No ano do seu centenário de nascimento, a artista Zabé da Loca terá seu legado e memória não apenas relembrados, mas também renovados. A iniciativa é do Festival Internacional de Música de Campina Grande (Fimus). Além de revelar a grande homenageada, o evento anunciou a data de sua realização (de 12 a 21 de julho) e um cronograma de ações prévias, entre elas, as inscrições para a série Jovens Talentos, abertas até 18 de março, para solistas, duos, trios, quartetos e quintetos de música de câmara, jazz e choro.
Diretor artístico do Fimus, e um de seus idealizadores, o professor Vladimir Silva contou à reportagem de A União que a homenagem à Zabé vem de um desejo de estabelecer novas perspectivas e diminuir as fronteiras que separam as diferentes formas de expressão musical. Por isso, para a 15ª edição do evento, foi criada uma nova série de concertos, intitulada Mestres e Mestras da Música no Brasil. “Esta série tem como objetivo dar visibilidade aos grupos que trabalham com a música de tradição oral dos povos originários, entre eles, os tocadores de pífano e rabequeiros das comunidades ciganas e quilombolas”.
Ainda de acordo com o professor, “Zabé da Loca é a grande síntese dessa música de tradição oral”. Uma peça para flauta inédita está sendo composta por Danilo Guanais, compositor paulista radicado no Rio Grande do Norte, para ser apresentada durante a programação.
Como várias mulheres do interior nordestino, Zabé da Loca teve uma vida de luta e muitas adversidades. Nascida em Buíque, no Sertão pernambucano, em 12 de janeiro de 1924, Isabel Marques da Silva se mudou na adolescência para a região de Monteiro, no Cariri paraibano. Aprendeu a tocar o pífano com o irmão Aristides. “Minha vida era limpar o mato no roçado do meu pai”, contou Zabé, em entrevista a este repórter, em 2007, por ocasião do lançamento do álbum Bom Todo, produzido flautista e compositor Carlos Malta.
Nessa época Zabé já era reconhecida: ganhou fama a partir dos 73 anos, quando gravou seu primeiro disco, Da idade da pedra (1997), produzido com tiragem limitada por uma agência de fotografia de João Pessoa. Até então, seu talento para o canto e o pífano ficava restrito à Zona Rural de Monteiro, onde vivia. O segundo CD veio em 2004, quando Zabé integrou a coleção Cânticos do Semiárido, fruto da parceria entre o Instituto Dom Helder Câmara, o Ministério da Reforma Agrária e a Fundação Quinteto Violado. Sem fins lucrativos, a série teve baixa tiragem e, mesmo na época, foi difícil encontrar uma cópia nas lojas. Em vida, Zabé também experimentou o gosto da fama ao tocar com Hermeto Pascoal, participar de duas edições da São Paulo Fashion Week, e do programa Rumos Música Itaú Cultural. Atualmente, apenas o álbum Bom Todo está disponível nos serviços de streaming. Ou seja, para ouvir seus outros trabalhos, é preciso procurar no mercado de mídia física.
O apelido de Zabé vem do fato de ter vivido por 25 anos dentro de uma gruta de pedra e taipa na Serra do Tungão, no Cariri paraibano, para onde se mudou após a morte do marido. Com idade avançada, após um processo de reforma agrária em 2003, passou a morar no Assentamento Santa Catarina. Gravou mais dois álbuns e seguiu se apresentando mundo afora, até falecer em 2017, por causas naturais. Seu legado está protegido no memorial da Associação Cultural Zabé da Loca, instalada na própria casa da artista, e gerida por sua afilhada, Josivane Caiano.
Além das duas séries de concertos citadas, o Festival Internacional de Música de Campina Grande também terá a série Master e oferecerá cursos de música instrumental, vocal, regência, composição e produção musical, em diversos locais da cidade (UFCG, Teatro Municipal Severino Cabral, Feira Central, Instituto dos Cegos e Hospital Universitário Alcides Carneiro) e municípios ao redor.
Todos os concertos terão entrada gratuita. A 15ª edição Fimus é uma realização da Universidade Federal de Campina Grande, Fundação Parque Tecnológico da Paraíba e Affins Produções. Este ano, o evento está sendo fomentado pelo Programa Funarte de Apoio e Ações Continuadas 2023.
Discografia de Zabé da Loca
- ‘Da idade da pedra’ (1997);
- ‘Cantos do Semiárido’ (MDA, 2003);
- ‘Bom todo’ (Crioula Records, 2007)
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 25 de fevereiro de 2024.