Jamarrí Nogueira
Bailarinos cobertos de lama. Caos. Dança coberta de música e de cinema. Caos. Nesta terça-feira (27), em João Pessoa, a Companhia Deborah Colker apresentará o espetáculo ‘Cão sem plumas’, a partir das 20h, no Teatro Pedra do Reino, no Centro de Convenções. Trabalho é baseado na obra do pernambucano João Cabral de Melo Neto (autor de ‘Morte e vida severina’). Pernambuco, aliás, é base para esse trabalho inteiro de Colker... De Pernambuco para o mundo...
Cenas de um filme realizado por Deborah e pelo pernambucano Cláudio Assis – diretor dos longas ‘Amarelo Manga’, ‘Febre do Rato’ e ‘Big Jato’ – são projetadas no fundo do palco e dialogam com os 13 bailarinos. As imagens foram registradas em novembro de 2016, quando coreógrafa, cineasta e toda a companhia viajaram durante 24 dias por Pernambuco.
“A residência em Pernambuco foi genial. As oficinas, os saraus, o contato com os artistas populares, cantores, dançarinos, atrizes, atores, recitantes de poesia, intérpretes, os maracatus, plantadores de cana, catadores de caranguejos, ribeirinhos... A gente não sabia mais quem estava ensinando e quem estava aprendendo... Todos estávamos aprendendo, trocando experiências emocionantes, de muito amor inclusive”, disse Deborah Colker, em entrevista ao jornal A União.
Além da natureza humana da residência, Colker destacou a natureza geográfica, que permitiu o registro de imagens muito importantes para a produção do espetáculo. “O rio seco, o rio que se esconde, o aluvião, o rio que vai crescendo, que encontra o mar, o mangue, o rio que encontra a cidade, a favela. Tivemos a experiência de viver tudo isso. Filmar todos os dias e trazer essa lama e essa pele para o palco”, contou ela.
‘Cão sem plumas’, poema de João Cabral de Melo Neto é de 1950. E, conforme Colker, permanece muito atual. A obra segue a máxima de que falar de nossa aldeia significa falar do mundo inteiro. Colker enfatiza que a obra fala do Rio Capibaribe e fala de todos os rios do mundo. Uma obra universal.
“Fala do ribeirinho, mas fala de todos os oprimidos e marginalizados. Fala do descaso com a natureza humana e com a natureza geográfica. É sobre um homem mastigado, saqueado, enganado, roubado, que roubam dele até o que ele não tem. Mas, esse homem é resistente, insistente, penoso e guerreiro. Tragédia e exuberância juntas! Força e fragilidade”, falou ela.
Para colocar o projeto em prática, Deborah Colker contou com um time porreta de pernambucanos. O cineasta Cláudio Assis e o músico Jorge Du Peixe estão na lista. Compreenderam a crueza da obra de João Cabral de Melo Neto e também o olhar de Colker sobre a obra. Lirinha (ex-Cordel do Fogo Encantado) e Berna Ceppas também estão na equipe de trilha sonora. Cenografia e direção de arte são de Gringo Cardia.
“Cláudio Assis e Jorge Du Peixe são dois pernambucanos geniais. Criativos. Provocadores. Têm olhar sobre o Brasil... Do Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Acho que a gente sonhou junto com João Cabral [de Melo Neto] e junto com o Cão sem Plumas pra dar o nosso olhar da dança, do cinema, poesia e música”, declarou ela.
Os ingressos podem ser adquiridos na loja Hering do Manaíra Shopping ou online, no site tudus.com.br. Clientes do cartão Petrobras ou funcionários da empresa, mediante apresentação do crachá ou cartão, têm direito a até dois ingressos com 50% de desconto. Para a plateia A, as entradas custam R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia), já para a plateia B o preço é de R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). Para o balcão os valores são de R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia).
Houvesse seguido a carreira de jogadora de vôlei e, quiçá, tivesse participado das Olimpíadas do Rio de Janeiro de uma outra maneira. Mas, dizendo não ao vôlei e aos estudos de piano (que lhe renderam premiações em concursos de música clássica), Deborah Colker deixou sua marca nos Jogos ao assumir a Direção de Movimento.
“A experiência de fazer a direção de movimento das olimpíadas foi desafiadora. Mais de três mil pessoas [dançando no espetáculo de abertura dos jogos]. Adoro trabalhar com pessoas. Então, foi bacana. Tinha o sentimento de fazer uma abertura que desse certo no Rio, mesmo com todas as contradições de um evento político e complexo, após uma Copa do Mundo...”.
Colker avalia que o panorama sócio-político atual não é dos melhores... E reforça a necessidade de exercício de consciência frente ao cenário. “No pós-olimpíadas não é muito feliz o que a gente está passando. Mas, a experiência e o resultado foram incríveis”, disse a coreógrafa.
E complementou: “Qualquer tipo de censura, qualquer retrocesso, qualquer movimento fascista, qualquer violência absurda, qualquer hipocrisia e corrupção é tudo muito mal-visto, por mim e por todas as pessoas. Retrocesso não! O mundo tem que andar para frente e não pra trás”.
O papel da arte
A Companhia Deborah Colker se firmou como fenômeno pop em Velox (1995), Rota (1997) e Casa (1999). Os espetáculos Nó (2005), Cruel (2008), Tatyana (2011) e Belle (2014) trataram de temas existenciais, como os afetos. Em ‘Cão sem plumas’, Deborah toma para si uma temática crua e essencialmente brasileira.
“Arte tem que sempre provocar, experimentar e dar passos gigantes na frente de tudo. Tem que estar na frente. Intuindo, sentindo, emocionando... Tem que provocar a linguagem, provocando os sentidos”, declarou Colker, fazendo jus ao seu espírito de busca permanente pela novidade e pelo aprendizado.
Nas últimas décadas, Deborah se destacou no desfile das escolas de Samba do Rio de Janeiro, assinando as coreografias das comissões de frente de grandes agremiações, como Mangueira, Unidos do Viradouro e Imperatriz Leopoldinense.
Reconhecida internacionalmente, Colker recebeu em 2001 o Laurence Olivier Award na categoria Oustanding Achievement in Dance (realização mais notável em dança). Em 2009, criou um espetáculo para o Cirque de Soleil: Ovo, uma viagem pelo mundo dos insetos.