Hoje é o Dia Internacional da Mulher. No intuito de celebrar a data, a Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc) realiza gratuitamente, a partir das 19h30, no Cine-Teatro São José, localizado na cidade de Campina Grande, a 4ª edição do Festival Mulheres no Improviso (Femi). Participarão do evento presencial, se apresentando em duplas, as repentistas e cantadoras Maria da Soledade e Minervina Ferreira (PB); Santinha Maurício (PE) e Damiana Pereira (CE); e Lucinha Saraiva (CE) e Fabiane Ribeiro (MA). Na ocasião, haverá distribuição de rosas para todas as mulheres presentes.
Durante o Festival, cada dupla cantará em sextilhas, um mote em sete sílabas e poderá escolher um gênero e canções, tornando a apresentação mais descontraída e alegre. “A expectativa é muito boa e a participação do público é fundamental, já que os espectadores também poderão fazer sugestões de motes”, disse o declamador paraibano Iponax Vila Nova, que apresentará o Femi. Ele observou que o evento vai proporcionar um encontro de gerações no repente. “A poetisa mais nova, a Fabiane, tem cerca de 20 anos de idade, dos quais mais de cinco de profissão, enquanto a mais experiente, Maria da Soledade, tem 80 anos de idade e mais de 50 de profissão”, justificou ele, acrescentando que amanhã vai disponibilizar essa edição do Festival no canal Iponax Vila Nova, no YouTube.
Será a primeira vez que o Festival Mulheres no Improviso vai acontecer na própria data oficial em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, pois nas edições anteriores ocorreu em dias diferentes, geralmente nos finais de semana. “A presidente da Funesc, Bia Cagliani, pediu para que o Femi abrisse a temporada 2023 do projeto ‘De Repente na Estrada’”, disse Vila Nova.
Uma das convidadas para participar deste Femi, a repentista paraibana Maria da Soledade, que nasceu na cidade de Alagoa Grande e completou 80 anos de idade no dia 9 de outubro de 2022, disse que já se apresentou em todas as edições anteriores do evento. “Disposição nunca me faltou”, comentou ela, que começou na cantoria aos 19 anos, por causa da influência do ambiente familiar, no Sítio Jenipapo “Meu pai não era poeta, mas admirador da cantoria e costumava receber cantadores em casa. Eu ficava num canto, observado e ouvindo as apresentações. Mas ainda criança, eu vestia um paletó de papai, colocava gravata e chapéu e ia animar as brincadeiras de bonecas das minhas amiguinhas, debaixo de um pé de Juazeiro, e usava um pedaço de pau, fazendo de conta que era uma viola. O meu pagamento por essas apresentações eram folhas de mato. A poesia é um dom de Deus e desde criancinha sou apaixonada pelo som da viola”, lembrou ela.
Maria da Soledade passou períodos de sua carreira profissional sem poder cantar, porque seu então marido, já morto, não concordava. Ela disse que então se separou, optando pela viola, e voltou a morar em Alagoa Grande, cidade na qual vive atualmente. “Eu sofria muito preconceito, porque a cantoria era reduto dos homens e, mesmo assim, ainda se achava que o homem decidia ser cantador porque era preguiçoso. Mas não baixei a cabeça e já gravei quatro discos, lancei folhetos de cordel e faço dupla com Minervina Ferreira há mais de 30 anos”, disse a artista.
O Festival Mulheres no Improviso é uma das iniciativas para evidenciar a importância feminina na cultura popular. “A mulher que atua nas áreas da poesia e repente está sendo melhor vista e bem quista, hoje em dia, porque vem tendo mais oportunidades de mostrar a sua arte e conta com mais apoio da mídia para divulgar o trabalho”, disse Maria da Soledade. “Apesar de não ter um estudo elevado, pois tenho a quarta série primária incompleta, sei lidar com o público e já me apresentei para políticos e autoridades, por exemplo”.
Soledade também utiliza a sua arte em defesa de causas sociais. “Fui uma das coordenadoras do Movimento de Mulheres do Brejo, do qual agora sou conselheira, participei da Marcha das Margaridas, em Brasília, e escrevi um cordel especial intitulado A Morte de Margarida, que fiz quando voltei para Alagoa Grande para homenagear minha amiga e contemporânea de lutas, Margarida Maria Alves, assassinada em 1983”, frisou ela.
Iponax Vila Nova comentou que sua expectativa é a de que o Femi contribua para não apenas divulgar o trabalho realizado pelas mulheres na cantoria, valorizando-o, como também venha despertar novos talentos femininos nessa área. “Apesar de não terem tanta visibilidade do universo do repente, notoriamente marcado pela participação masculina, as mulheres seguem firmes atuando nesta arte da cultura popular, marcando presença em festivais de cantorias com poesias que, muitas vezes, remetem às lutas, dificuldades, necessidades e contextos sociais e históricos das mulheres”, disse ele. “Ao longo dos mais de 200 anos de cantoria, as mulheres não tiveram uma maior participação nessa área, por causa das dificuldades, como a de ser uma área com presença majoritariamente masculina. Se fosse realizar um evento com 10 cantadoras e repentistas, eu teria dificuldades, pois surgiram poucas mulheres nessa área, nos últimos anos. Por isso que a minha esperança é de que esses festivais também contribuam para revelar mais mulheres para essa arte”, comentou o apresentador e idealizador.
*Matéria publicada originalmente no dia 8 de março de 2023.