por Joel Cavalcanti*
A magia do circo ganha forma pela experiência que a lona abriga. Das luzes piscantes ao cheiro de doces que se sente assim que se pisa no chão de cascalho, tudo nos transporta para um mundo de espetáculos, que não podem parar. Mas, conhecido como “a mãe de todas as artes”, o picadeiro precisou ser desmontado e as arquibancadas esvaziadas durante a pandemia. Os seus artistas forjados na resistência e no improviso, porém, buscaram formas de continuar se reinventando no mundo virtual.
Não vai dar para ouvir os aplausos ou as gargalhadas do público, mas duas trupes circenses da Paraíba vão demonstrar o talento e a tradição de suas famílias em apresentações on-line na plataforma do Itaú Cultural. O Disney Circo, da Família Vidal, e a Montagem Circo se juntam a convidados de outros nove Estados e do Distrito Federal em números circenses, tanto tradicionais, com malabares, trapézio e globo da morte, como também contemporâneos, levando ao picadeiro questões de gênero, raça e memória. Os vídeos ficam disponíveis a partir de hoje até o dia 27 deste mês, no canal do YouTube da instituição (www.youtube.com/itaucultural). Para realizar reflexões a respeito dessa arte, haverá ainda bate-papos na plataforma Zoom, com ingressos reservados via Sympla, no site do Itaú Cultural.
Em um vídeo de três minutos, o público poderá conferir a destreza e a força do Homem Pássaro, número de acrobacia aérea que o artista Daniel Velasque apresenta com leveza na faixa olímpica. “Daniel representa a tradição e a continuidade. Ele é o principal artista do Montagem Circo, dando vida ao palhaço Requinho e fazendo acrobacias”, destaca Williams Sant’anna, que, além de palhaço e diretor artístico, faz parte de uma organização social chamada Centro Carcará, que tem sede em Cabo de Santo Agostinho (PE), e dá apoio a gestão dos circos itinerantes de pequeno porte da Paraíba e Pernambuco.
O Montagem teve sua história iniciada com o casal Antônio de Souza, o Palhaço Preguinho, e a dançarina Maria do Carmo Alves de Oliveira – patriarca e matriarca da família, respectivamente. Após trabalhar em muitos circos no Nordeste nas décadas de 1960 e 1970, e com nome consolidado, o Palhaço Preguinho criou seu primeiro circo em 1977. O Montagem Circo “faz praça” nos estados de Pernambuco e Paraíba, reunindo artistas da família Velasque e outros artistas que se juntam à trupe circense em números tradicionais e inovadores.
Já o Disney Circo traz números tradicionais de circos itinerantes, sempre pautado na herança cultural dos antepassados, mas antenado com o que há de moderno. “Como eles possuem uma família maior, a gente resolveu levar essa diversidade familiar no vídeo”, conta Williams, que faz assessoria artística do grupo. “O mais significativo no trabalho deles é a resistência e a tradição familiar”, complementa ele sobre a trupe que se apresenta em 10 números, como a Lira, Trapézio, Globo da Morte, Cama Elástica, Pêndulo Espacial, Malabares e Táxi Maluco. O espetáculo é realizado pelos artistas Débora Talita Vidal, Danilo Vidal, Mario Lucio Vidal Júnior, Daniel Velasque, Marcio Peres, Lucas Dourado e Kleberson Vidal. O Disney Circo tem sua história diretamente relacionada à história de sua matriarca, Dona Neuza Teles da Cunha, morta em 2013, aos 73 anos. O objetivo da criação do circo era amparar a família, que já está na quarta geração de apresentações para plateias de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Com a renda oriunda unicamente da bilheteria e das vendas da praça de alimentação, os circos ficaram sem ter como se sustentar na atual crise sanitária. “Alguns circos precisaram vender seus materiais e equipamentos e acabaram durante a pandemia”, conta Williams, que entende bem a necessidade de se manter o circo vivo por leis de incentivo como a Aldir Blanc e de iniciativas como a do Itaú Cultural. “Os circos cumprem um papel, sobretudo os pequenos, de chegar onde não chega quase nada de cultura. Ele vai a bairros pobres e cidades pequenas cobrando valores acessíveis a pessoas que vivem onde não tem cinema e teatro. Mas o circo chega lá, levando alegria, arte e entretenimento”, resume ele.
A programação especial traz ainda conversas com grupos como Doutores da Alegria, debate sobre o que mantém o circo vivo, oficinas de bufões e de ressignificação da estética dos corpos circenses, lançamento de livro sobre Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. A obra Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil (WMF Martins Fontes, 434 páginas, R$ 59,90) é a biografia do palhaço, acrobata, ator, instrumentista, compositor, ensaiador e dramaturgo feita pela historiadora Erminia Silva. O evento será encerrado com um grande cabaré circense transmitido ao vivo do Circo Zanni.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 06 de fevereiro de 2022