William Costa
“E se não fosse Euclydes? E se não tivesse Os Sertões?”
As indagações acima são do professor Luiz Paulo Neiva, e foram feitas durante entrevista para o documentário “Euclydes: o peregrino das palavras”, produzido por Cláudio Brito e João Carlos Beltrão, com roteiro e direção do primeiro, e câmera e fotografia do segundo. Sintetizam a importância de Euclydes da Cunha e de sua obra-prima, “Os Sertões”, para a descoberta do Brasil profundo e verdadeiro, pelos próprios brasileiros.
“Euclydes: o peregrino das palavras” será exibido hoje, às 16h, no Auditório José Marques do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Campus João Pessoa, no bairro de Jaguaribe. A projeção faz parte das homenagens ao centenário de nascimento de Euclydes da Cunha (1866-1909), dentro da programação da XI Semana de Ciência e Tecnologia do IFPB. A sessão é uma promoção conjunta da Academia Paraibana de Letras (APL) e a Reitoria do IFPB.
Cláudio e João Carlos acertaram a mão, nesse documentário, que teve origem no desejo do diretor e do pintor Manuel Dantas Suassuna, de prestar uma homenagem a Euclydes, no ano em que se comemora o sesquicentenário de nascimento do autor de “Os Sertões”. “Tanto é que chegamos a Canudos, na Bahia, no dia 20 de janeiro deste ano, justamente no dia do aniversário do escritor”, disse Cláudio, em entrevista À União.
Segundo o diretor, a ideia inicial era percorrer os caminhos de Euclydes em Canudos. Para isso, a equipe levou o mapa que traça os percursos do escritor, na região, desenhado principalmente com base em “Os Sertões”. “Depois, pensamos em visitar a casa onde Euclydes escreveu boa parte do livro, em São José do Rio Pardo (SP), no período em que supervisionou a construção da nova ponte sobre o Rio Pardo, entre 1898 e 1901”, acrescenta.
A viagem a São José do Rio Pardo não foi concretizada porque a crise econômica atingiu, em cheio, também o IFPB, que, desse modo, não pôde disponibilizar mais recursos para o projeto. “Uma verba do Governo Federal ainda não havia sido destinada ao Instituto; como não podíamos esperar, pois queríamos lançar o documentário neste ano, tive de repensar o projeto, criar um novo formato”, justifica o diretor.
Há males que vêm para o bem. “Euclydes: o peregrino das palavras”, apesar de concebido com poucos recursos financeiros, e realizado em apenas 11 meses, é talvez o mais bem acabado projeto cinematográfico de Cláudio e João Carlos. Os cenários remanescentes aos observados “in loco” por Euclydes estão perfeitamente concatenados com as imagens atuais de cidades como Recife e João Pessoa, e dos escritores e professores entrevistados.
Tem-se a oportunidade de conhecer as belezas naturais e o patrimônio artístico e histórico sediado na região polarizada pelo antigo Arraial de Canudos, rebatizado Belo Monte por Antônio Conselheiro: Monte Santo, Memorial Antônio Conselheiro, Santuário de Santa Cruz, Capela do Cruzeiro, Açude Cocorobó, Alto da Favela, Ruínas do Primeiro Cemitério, os Rios São Francisco e Vaza-Barris, pejados de poesia e memórias do absurdo.
O documentário segue a divisão quaternária homônima de uma exposição de Dantas Suassuna – “O Silêncio, O Caos, O Labirinto e O Altar”. É ilustrado com fotos históricas e desenhos. Traz citações de Agripino Grieco, Ariano Suassuna, Euclydes da Cunha, Jorge Luís Borges e Guimarães Rosa. E depoimentos de Carlos Newton Júnior, Braulio Tavares, Hildeberto Barbosa Filho, Luiz Paulo Neiva, Eduardo Datahy Bezerra e Raimundo Carrero.
Cláudio argumenta que a exposição de Dantas, em síntese, trata da jornada de um artista da linguagem pictórica, com suas influências, seus sonhos, seu processo criativo, os caminhos que busca dentro da linguagem e os resultados encontrados. “Pensamos, então, que todo esse processo poderia ser aplicado também a Euclydes, um artista da linguagem literária, um inventor de novas expressões literárias, com um estilo único e inovador”, completa.
Ao som de Bach e Villa-Lobos, entre outros compositores, Cláudio e João Carlos registram não só belas imagens, poéticas inclusive, mas, acima de tudo, criam poderosas metáforas visuais do Brasil. Ermos e espólios de Canudos derrotado (a “Troia de taipa”) contrastam com os portentosos palácios da República vitoriosa, sobre cujas calçadas pedem esmolas fantasmas reencarnados da guerra entre dois Brasis em tudo opostos, e tão antigos quanto atuais.
“Diálogo” entre projetos
“Euclydes da Cunha: o peregrino das palavras” é, de certa forma, extensão de outro projeto audiovisual de Cláudio Brito e João Carlos: “Pelo Caminho Sagrado”, que traz uma reflexão sobre o peregrino Antônio Conselheiro que, segundo o diretor, não está restrita ao episódio da Guerra de Canudos. Nele, Manuel Dantas Suassuna e o fotógrafo Geyson Magno cumprem um extenso percurso que vai de Quixeramobim a Belo Monte (Arraial de Canudos).
Sob as lentes da câmera de João Carlos, e seguindo o roteiro e a direção traçados por Cláudio, Dantas e Geyson visitam obras construídas pelo Conselheiro e seus seguidores – igrejas, cemitérios, açudes etc. “O objetivo – prossegue o diretor - é focar a construção, em vez da destruição, causada pela Guerra de Canudos, revelando o espírito agregador e a inteligência social que um sonho coletivo pode cultivar, por meio do trabalho solidário”.
Cláudio observa, no diálogo entre os dois projetos, que o caminho percorrido por Conselheiro foi primeiramente registrado em “Os Sertões”, e depois aprofundado por outros pesquisadores, como José Calasans e Ataliba Nogueira. “O projeto sobre o Conselheiro tem como foco o Brasil, com os problemas que temos e as soluções que queremos a partir dos sonhos que depositamos em nossas ações cotidianas”, salienta.
Para o diretor, Euclydes, como pensador e intérprete do Brasil, tinha como preocupação os problemas refletidos nas injustiças sociais. “O segundo aspecto do diálogo entre ‘Euclydes’ e ‘Pelo Caminho Sagrado’ seria o fato deles terem como foco principal o Brasil e o povo brasileiro, em suas dimensões talvez mais humanas e contraditórias: a miséria e a grandeza, o sagrado e o profano, a vida e a arte, o individualismo e o espírito solidário”, completa.