“Outro dia, estava eu num fim de tarde, com um amigo de infância, tomando uma cervejinha para dissipar as impurezas do dia a dia. O papo estava bom e os copos de cerveja passavam a comandar os ponteiros do tempo”. Assim se inicia um dos “causos” narrados no conto “A namorada”, integrante do livro Estigma de um Amor Sagrado e Outras Histórias, do escritor paraibano Cláudio Limeira. A obra realizada pela editora A União será lançada amanhã, às 19h, na Livraria A União, que fica localizada no Espaço Cultural José Lins do Rego. O livro reúne 18 histórias e marca a estreia do autor nas searas do conto.
Em sua casa, no bairro do Castelo Branco, Cláudio recebe a reportagem para prosear a respeito do livro, ao lado de sua esposa, Yó Limeira, companheira dos ofícios e da vida do autor. Na sala, alguns dos quadros pintados por Cláudio.
Sobre o livro e seu processo criativo, o autor comenta de forma modesta e categórica: “A maioria é tudo ficção mesmo. Os contos são baseados em temas. Um tema qualquer que a gente pega do dia a dia, ou de alguém mesmo. Uma história que se ouve. Eu pego só o tema e o resto é ficção”.
Sua literatura ficcional está vinculada às histórias do cotidiano, aos temas banais — nos termos de Cláudio —, que por algum motivo chamam a atenção do escritor e o envolvem ao ponto de transposição ao papel, o que muitas vezes é feito de próprio punho por Yó. “Aí a imaginação começa a voar e, seja o que Deus quiser”, afirma Cláudio, com um largo sorriso.
Para Cláudio, o conto é uma narrativa um pouco difícil, “porque tem que ter síntese. No romance o sujeito se solta, à vontade, com detalhes. O conto já é mais sucinto, mais preciso, mais calculado, nesse sentido. Requer mais um certo cuidado sobre o lado estético”.
Tendo começado como escritor por meio da poesia, ele conta que sempre se envolveu com literatura de uma maneira geral. Autores nordestinos, a exemplo de José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado, compõem o estigma do amor sagrado de Limeira pelas letras, enquanto horizontes de influência. Mas não apenas.
Neide Medeiros, integrante da Academia Paraibana de Letras (APL), afirma à orelha do livro que o texto de Cláudio Limeira apresenta nítida inspiração nas contações que vêm do povo, com histórias que tendem a despertar a curiosidade do leitor, dada a linguagem popular utilizada em seus escritos. Como cenário de fundo para tais narrativas desponta o Sertão nordestino e seus tipos sociais, como bêbados, mulheres fofoqueiras e desocupados.
Estigma de um amor sagrado e outras histórias
- De Cláudio Limeira. Editora: A União. R$ 40.
- Lançamento amanhã, às 19h na Livraria A União (Espaço Cultural, R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa)
- Entrada franca.
Limeira e seus causos
No prefácio de Estigma de um Amor Sagrado e Outras Histórias, o poeta e crítico literário paraibano Hildeberto Barbosa Filho atesta a longeva trajetória de Limeira e a iniciação da obra — como bem realizavam os jornalistas-literatos de outrora — por meio da publicação primeira de vários de seus contos em páginas de suplementos ou revistas literárias. A esse respeito, Limeira lamenta: “É difícil você encontrar espaço. Num passado mais recente já não se abria mais espaço para a literatura. Não tinha mais literatura em jornal, a não ser os especializados, como o Correio das Artes”.
Sobressai-se no escritor a versatilidade e multiplicidade por lidar, no seu labor com o verbo, com a poesia, a crônica e, agora, o conto, além de já ter se enveredado pela literatura infantil no Correinho das Artes. O tempo presente, cotidiano, marca tão profundamente a escrita de Limeira que ele já não sabe precisar ao certo quanto tempo durou a criação da obra. Ademais, muitos dos textos reunidos no livro foram publicados em antologias passadas – os textos mais recentes incluídos em Estigma de um Amor Sagrado e Outras Histórias datam de três anos atrás.
Um dos contos destacados por Limeira é “Acerto de contas”, por seu teor bem humorado e mais interiorano. No entanto, o autor observa desconsolado não haver mais tantas diferenças culturais entre as cidades. “Hoje a massificação é grande, via televisão. Hoje você vai pro interior, tanto faz você ir pra minha terra, Cuité, como ir pra Cajazeiras, como pra uma cidade do Rio Grande do Sul. Ficou padronizado, infelizmente. Igualou tudo em rés do chão”, declara.
Editora
Naná Garcez, diretora-presidente da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), afirma a satisfação da instituição em fazer parte do novo capítulo da história de Limeira.
“A editora é uma grande porta para todos os escritores paraibanos. Cláudio Limeira é um caso especial, porque ele é muito reconhecido no meio cultural e é a primeira vez que ele trabalha com a gente. Tivemos muito carinho com a obra, em toda editoração”, afirma. “Pra gente é um ponto muito positivo, porque quanto mais editarmos obras de qualidade, mais referência e respeito ganhamos no mercado editorial”. Ressalte-se que o título passou pela avaliação do Conselho Editorial da Editora A União.
Histórico
Nascido em Cuité (PB) em 1946, Cláudio Limeira da Costa é Licenciado em Ciências, com aperfeiçoamento na área de Educação Artística. Trabalhou em diversos órgãos culturais do estado, tais como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), Secretaria de Cultura, e Fundação Espaço Cultural (Funesc).
Foi revisor dos jornais A União e Correio da Paraíba e assinou uma coluna de humor nos jornais O Norte e em A União, além de ter sido editor do suplemento literário Correio das Artes e coeditor das publicações Correinho das Artes e Revista Verdes Anos. Publicou os livros de poesia Desafio (1980), Cãotidiano (1995) e Remanso (2006), tendo participado de várias antologias nacionais e internacionais, em Portugal e na Suíça.
“Uma pessoa um pouco introvertida, que gosta de arte, de um modo geral, na área de cinema, folclore, fotografia, pintura. Sou apaixonado por cinema e pela fotografia também”, declara Cláudio Limeira sobre si mesmo e suas paixões. Ao lembrar das praticamente extintas bancas de revista, o autor afirma querer alcançar com seu livro a vontade de leitura por parte de todos os públicos, sobretudo o público adulto devido a alguns “causos” mais escabrosos.
Ao sair, a reportagem se despede olhando para o tempo, motivo exposto nas pinturas da sala e nos objetos pessoais que conserva, a exemplo de uma máquina datilográfica, um toca-discos e, claro, os livros, o bom e velho estigma dos autênticos literatos.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de junho de 2024.