Beats e sintetizadores se misturam com instrumentos orgânicos e se transmutam em um som que, embora enfeitado de novidades, nasce da costura de povos que formaram o que hoje se conhece por Nordeste, Brasil, América Latina. Na voz, mais que técnica e virtuosismo: uma entrega de alma. Límpida, aberta, desnuda. Assim é o álbum Tá Tudo Aqui Dentro, primeira incursão da multiartista Mayana Neiva no mercado fonográfico.
Atriz, diretora, podcaster, escritora, compositora, palestrante e, agora, cantora. Com Tá Tudo Aqui Dentro, ela oficializa esse novo talento em 12 faixas. Mayana falou sobre essa e outras artes — as quais ela embala em um único e especial laço, a que dá o nome de “cura”.
A música sempre esteve presente no mundo de Mayana Neiva, mas ela demorou a acreditar na própria voz. Debita isso à insegurança provocada nas mulheres por séculos de opressão masculina.“Acho que todas nós sentimos isso em algum momento, né? De ter que corresponder às expectativas do mundo”, observa.
Foi então que, durante a pandemia, num momento que ela considera um dos mais importantes da sua vida, ela escreveu “Cordel da mulher paraibana”, manifesto audiovisual lançado há dois anos e que está na abertura do seu álbum. “Mergulhei tão profundo nas minhas raízes, naquilo que eu sou e no que é significativo para mim, que descobri o quanto eu precisava acreditar nisso, sabe? Quando o mundo parou, eu consegui entender que não poderia morrer sem realizar o sonho de cantar”, conta.
Não somente esse, mas outros sonhos de Mayana se realizaram: falar sobre autoconhecimento num podcast de meditação, investigar as raízes sertanejas, dirigir clipes na terra dos seus avós. “Eu me sinto muito feliz de estar botando tudo isso para fora. É algo que me alimenta e tem mais a ver com a artista e com a mulher que eu quero ser daqui pra frente. Tudo está interligado”, acrescenta.
Mensagem feminina
O disco foi lançado no Dia Internacional da Mulher, no Spotify. Uma decisão previamente pensada, segundo Mayana. “O disco abre com o manifesto ‘Cordel da mulher paraibana’, que é uma mensagem para as mulheres. No clipe, com várias mulheres sertanejas, inclusive minha mãe e minha avó, eu quis mostrar que o Nordeste é vasto, é high tech, tem mulheres de todas as cores, idades e origens, mulheres tatuadas, jovens, maduras... Todas com a sua força”, observa.
Para Mayana, a segunda faixa, “Flecha”,é igualmente muito feminina: “‘A dor de ser flecha / rasgando a carne do tempo / atravesso o vento sem perder o chão’. A mulher é essa pessoa que sente na carne tudo o que vive, né? Estou nesse fluxo, de me abrir para as mensagens que me atravessam, que queimam o meu coração”, diz. A faixa “Queima”, com Chico César, segue na mesma linha de transbordamento, de coisa viva.
E há ainda uma conexão com América Latina, em faixas como a cumbia “E agora”— que dialoga com os ritmos latino-americanos —e “Yo no escribo poesía” — que tem letra assinada por uma poeta argentina e música de Chico. “Tem ainda a dança do acordeom, que passa do tango para o forró, uma coisa sinuosa, que tem muito a ver com o feminino. Então, sim, a escolha da data foi proposital”, enfatiza.
Embora tenha sempre convivido com a música, a atriz campinense conta que nunca havia pensado nessa arte como uma profissão. “Sempre foi como um hobby, uma coisa que faço por alegria, algo que me cura. Eu gravei esse disco porque me divirto e fico feliz quando faço shows, então, eu quero mais disso na minha vida”, diz.
Em Tá Tudo Aqui Dentro, Mayana conta com parceiros como Mestrinho e José Manuel, Josyara, Ylana, Yuri Queiroga, Guegué, Pupillo, Juliano Holanda e Igor de Carvalho. Na produção, Naná Rizzini, MagíBatalla, Marcus Preto, Marcel e Conrado Goes. O primeiro show de divulgação desse disco será no Bona Casa de Música, em São Paulo, no dia 24 de abril. “Mas quero muito levar para João Pessoa. Como será que eu faço isso?”, pergunta, entre risos.
Nova Jerusalém
A Mayana cantora não se sobrepôs à Mayana atriz. Na verdade, como ela mesma faz questão de frisar, todas as suas artes se misturam e têm a mesma mensagem — muda apenas o formato. “A minha arte está a serviço da consciência, da cura, da comunicação a partir da essência”, diz.
Não por acaso, o seu próximo projeto cênico se relaciona diretamente com a espiritualidade: interpretar Maria de Nazaré, na montagem da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém (PE). “Não acreditei, quando recebi o convite. É um desafio muito grande!”, diz ela, que também se chama Maria (é o seu segundo nome). “Minha mãe teve rubéola, quando engravidou de mim. Os médicos a aconselharam a abortar, mas ela não aceitou e fez uma promessa para Nossa Senhora: se eu nascesse com saúde, ela me daria o nome de Maria. Imagine o significado que Maria tem para mim”, conta.
Além do álbum de música e do espetáculo teatral, Mayana segue com a série Rotas do Ódio e vai ter outra produção audiovisual sendo lançada no primeiro semestre de 2025, a minissérie Guerreiros do Sol (Globoplay). Ela também quer trabalhar mais no Sertão paraibano. “A ideia é montar uma equipe toda sertaneja, basicamente formada por mulheres. Passar a minha mensagem por meio da música, do trabalho com atuação e das palestras é uma alegria enorme para mim. O mundo não precisa de mais gente famosa, mas de pessoas dispostas a curar”, afirma.
Através do link, acesse o disco de Mayana Neiva no YouTube
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de março de 2024.