Guilherme Cabral
Depois de 15 anos da estreia da primeira montagem, que ocorreu em Salvador, em 2001, o espetáculo solo intitulado Bispo - concebido pelo Coletivo Bispo e o ator João Miguel, que o protagoniza e também é o responsável pela direção e dramaturgia - ganhou, agora, uma repaginada e vem cumprindo turnê nacional, iniciada pelo Nordeste, na capital baiana. A segunda cidade do itinerário da peça - cujo roteiro é de Edgard Navarro - é João Pessoa, onde será apresentada neste sábado e domingo, sempre às 20h, no Teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural José Lins do Rego, no bairro de Tambauzinho. Os ingressos custam R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) - à venda a partir das 16h de cada dia, na bilheteria - e a Classificação Indicativa é 12 anos. Essa breve temporada - que inclui workshop gratuito de teatro que ele ministra para 30 participantes hoje, das 18h às 21h, na Sala Vladimir Carvalho da Usina Cultural Energisa - tem o apoio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e Fundação Espaço Cultural (Funesc).
“A escolha de João Pessoa entre as primeiras cidades da turnê onde o espetáculo será apresentado é uma coincidência maravilhosa, e não apenas por causa de um dos patrocinadores. João Pessoa era um dos lugares que já estava previsto. Tenho muita ligação com essa cidade, onde, entre 1990 e 1996, integrei o Grupo Piollin, a quem tenho muita gratidão, pois atuei como produtor do espetáculo Vau da Sarapalha e iniciei as apresentações como Palhaço Magal, que criei estudando com Luiz Carlos Vasconcelos, o Palhaço Chuchu”, disse, para o jornal A União, o ator João Miguel, antecipando que Aracaju será a próxima capital onde a montagem será apresentada, seguida de Japaratuba, cidade sergipana onde o artista Arthur Bispo do Rosário nasceu. No domingo, depois da apresentação, ele vai bater um papo com o público.
O novo espetáculo solo - que tem o patrocínio do Ministério da Cultura e Grupo Energisa, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura - é livremente inspirado na vida, nas palavras e na obra de Arthur Bispo do Rosário. A remontagem dialoga com as vertentes modernas do teatro contemporâneo e propõe uma união de várias linguagens, como se fosse uma “sinfonia brasileira”, promovendo a fusão do cenário (artes plásticas), luz, texto e som (músicas e sonoridades, que remetem ao inconsciente de Bispo), que são mesclados em cena com as palavras de Bispo, só que na voz e no corpo do ator João Miguel. Por meio de um mergulho coletivo, é enfocada a lógica de criação de Bispo e a materialização da obra do artista numa dimensão profunda de reconhecimento, independente das catalogações a que ele foi submetido no decorrer de anos, como esquizofrênico e como artista plástico.
Nesse sentido, a remontagem aborda o universo místico de Bispo, a sua relação com a obra, a visão da Virgem Maria, a paixão pela psicóloga Rosângela Maria e os delírios são tratados com ritmo, humor e a profundidade que tal universo requer, tudo com o intuito de dividir, com o público, a “loucura lúcida” do artista, mas abrindo novas janelas sobre a potência genuína do homem brasileiro, aqui representado por Bispo, que se afirma através do próprio trabalho e provocando questões no espectador, que é convidado a penetrar no universo de criação de Arthur Bispo do Rosário, através de um olhar particular sobre suas palavras, sua obra e sua escrita.
“O espetáculo Bispo é um divisor de águas na minha carreira, pois me abriu as portas para o cinema”, comentou João Miguel, acrescentando que o primeiro filme no qual atuou, cujo título é Cinema, Aspirina e Urubus, foi realizado na Paraíba. “Essa remontagem é extremamente autoral, pois levei quatro anos para fazer, e continua bastante atual, inspirado na dinâmica da linguagem de Arthur Bispo do Rosário. O espetáculo não é sobre a loucura, mas sobre pessoas sobreviventes, que se reinventam, transcendem as catalogações de regionalismo, loucura, artes plásticas, sem deixar de incluí-las, mas abrindo novas janelas em um momento tão importante para o diálogo a respeito de identidade e cidadania”, prosseguiu ele, que ganhou prêmios de melhor ator, diretor, cenário, espetáculo e ator revelação, em 2001, e a indicação ao Prêmio Shell de Melhor Ator, em 2003. A propósito, foi durante essa temporada que recebeu convite para estrear na Sétima Arte, cujo resultado foi sua atuação no filme Cinema, Aspirina e Urubus, com o qual também foi premiado, inclusive no Festival de Cinema de Cannes, em 2005. A partir daquela época, conseguiu consolidar sua carreira, participando em mais de 20 filmes e séries.
A escolha - mais uma vez - de iniciar a turnê pela região tem um significado especial para João Miguel. “A ideia é fazer um movimento expansivo de temporadas, partindo do Nordeste, que é uma região muito representativa na obra de Bispo, para depois alcançar outras regiões do Brasil. A relação com o Nordeste, nesta temporada, está calcada nas minhas origens como artista e nordestino, dialogando com as de Bispo. Voltar ao teatro e fazer o caminho inverso dos espetáculos teatrais foi escolha minha; o Nordeste é o espaço de resistência de grande produção criativa na história do País, de onde saíram grandes movimentos marcantes para a cultura brasileira, como o Tropicalismo, o Cinema Novo, o Mangue Beat, grandes escritores, movimento de teatro baiano nos anos 60 e etc.”, justificou o ator.
Sobre o artista
Arthur Bispo do Rosário produziu, ao longo de quase 50 anos trancafiado num quarto forte da Colônia Juliano Moreira, hospício do Rio de Janeiro, um mundo próprio, constituído de miniaturas, mantos, estandartes e muitas outras peças. Para isso, ele se utilizava da sucata recolhida pelos internos e funcionários do asilo psiquiátrico, porque entendia que o ato de criar significava a própria salvação, embora, no registro dos boletins, Bispo não passasse de um esquizofrênico paranóico. No entanto, das suas mãos resultaram mais de 800 trabalhos, os quais, depois da morte do seu autor, em 1989, vieram a ser catalogados como obras de arte.