Lucas Silva - Especial para A União
Vista muitas vezes, pela sua pluralidade e diversidade cultural, a cultura africana vem ganhando cada vez mais força e espaço no celeiro artístico brasileiro, demonstrando aos seus apreciadores a riqueza e grandiosidade que suas raízes possuem. Dessa forma, seu contexto histórico e ligação com a cultura brasileira ressalta a importância em saber cada mais vez sobre o universo negro. Portanto, para dar suporte a isso, os artistas plásticos Elioenai Gomes e Ricardo Peixoto estão em cartaz na Galeria da Ladeira, mais precisamente no Ateliê Multicultural Elioenai Gomes, com as exposições “Auto dos Orixás” e “Ubuntu”. São mostras que mergulham literalmente no universo africano e demonstram sua essência, e o público poderá se deleitar com a contemplação das obras até o dia 2 de março, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h. A entrada é franca.
“O meu maior objetivo com a temática que utilizo é sensibilizar as pessoas e quebrar a intolerância que vem sendo atribuída à cultura negra ao longo dos anos. Na verdade, quero dar visibilidade à questão da cultura afro, a partir de informações que muitos não tem acesso. Por exemplo, junto a cada quadro serão anexadas informações adicionais que descrevem os orixás e falam de aspectos peculiares de cada um deles, criando assim um contexto plural do que cada um se trata”, contou em entrevista ao jornal A União, o ativista cultural e artista plástico, Elioenai Gomes.
Desbravando ainda mais o ambiente ao qual os artistas querem demonstrar ao público, Elioenai Gomes, por exemplo, traz a sua quarta série de pinturas. Com quadros de 55x35, todos feitos sob a técnica de acrílico sobre tela, Gomes traz toda a reverência aos orixás com seus elementos místicos, a força das crenças, costumes e o legado espiritual da cultura negra. Além disso, ancestrais divinizados com suas representações ligadas à força da natureza e as emoções do ser humano completam seu arcabouço artístico.
“Cada orixá tem o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, oferendas, espaços físicos e até horários. Herança africana que traz a força do sincretismo religioso herdado e construído na expansão da criação humana. Na verdade, essa série de agora é uma ilustração do figurino do Auto dos Orixás, evento que já vem sendo realizado na capital há algum tempo. A partir disso, saí contando história com os desenhos que desenvolvi”, descreveu detalhadamente o artista plástico, ainda durante a entrevista.
Com um total de 14 imagens, sendo 8 telas, Elioenai define seu trabalho com traços fortes e empoderamento da cultura africana, trazendo em cada uma delas Legbara, Ogum, Ossaim, Oxossi, Oxumarê, Obaluaê, Obá, Iogunedé, Oxum, Xangô, Iansã, Oxaguiã, Iemanjá, Êwá Nana e Oxalá. “Defino meu trabalho com uma única palavra: ‘Axé’. Ele representa a grande alegria de ser negro e a força que define os deuses. Por exemplo, uma roda de capoeira é cheia de axé, pois promove muita animação e alegria. Mas, também pode ser encarado como uma saudação, um cumprimento através do qual se desejam, ao próximo, coisas boas, força, ânimo e energia”, finalizou Elioenai Gomes.
Por outro lado, outra exposição que também ganha destaque na cena cultural paraibana é “Ubuntu”, do artista plástico paraibano, Ricardo Peixoto. Em um breve recorte, Peixoto demonstra o espírito de unidade por meio de uma série de personagens que trazem em suas raízes o legado da miscigenação dos povos.
“A exposição é uma série que foi produzida em 2013 durante a realização do Novembro Negro, que aconteceu em Lucena. No total trago 12 imagens, sendo feitas pela técnica da colagem, desenho e fotografias. E quero passar com elas a ideia de identificação e ideologia que tenho empatia”, disse o artista visual, Ricardo Peixoto.
A história, a beleza, a força, o carinho, a sabedoria e o respeito às diferenças segue o princípio básico do conceito africano ubuntu – sou o que sou, porque somos todos nós - traduzido como “humanidade com os outros”.
Durante a entrevista, Ricardo ressaltou o importante processo de inspiração para construção de suas obras. “Eu sou muito inquieto, então, desde uma conversa, uma música ou uma leitura posso me estimular a produzir. Embora o meu tempo de produção seja diferente para cada peça, por exemplo, essa exposição em especial vem sendo trabalhada desde 2013, mas tem outras que levam menos tempo. Com esse tempo eu vou estudando formas e maneiras de me aproximar do público, porque acredito que a base de um bom trabalho seja a aproximação com a população”, enfatizou.
Outro ponto interessante a se destacar é que, na África do Sul, a noção de Ubuntu ligou-se também à história da luta contra o Apartheid e inspirou Nelson Mandela na promoção de uma política de reconciliação nacional. Muitos anos antes, quando Mandela criou a liga da juventude da ANC, em 1944, a noção já estava presente no manifesto do movimento. Ou seja, em cima de todos esses conceitos e essências, Ricardo Peixoto traz um conjunto de imagens, desenhos, fotografias e colagens expostos na galeria.
Quem são os artistas?
Elioenai Gomes - Artista plástico paraibano nascido em João Pessoa, cuja trajetória artística de 24 anos inclui diversas exposições individuais, coletivas e instalações no Estado, no Brasil e no exterior. Idealizador de criações artísticas e campanhas para os movimentos sociais, políticos e culturais da capital, bem como de todo o País.
Atualmente coordena o Ateliê Multicultural Elioenai Gomes, referência de multiculturalidade na cidade e especificamente no Centro Histórico de João Pessoa.
O ateliê, situado na Ladeira da Borborema, no bairro do Varadouro, executa ações sócioculturais centradas na integração de todos os segmentos artísticos, como ferramenta de transformação e inclusão social, tais como, exposições, cursos, oficinas, espetáculos teatrais, capoeira, dança, percussão, exibições de vídeos, recitais poéticos, debates e rodas de conversa, vivências, shows, entre outros.
Ricardo Peixoto - Fotógrafo e jornalista, o artista visual é graduado em Comunicação Social, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atua profissionalmente desde 1989, e coordenou projetos de pesquisa e documentação (Fapesp/UFPB).
Em 1995, fundou a Agência Ensaio, ao lado de Marcos Veloso e Mano de Carvalho, a primeira agência de fotografia da Paraíba, atuante no fomento da produção fotográfica e atividades em comunidades de baixa renda, junto a alunos de escolas públicas e privadas.
Desde esta época organiza o Festival Lambe-Lambe de Fotografia, com atividades simultâneas durante o mês da fotografia (agosto) em várias instituições culturais da cidade. Atualmente, coordena um projeto que trabalha a utilização da imagem como instrumento de linguagem e formação profissional em projetos sociais nas escolas, universidades, fundações e instituições culturais de diversas cidades do País.
Curador do Museu da Imaginação, participou de vários salões e festivais nacionais e internacionais de fotografia, e suas obras integram acervos e coleções no Brasil, Argentina, Áustria e França. Ministra oficinas, cursos, workshops e palestras pelo País há 15 anos.