenadas. Mas, antes, é necessário executar a ‘Extinção’, plano arquitetado para destruir o conglomerado que suga os últimos recursos naturais do planeta. Esse grupo empresarial tomou o lugar do governo, construiu uma estação orbital que recebe os bilionários para sobreviver ao cataclisma da Terra e, para acessar tal estrutura de permanência humana no espaço, é necessário ter a ‘Marca de Reses’, um carimbo idêntico a uma marca de identificação animal para gado, símbolo cravado no braço que serve de biocódigo que acessa a passagem espacial”, explicou Maycon Carvalho.

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Norma Góes é uma ‘hacker’ que sobrevive no subsolo do Sertão da Paraíba. Foto: Sara Andrade/Divulgação

O cineasta forneceu mais detalhes da trama: “Essa passagem para acessar a estação orbital é chamada de ‘Clemências’, uma espécie de cotas que servem a ricos falidos e criminosos de guerra. Ambos servirão de criadagem naquela estrutura em órbita, onde servirão à elite financiadora da infraestrutura. Diante disso, para colocar em prática o plano e encontrar as coordenadas, as protagonistas ficam acoitadas em um bunker, feito com material escasso e aperfeiçoado com sucatas tecnológicas achadas por Sem Rosto em suas explorações”, disse ele.

Aquecimento global
O diretor Maycon Carvalho explicou como surgiu a concepção do roteiro de Extinção, que é o seu quarto curta-metragem. “Eu tive a ideia a partir dos noticiários sobre as questões dos impactos do aquecimento global no planeta e as consequências para o mundo. Um exemplo mais recente foi a enxurrada no litoral de São Paulo, que causou deslizamentos e mortes, causadas por razões naturais e pela ação humana”.

O objetivo, nas palavras dele, é levar o público a perceber e entender que a questão climática está batendo na nossa porta. “No Semiárido e no Sertão do Brasil, estudos dão conta que, se nada for feito, em 100 anos essas regiões enfrentarão processo de desertificação e êxodo rural em massa aconteça para os grandes centros. Então, o filme é ambientado no Sertão desertificado e poluído. O paraíso terrestre de São Saruê foi incluído como localidade onde nada falta e há abundância. Nesse sentido, me inspirei em filmes como O País de São Saruê, de Vladinir Carvalho, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e no ambientalista e líder indígena Aílton Krenak para a base estética narrativa sobre o Sertão contemporâneo. É distópica e cyberpunk porque cria narrativa paralela à realidade, em que até uma base de lançamento de foguetes é colocada no Sertão”, afirmou o cineasta, que é cearense de Pacajus e está radicado há 10 anos na Paraíba, onde trabalha no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBnB), em Sousa, e estuda Rádio e TV na UFPB, em João Pessoa.

Já o outro diretor, Eriko Renan, destacou a importância do tema. “O curta leva ao diálogo e traz a região do interior do estado para a cena, mostrando a resistência do sertanejo. Ou seja, o filme quebra o estereótipo de que o sertanejo é um coitadinho, que não sabe se virar e que precisa da ajuda de alguém, de alguma forma, para cuidar dele. Pelo contrário, o sertanejo é muito inteligente e sabe o que quer e sabe sobreviver”, disse ele.

Gênero pouco explorado na produção paraibana, fazer esse curta foi um grande desafio para a equipe. “Apesar dos valores financeiros que a gente tinha, conseguimos realizá-lo utilizando soluções criativas de cenário, fotografia e de figurino”, disse Eriko Renan, que tem projetos de mais dois roteiros, ambos para longas-metragens, para escrever em parceria com Maycon Carvalho. Um é um drama com ambientação no Agreste Meridional de Pernambuco, sobre o luto de uma mãe que, assim como alguns artistas, deixa sua região em busca de melhores condições de vida, embora na perspectiva de retorno à cidade; o outro é de terror psicológico, que se passa no interior da Paraíba.
Extinção é produzido pela Incartaz Filmes e coproduzido pela Covil Audiovisual, Pantim Produções e Maquieira Produções.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 15 de março de 2023.