O interior do estado terá, ao menos, oito festivais de cinema e oficinas de audiovisual neste mês de agosto, começando pela terceira edição do Muído — Festival de Cinema de Campina Grande, que começa hoje. Além de Campina, Patos, Sousa, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas, Maturéia e São Francisco são cidades que desenvolverão atividades abertas ao público em geral. Com as leis de incentivo do Governo Federal e de repasse do Governo do Estado, o cinema paraibano voltou a caminhar com mais força e a se embrenhar pelo interior.
“Mostrar uma Paraíba que é verde, abundante. Não aquele Nordeste amarelado de barro e suor que a gente costumeiramente vê nas novelas. Essa é a visão que eu quero passar”, comenta Jaime Guimarães, realizador audiovisual e responsávelpelo Muído. “Hoje já são 30 — ou mais — festivais de cinema e mostras ativas”.
Paraíba verdejante
A partir de projetos como ViAção Paraíba e Projeto Jabre — laboratório paraibano para jovens roteiristas —, é que o cinema do Agreste ao Sertão pôde começar a produzir seus próprios filmes com mais frequência, potência e qualidade. Os projetos foram encabeçados por Torquato Joel, cineasta paraibano nascido no Sertão do estado e que já produz há mais de 40 anos: “Através desses projetos que Torquato começou a levar oficinas para o interior. Cidades que tinham ali até 30, 40 mil habitantes. Eu já até participei”, conta Jaime Guimarães, que faz parte desta nova safra de realizadores na Paraíba.
O Projeto Jabre ainda existe e funciona como uma espécie de residência, em que são selecionados alguns argumentos do interior para serem trabalhadas para virar um roteiro: “O pessoal vai para um lugar e fica ali uma semana desenvolvendo até eleger um desses roteiros para apoiar e virar um curta”. Jaime comenta que ainda existem outros frutos desse trabalho desenvolvido, como Ramon Batista, em Nazarezinho, Kennel Rogers, em Coremas, entre outras pessoas. “Toda essa galera produz com muita qualidade técnica e artística e começaram a levar os filmes para festivais fora do Nordeste e ganhar prêmios”.
Foi entre 2005 e 2012 que os festivais de cinema da Paraíba começaram a surgir e ganhar destaque, segundo Deleon Souto, realizador audiovisual no Sertão e o responsável por idealizar o Cinema com Farinha, em Patos: “Esse festival de cinema é o terceiro do estado. Foi criado o FestAruanda, em seguida o Comunicurtas e depois o de Patos”.
O evento surgiu justamente da necessidade de suprir uma demanda que existe na região: “A gente precisava de uma janela de exibição dos nossos filmes e outros filmes paraibanos e nacionais que a gente dificilmente teria acesso pelas telas de cinema. O festival nasceu com a necessidade de criar um espaço em que a gente pudesse se encontrar na tela de cinema, para discutir e exibir nossas produções”.
Com o Comunicurtas, em Campina Grande, não foi diferente. Jaime Guimarães comenta sobre a criação do festival: “Aqui tinha uma figura que era um agitador cultural que era da UEPB. Era o André da Costa Pinto. O André era muito jovem ainda, tinha seus 22, 23 anos, mas ele rodou o longa Tudo Que Deus Criou”. A produção de André era extensa e seus curtas rodavam o país. O Comunicurtas surgiu em 2006 e ainda hoje existe.
O audiovisual se tornou efervescente nessa época e a cidade contava com uma série de minicursos e oficinas voltadas para a produção de filmes. Outras cidades foram polinizadas como processo da pujança cinematográfica campinense daquela época.
O Muído vai ser grande
Com o mote “É bonito se olhar”, o terceiro Muído sugere para a Paraíba como é bonito se olhar de perto e se enxergar no outro. O evento acontecerá até domingo (4) no Cine São José. A frase do mote faz parte da poesia musicada de Escurinho e navega na mesma direção do festival ao voltar o olhar para a produção cultural local: serão duas mostras competitivas: Mostra Facheiro Luzente e Mostra Mundaréu, com filmes paraibanos e nordestinos, respectivamente.
De acordo com Clarissa Santos, coidealizadora do Muído e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia, foram 175 filmes inscritos para os dias oficiais do evento, e a programação tem mais de 40 convidados. Serão exibidos 29 filmes nas duas mostras competitivas. A programação, no entanto, já acontece desde o dia 13 de julho, com o “esquenta do esquenta”, o “Muído nas escolas”, o “Muído na Vila” e a rodada de negócios. O esquenta já conseguiu reunir, ao todo, 500 pessoas, e a expectativa é que passem mil pessoas pelos quatro dias de festival, na feirinha, nas festas do after e durante as exibições.
O primeiro Muído aconteceu em 2022 sem nenhum financiamento, conta Clarissa, que relembrou que em 2023 também foi feito de forma totalmente independente: “Neste ano o evento é possibilitado pela contrapartida dos editais. A equipe segue a mesma desde o primeiro ano: quem sempre esteve junto fazendo, mas agora a gente consegue pagar”.
Cinema de guerrilha
Em Patos, como em Campina Grande, a ideia de popularizar o cinema já vem junto com o nome do evento. O 11o Cinema com Farinha acontecerá entre os dias 28 a 30 de agosto. O evento contou com mais de 500 filmes inscritos de todo o país: “A gente está com a proposta de celebrar esta edição com filmes que se aproximem mais ainda das pessoas. Também teremos mostras na zona rural, nas praças da cidade e nas escolas”, comenta Deleon Souto.
A ideia de popularizar o cinema ainda mais no interior da Paraíba também fez com que outros festivais fossem criados. Catolé do Rocha, por exemplo, neste ano terá a primeira edição do Curta Catolé. A diretora-assistente, Luciana França, comenta que o cinema no Sertão tem o caráter de guerrilha: “Esses festivais são resultados de muita conquista. Muita luta teve que acontecer. Essa galera é daqui. Nascidas e criadas no Sertão”, destaca a diretora-assistente. Estar sob o olhar das câmeras das pessoas de fora sempre foi o lugar do Sertão e há 15 anos o olhar tem virado para si, o que produz o que Luciana chama do caráter poético do audiovisual.
Mais cinema no interior
Para as águas da produção audiovisual paraibana continuarem a correr para o interior, é necessário, portanto, continuar existindo fomento à cultura cinematográfica. Para Jaime Guimarães, a ideia de guerrilha precisa ser abandonada: “No interior a guerrilha é mais forte porque para o interior, tudo é mais difícil, né? Se para Campina já é difícil, imagine para Patos, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas, etc”. É necessário partir para um mercado e uma cadeia de cinema profissionalizada a partir de leis de incentivo.
Para continuar oxigenando a produção no interior, é necessário manter o movimento de realização desses eventos e dos encontros que valorizam o que é feito na Paraíba, como já tem sido feito por realizadores no estado: “Essa relação com os festivais de outras cidades do interior é que dão o gás e que fazem as produções circularem e nos aproximarem dos nossos”, comenta Clarissa.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de agosto de 2024.