por Joel Cavalcanti*
O Teatro Santa Roza recebe às 20h de hoje o espetáculo intimista Travessia, da atriz Kassandra Brandão. O monólogo leva ao palco a história de uma mulher em transformação tentando fazer as pazes com o seu próprio passado de violência de gênero. “Esse é um pouco do universo que quase todas as mulheres, devido à questão cultural, ainda passam”, explica a atriz do Grupo Graxa de Teatro, que conta com a direção de Cely Farias.
A programação faz parte da 5a Mostra Feminina de Artes Cênicas que acontece durante todo o mês de março e é promovida pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc) em parceria com a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh). Os ingressos para a apresentação de logo mais são gratuitos e podem ser retirados no local com até uma hora de antecedência.
Travessia acompanha o amadurecimento de uma jovem que começa a se enxergar como mulher, sentindo-se sozinha e cheia de dúvidas. A personagem sem um nome identificado segue por um caminho de investigação pessoal, buscando na memória e em objetos afetivos da própria atriz, responder questões sobre sua idiossincrasia e os planos que deixou de realizar por imposições de gênero.
Kassandra Brandão desenvolveu o próprio texto quando passava por inquietações que envolviam sua identidade feminina em constantes embates com a opressão machista. Em sua primeira experiência como dramaturga, a atriz reuniu vivências suas que estavam registradas em antigos diários e em relatos de familiares próximos, como sua avó, mãe e tias, para transformá-las artisticamente.
Nesse trajeto, a personagem leva ao palco um baú de recordações, no qual cada objeto possui uma história no qual a plateia interage para saber qual história está por detrás daqueles itens que eles querem ouvir, como uma boneca, um vestido infantil ou um ursinho. “O que eu preciso deixar pelo caminho, o que não me serve mais, o que eu tinha e não era meu e me obrigaram a ficar com isso?”, explica a atriz sobre os questionamentos que impulsionam o enredo no palco. “É uma questão de desapego nessa travessia. Vou deixando várias coisas, me desfazendo de outras para, em seguida, encontrar a minha essência”, complementa a artista cearense radicada em João Pessoa.
Transformação
O espetáculo possui uma trilha sonora original criada pelos músicos Matteo Ciacchi e Felipe Lins, e é formatado para ser apresentado com o público posicionado de forma circular sobre o palco. A proximidade cria uma experiência íntima com os espectadores, que se conectam de diferentes formas com os temas de Travessia. “Eu sinto que há uma transformação nas mulheres que estão assistindo, de muitas que se veem nas cenas, em um momento de castração, em um pai que as reprimiram ou se vendo presas a um marido ou por objetos que as impede de evoluir”, exemplifica a atriz de peças como Parahyba Rio Mulher e Instruções para Ser Humano, de filmes como o longa-metragem Ambiente Familiar e o curta Animais na Pista, além da série televisiva da Rede Globo, Onde nascem os fortes.
A peça montada pela primeira vez em 2018 repete uma parceria que se tornou corriqueira na carreira da atriz. Cely Farias já dirigiu Kassandra Brandão em outros projetos no teatro, como também em produções audiovisuais. “A gente se chama de amiga-irmã e nos conhecemos ainda na Universidade. Quando comecei a pensar no espetáculo Travessia, não cogitei outro nome para a direção. Existe uma afinidade e um respeito grande pelo trabalho. Foi uma união que deu certo”, declara ela.
Fundado na cidade de João Pessoa no ano de 2005, o Grupo Graxa de Teatro se destaca por realizar um trabalho cuja característica mais forte é a pesquisa autoral, com foco na corporeidade do ator, na exploração do espaço e na experimentação de soluções criativas diante dos aspectos técnicos do espetáculo.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de março de 2022