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Dos limites do corpo à natureza

publicado: 07/11/2025 09h13, última modificação: 07/11/2025 09h13
A Companhia Municipal de Dança de João Pessoa apresenta dois espetáculos hoje, no Teatro Paulo Pontes
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Companhia mostra suas produções recentes para estudantes e para o público em geral | Fotos: Marithe do Céu/Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Até onde um bailarino pode chegar para difundir sua arte? Desafiando os limites do corpo ou mergulhando num dos elementos mais abundantes da natureza, a Companhia Municipal de Dança de João Pessoa esboça respostas nos espetáculos que apresenta hoje, na capital. Gala Clássica e Vórtice (dirigidos por Evana Arruda e Maxwell Araújo) serão encenados às 15h, apenas para estudantes de escolas da cidade. Vórtice volta às 19h, para o público em geral, ao lado de The Exhausted Point (idealizado por Marcelo Pereira). Os projetos ganham o palco do Teatro Paulo Pontes, no Espaço Cultural (Tambauzinho), com entrada franca. A doação de 1 kg de alimento não perecível é facultativa.

The Exhausted Point (“O ponto exausto”, em inglês), explora, em seus movimentos, o cansaço dos artistas resultante do esforço que empreendem, mas que escondem do público. Marcelo Pereira criou o espetáculo especialmente para a companhia pessoense em 2023, durante a passagem do bailarino Maxwell Araújo pela Suíça, país onde o primeiro mora atualmente.

“Tem um ponto em que seu corpo vai dizer: ‘Eu estou exausto. Não consigo fazer mais. Minha musculatura já acabou’. Será que eu consigo dominar esse corpo com a minha forma de dançar, com a minha energia, com o meu centro principal, que é o abdômen? Porque o bailarino dança primeiro com essa parte do centro do abdômen”, destaca. 

Grupo faz apresentações gratuitas com o objetivo de formação de plateia

Por outro lado, Vórtice utiliza como referência simbólica a água, em seus muitos estados e formas. Esse espetáculo foi criado para ser apresentado neste ano, no Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Evana Arruda e Maxwell Araújo trabalharam em tempo recorde — um mês e meio —, do convite à estreia, no Centro-Oeste.

“A gente fez pensando na natureza, nos animais, no movimento das águas e intitulou assim, como ‘Vórtice’, referente a um movimento circular. Damos uma ‘voltinha’ no mundo, pensando nessas questões. Os figurinos, ideia de Evana com ajustes dos bailarinos, foram pensados para caber perfeitamente neles, uma herança da linha clássica, que encaixa no contemporâneo”, explica.

Lady Jazz

A carreira de Marcelo Pereira, que é natural de Pernambuco, deslanchou graças à sua participação, como solista, no Ballet Stagium, de São Paulo. Logo surgiu um convite da companhia Jennifer Muller/The Works, em Nova York, a gênese de sua trajetória internacional. Dos Estados Unidos, rumou para o Canadá, onde atuou no Ballet Jazz de Montreal.

“Viajei pela Europa, conhecendo pessoas, lugares. E daí eu recebi o contrato na Suíça, para o Teatro St. Gallen. Fiquei uns oito, nove anos, trabalhando com a companhia e com a escola do teatro. E fui ficando. Lá eu conheci meu companheiro, casamos... Depois que eu saí do teatro, em 2008, aí eu abri minha escola, que se chama Marcelos Move Dance School”, relembra.

Celebrando quatro décadas na dança, Marcelo viaja com frequência da Suíça para o Brasil, a trabalho. Em março deste ano, ele abriu uma filial de sua escola de dança na capital pernambucana. O empreendimento disponibiliza turmas para alunos de todas as idades, mas o bailarino nota um maior interesse de adultos e de pessoas mais velhas.

“Estamos instalados no bairro de Boa Viagem, Zona Norte de Recife, e temos, agora, de 70 a 80 alunos. Na Suíça, eu coloquei uma modalidade chamada ‘Lady Jazz’, para pessoas acima dos 50 anos. As salas estão praticamente lotadas. Eu estou com 59 anos, então, assim, para o seu corpo dançar, é preciso que haja um porquê e é preciso que traga benefícios à saúde, à vida”, afirma.

Sivuca e cordel

Maxwell Araújo é integrante da Companhia Municipal de Dança de João Pessoa desde a sua fundação, em 2021. Ingressou por meio de processo seletivo, galgando espaços, chegando ao posto de coreógrafo. A instituição conta, atualmente, com 12 bailarinos, número paritário de homens e mulheres, com idades que variam dos 20 aos 35 anos de idade.

“Como professores e coreógrafos, temos eu, Evana Arruda e Denilce Regina. Esta última é professora de balé. A diretora (Stella Paula Carvalho) viu que era necessário um tempo a mais para que pudéssemos criar um corpo homogêneo. Quando se tem esse processo seletivo anualmente, ele acaba atrapalhando um pouquinho esse andamento”, aponta.

A empreitada recente tem demonstrado resultados. Primeiro, a partir da criação de espetáculos autorais, como Sivuca — Poesia do Som, que homenageia o músico paraibano, e Cordel, inspirado pelo movimento armorial. Segundo, com a visibilidade que os bailarinos têm percebido tanto nos projetos da própria companhia quanto nos convites que eles recebem de outros grupos.

“Claro que o primeiro plano é sempre João Pessoa, mas a gente vai encaixando outras coisas. Recentemente, o colega Gabriel Morais foi convidado para dançar lá em Porto Alegre. Ele também foi premiado como o melhor bailarino no Festival de Joinville, em 2024. E, este ano, Gabriel ainda ganhou o Festival de Goiás, o segundo maior do país”, comemora.

Formação de plateia

Marcelo Pereira assinala que o acesso às companhias e aos espetáculos é mais fácil hoje. Ele assevera, ainda, a relevância dessa apresentação em João Pessoa que democratiza o acesso a espetáculos e que ajuda a constituir, assim, novas gerações de bailarinos e de entusiastas.

“A dança nos traz uma liberdade grande. Ela também trabalha muito com a mente, além da desenvoltura e da coordenação. Você procura livrar-se um pouco das preocupações e naquele momento, naquela hora de aula, descarregar tudo. Nas minhas aulas, peço que os alunos aproveitem ao máximo. Que errem, ou que acertem, mas que, principalmente, aproveitem”, atesta. 

Salientando a existência da Companhia Municipal de Dança — uma das poucas iniciativas no Brasil, no âmbito das cidades —, Maxwell Araújo considera de extrema relevância o trabalho que ele e demais colegas empreendem nos espetáculos do grupo.

“A gente nunca desenvolveu algo com o intuito de cobrar coisa alguma. São projetos gratuitos porque a ideia, sempre, é a formação de plateia. Queremos ver os teatros lotados, para que as pessoas sem condições de pagar ingresso possam, a partir dali, admirar esses espetáculos e criar um vínculo com o teatro. Isso é algo muito importante para João Pessoa”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 7 de novembro de 2025.