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Escritoras se dividem sobre a poesia feminina

publicado: 25/01/2016 14h12, última modificação: 25/01/2016 14h38
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Quatro poetas se dividem entre a afirmação e a negação da poesia enquanto gênero: Débora Gil Pantaleão, Vitória Lima, Amanda Vital e Fidélia Cassandra - Foto: Divulgação

tags: poesia , literatura


Linaldo Guedes

Um tema sempre causa polêmica quando se discute questões de gênero na literatura: existe poesia feminina? Poesia tem gênero? Críticos e poetas se dividem sobre o tema, que já rendeu diversos livros e ensaios, além de polêmicas. Na Paraíba também não é diferente. Quatro poetas de gerações diferentes, ao serem provocadas sobre o tema, se dividem entre a afirmação e a negação da poesia enquanto gênero: Vitória Lima, Fidélia Cassandra, Débora Gil Pantaleão e Amanda Vital.

Autora de dois livros de poesia, “Fúcsia” e “Anos Bissextos”, Vitória Lima é enfática em relação ao assunto: “Acho que existe sim poesia feminina. Ela é resultante de um ângulo de observação do muito particular de quem a escreve. Poesia tem gênero, sim. Mas isso não restringe o gênero ao sexo do/a escritor/a. Um poeta pode escrever uma poesia marcada pelo feminino e vice-versa”.

Não é o que pensa Fidélia Cassandra, que acha complicado o rótulo “poesia feminina”. Para Fidélia, nunca se fala em poesia masculina, como se a poesia fosse própria do gênero. “Creio que há temas que são mais femininos que, na minha opinião, não impede que homens também trabalhem com eles. A delicadeza ou a força da poesia não está no gênero”, entende.

Amanda Vital, que lançou “Lux” no ano passado, não aprova a segregação de gêneros em âmbito algum, principalmente na literatura. “Quem escreve tem liberdade para se expressar tanto sob voz masculina quanto com voz feminina, podendo incorporar qualquer papel. O potencial para compor bons poemas independe de sexo”, analisa.

Já Débora Gil Pantaleão, autora de “Se eu tivesse alma”, prefere inverter a perguntar e provoca: "existe poesia masculina?" E acrescenta: "existe poesia transgênero?" “Por que a literatura escrita por mulheres deve ser lida por mulheres e a “masculina” lida por todos? Algumas pessoas ainda defendem esse pensamento retrogrado, ainda que alguns tendam a esconder. Por outro lado, o que há é a poesia feminista, isso sim... Com temáticas e abordagens feministas, de luta, pelo empoderamento das mulheres (Ler Débora Arruda e Líria Regina, minhas contemporâneas do Sarau Debaixo). Assim, acredito que poesia é escrita por mulheres negras, brancas, pardas, de classes diversas, de crises existenciais e idades diversas, etc. Por homens, por pessoas trans, enfim, por todos que fazem a poesia tão bela, por vezes dura e distinta”, comenta.

Nicho

E a poesia feita por mulheres na Paraíba, como avalia-la? Fidélia Cassandra, que lançou “Amora”, “Plumagem” e “Melikatron”, afirma que num “ambiente” extremamente machista, as poetas paraibanas estão construindo um nicho. Mas, segundo ela, alguns autores têm seus trabalho visto apenas pelo prisma do erotismo. “Diria que há sensualidade mais que erotismo... Sem nenhum medo da palavra erotismo. Sinto, algumas vezes, que os poetas paraibanos tentam diminuir a poesia escrita por mulheres como poesia feminina ou erótica”, reclama.

Amanda Vital acredita que há muita poesia de qualidade feita na Paraíba, tanto por mulheres quanto por homens. “Porém, não sei se posso afirmar que existam mais escritores que escritoras na região, porque falta reconhecimento e divulgação das mulheres que escrevem. Os escritores aparecem mais na mídia e recebem mais homenagens do que as mulheres. É um tema questionável, um bom assunto a se debater. Onde estão os saraus para as vozes femininas ativas na Paraíba?”, instiga.

Já Débora enfatiza que a poesia feita por mulheres na Paraíba é tão qualificada quanto a poesia feita por homens desse Estado, “embora eu acredite que o espaço e as oportunidades são menores para as primeiras, como várias estatísticas/estudos no Brasil e no mundo já comprovaram”. Ela propõe um desafio: “Vá na sua estante e veja quantos livros escritos por homens e quantos escritos por mulheres você tem, e aqui me inspiro na colocação feita por Virginia Woolf há quase um século”. Foi pensando nessa discrepância de oportunidades que Débora, uma das editoras da revista Malembe, colocou em debate com os outros dois editores a ideia de publicar os próximos números mantendo 50 por cento de autoria masculina e 50 por cento feminina.

Assédio

E assédio masculino, por conta de poemas eróticos eventualmente publicados pelas poetas, existe? Amanda Vital garante que sim. “O leitor tende a confundir poeta e pessoa, e acaba por tratar a escritora como um objeto de desejo, um fetiche. Não é um convite quando escrevo sobre sexo. Desde quando comecei a postar meus textos eróticos, venho recebendo coisas absurdas por e-mail e nas próprias redes sociais: cantadas grosseiras, comentários vulgares, convites explícitos e agressivos, textos com fantasias dos leitores... Uma vez, recebi uns 5 emails de um homem que nunca vi na vida com fotos dele nu lendo meus textos. São situações constrangedoras muito frequentes que fazem parte do nosso cotidiano, e vamos aprendendo com a prática a lidar com cada uma delas”, conta.

Fidélia avalia que existe assédio masculino e feminino também quando algumas pessoas acham que determinado poema tem matiz erótico. “Os animais são eróticos por natureza. É o que garante a perpetuação da raça... daí, acho meio preconceituoso, também, o rótulo poesia erótica tanto quanto “poesia feminina”. Por exemplo, muitas vezes, quando escrevo não me sinto homem ou mulher, simplesmente alguém que escreve ou observa uma cena e a descreve ou a vivência”, diz.

Débora Gil Pantaleão explica que para o assédio masculino existir não há necessidade de poema erótico. “Já escrevi alguns poemas, digamos, de teor erótico, mas só os expus para poucos, então não passei por isso”. Vitória Lima, por sua vez, garante que a poesia erótica não é o seu forte, por isso não pode se pronunciar com propriedade sobre o tema. “Talvez, outras poetas, como Irene Dias, Fidélia Cassandra ou Regina Lyra possam fazê-lo melhor que eu”, conclui.

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