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Estilo Odair José

publicado: 12/09/2024 09h12, última modificação: 12/09/2024 09h12
Em conversa com A União, icônico cantor, atração de hoje do Projeto Seis & Meia, diz que rejeita rótulos e que se mantém antenado nos temas atuais
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Odair José, que cantou sobre anticoncepcionais quando isso era uma novidade, aborda a inteligência artificial no disco mais recente | Foto: Guilherme Weiman/ Divulgação

por Esmejoano Lincol*

“O músico da ‘Pílula’”. “O cantor das empregadas”. “O Bob Dylan da Central do Brasil”: esses apelidos — e muitos outros, impublicáveis — foram usados para definir um artista que usa seu próprio nome de batismo nos palcos: Odair José. “Acho tudo isso muito divertido, mas não gosto de rótulos em torno do que faço”, conta o cantor, em entrevista ao Jornal A União. Com um novo álbum na praça e dois projetos biográficos prestes a sair do forno, ele chega a João Pessoa hoje para uma apresentação dentro do Projeto Seis & Meia, a partir das 18h30, no Teatro Paulo Pontes (no Espaço Cultural, Tambauzinho). Os ingressos, ainda disponíveis, podem ser adquiridos por meio do site OutGo. O número de abertura será feito pela banda Caronas do Opala.

“Uma vida só”

Nascido em Morrinhos, no estado de Goiás, Odair cresceu próximo do campo e das violas caipiras. “Aos seis anos, pedi violão de presente de natal e meu pai me deu um cavaquinho, porque achou que seria mais ‘proporcional’ ao meu tamanho. Eu tenho esse instrumento até hoje”, revela.

Ao se mudar na adolescência para a capital, Goiânia, passou a ter mais contato com as rádios, que, àquela altura, nos anos 1960, eram dominadas pelos artistas estrangeiros e pelo ecletismo dos cantores nacionais. “Era moda que todo bairro tivesse uma banda e conosco não foi diferente: formei uma banda com meus colegas de escola e acabei participando de outras, com o passar do tempo”, rememora.

Logo vieram as primeiras experimentações como compositor, por volta dos 15 anos: o sucesso de cantores que também compunham, como Roberto Carlos, e a popularização do “refrão chiclete”, com os Beatles, influenciaram o artista. “Nos anos 1960, você só conseguia ter êxito se viesse para o Sudeste. Comecei a acalentar a ideia de me mudar de Goiânia. Mas a família era contra, no início; achavam absurdo”, explica.

Aos 18 anos, pegou um ônibus para o Rio de Janeiro, onde se instalou e começou a trabalhar. “Lancei um disco de forma independente em 1969 e chamei a atenção da CBS (atual Sony), a maior gravadora da época. Fui contratado e, com eles, gravei um LP homônimo, em 1970”, recorda.

ODAIR JOSÉ
- Show de abertura: Caronas do Opala.
- Hoje, às 18h30 no Teatro Paulo Pontes (Espaço Cultural, R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa).
- Ingressos: R$ 120 (inteira), R$ 90 + 1 kg de alimento não perecível (social) e R$ 60 (meia), antecipados na loja Brommer (Manaíra Shopping) e na plataforma Outgo.

“Eu vou tirar você desse lugar”

Como artista da Phonogram (hoje Universal Music) e da RCA (também absorvida pela Sony), viveu o seu auge comercial. Não tardou para que as primeiras tensões de sua carreira também aparecessem. Suas letras falavam de forma aberta sobre prostituição e métodos anticoncepcionais, por exemplo, fato que lhe causou patrulha por parte da Censura.

O êxito fonográfico também trouxe “ciumeira” e estranhamento. “Caetano Veloso me convidou para estar com ele no palco do Phono 73, festival da nossa gravadora de que, a princípio, eu não participaria, porque era uma coisa ‘mais MPB’. Ele me disse que não gostava muito da música da ‘Pílula’, mas que queria cantar comigo ‘Eu vou tirar você desse lugar’”, rememora.

Acompanhada pela banda Som Imaginário, a dupla foi vaiada pela plateia quando do anúncio do artista goiano. Caetano abandonou o palco, xingando os presentes, enquanto Odair permaneceu, a pedido de Arthur da Távola e Nelson Motta, que produziam o show. O público arrefeceu a raiva com a volta de Caetano, e a apresentação de um de seus maiores sucessos terminou com aplausos.

“Este era o último dia do festival. Ao final, recebi uma ligação do nosso presidente, André Midani, para saber o que eu tinha achado. Eu não estava dando muita importância, mas ele me respondeu dizendo que aquilo seria um marco na minha carreira”, relembra.

“Deixe essa vergonha de lado”

O artista sustenta que o termo “brega”, que adjetivou seu trabalho por muitos anos, surgiu posteriormente às primeiras décadas de sua trajetória, como tentativa de tolher e enquadrar músicas que, segundo ele, iam muito além das “caixinhas” dos críticos. “Eu sigo o dicionário: ‘brega’ significa algo de mau gosto e não concordo com isso. Você não pode falar de gosto quando se trata de arte”, afirma.

As conversas com Raul Seixas, colega de gravadora, foram cruciais para definir seu estilo de compor – sem rodeios. “Chegamos à conclusão de que precisaríamos escrever de forma diferente, senão não chegaríamos a lugar nenhum. Eu escrevo sobre o meu cotidiano como se fosse uma reportagem jornalística”, define.

Odair nunca deixou de produzir material novo: em julho, lançou o disco Seres Humanos (e a Inteligência Artificial), álbum conceitual sobre problemas da atualidade. “Parte dos instrumentos, dos vocais e da masterização foi produzida, justamente, por inteligência artificial”, detalha. Odair sugere que devemos nos aliar a essa nova ferramenta, pois, do contrário, seremos engolidos por ela. Ele ressalva que não podemos esquecer da ética, quando de sua utilização. “Estamos vivendo um evento tão ou mais importante quanto o surgimento da internet. A IA é uma verdade permanente, em qualquer segmento. Os músicos ficarem se lamentando por conta do seu uso é uma bobagem”, alega. 

Eu sigo o dicionário: ‘brega’ significa algo de mau gosto e não concordo com isso. Você não pode falar de gosto quando se trata de arte - Odair José | Foto: Bernardo Guerreiro/ Divulgação

“O filho de José e Maria”

As peculiaridades da carreira de Odair José serão alvo de dois trabalhos biográficos, com lançamentos ainda não definidos. O documentário Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, dirigido pela realizadora Dandara Ferreira (de Meu Nome é Gal) acaba de ter suas filmagens concluídas e entrará em fase de pós-produção. Já o livro O Evangelho Segundo Odair, escrito por Leonardo Vinhas, traz como alvo O Filho de José e Maria, álbum temático sobre a vida de Cristo que rendeu ao artista uma excomunhão: este deve ser lançado neste semestre pela editora Barbante. Maldito quando de seu lançamento, em 1977, esse LP ganhou nova tiragem em vinil em 2024, pelo selo Polysom. 

Os hits de Odair continuam sendo celebrados. O músico atribui esse interesse perene à atemporalidade dos temas levantados em suas obras. Ele ainda diz que para além da compreensão encontrada entre os mais jovens, os novos e velhos ouvintes que consomem sua discografia lhe ajudam a redescobrir aquilo que ele mesmo produziu, décadas antes, agora sob novos aspectos.

“Um dia, um jornalista ficou me cutucando na tentativa de que eu definisse qual era o meu estilo. Eu lhe respondi dizendo que, depois de mais de 50 anos de carreira, eu só conseguiria me enquadrar em único estilo: ‘Odair José’”, finaliza.

Por meio do link, acesse o site de venda de ingressos

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de setembro de 2024.