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Falando de amor

publicado: 13/10/2025 08h57, última modificação: 13/10/2025 08h57
Isabella Taviani conversa com A União sobre seu novo EP, em que assume o lado confessional de sua obra
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Isabella Taviani contou com três produtores diferentes para as cinco faixas do disco | Foto: Vinicius Mochizuki/Divulgação

por Daniel Abath*

Quando os críticos a julgavam uma cantora confessional, Isabela Taviani não tomava como algo pejorativo. Com o tempo, passou a entender que, sim, havia ali uma avaliação negativa. Tomando para si o melhor daquilo que tanto lhe apontavam, reconheceu o traço confessional que é próprio à sua trajetória e decidiu assumi-lo com o EP Confissões (De Amor) – Vol. 1, cantando seus amores, desamores, angústias e alegrias. O trabalho já circula nas plataformas digitais.

Em conversa com A União, a cantora conta que o título surgiu quando planejava um show comemorativo de 20 anos de carreira, que acabou se tornando um projeto de voz e violão, levado a diversas cidades do país. Dizendo-se uma artista afeita ao romantismo de contar uma história em cada projeto que faz, percebeu que faltava “amarrar” alguma coisa.

“Percebi que para eu voltar a atuar com a banda, trazer a banda para o palco, meus colegas músicos, e dividir com eles a cena, era legal eu ter uma história para contar, para justificar tudo isso. Então, resolvi fazer um álbum para ter uma justificativa de voltar com a banda”, comenta Isabella. 

Formato em EP permite à artista voltar a “contar histórias” em cada disco | Foto: Divulgação

O EP é composto de cinco faixas autorais. Duas delas foram escritas em parceria com sua esposa, Myllena Gusmão — “Tente não chorar” e “Não para”. “‘Tente não chorar’ nasceu como uma encomenda da Sony Publishing para Ivete Sangalo, por volta de 2014. Fiz essa música no piano e mandei, mas não sei se ela chegou a ouvir, se chegou até ela”. A canção ficou guardada, esquecida, até que, por ocasião do EP, Myllena atentou para a música e por revisitar sua letra, que sentira ter ficado “meio estranha” à época.

“Coisa do passado”, “Flechas na parede” e “Acabou nosso tempo” (essa última, feita com Renata Fausti), perfazem as demais faixas. “Tem um toque de country americano. Eu escuto muito Brandi Carlile e Melissa Etheridge, e quis trazer um pouco dessa sonoridade”.

Pode-se dizer que o setlist constroi uma ordem narrativa. Começando com a dura “Tente não chorar”, em clima de abandono, “Acabou nosso tempo”, mostra toda a dificuldade que envolve o rompimento propriamente dito. “Coisa do passado” faz o tempo caminhar para uma saudade mais leve, confortada por memórias. Encontrando janelas temporais no cotidiano, “Flechas na parede” é tentativa de romper com a rotina, enquanto que em “Não para” o eu lírico se pega entendendo-se amante em pista festiva.

Fanzoca da Leila

Com 37 anos de trajetória musical, Taviani mantém raízes que remontam à infância. “Meu avô era baiano, gerente do Banco do Brasil, e cantava ópera como segunda profissão. Foi ele quem me apresentou o canto clássico e me levava ao Teatro Municipal para assistir todas as montagens das óperas”, recorda. A mãe, pianista, também teve papel importante. “Comecei a estudar canto clássico aos 16 anos e cheguei a ser solista de orquestra, mas minha paixão sempre foi a MPB”.

O avô era muito crítico, apesar de gostar de algumas cantoras: Olivia Newton- -John (1948–2022), Elis Regina (1945–1982) e, principalmente, Simone. Mas Leila Pinheiro o cativou quando de sua aparição como vencedora do prêmio de artista revelação, no Festival dos Festivais, de 1985. “Ele tava comigo assistindo o festival e disse: ‘Ó, essa menina aí canta! Essa aí é boa’”, relembra.

A partir do aval, Taviani passou a ser uma “fanzoca da Leila”, artista brasileira que mais lhe influenciou, sobretudo durante a fase em que cantava bossa nova, em saguões de hotel e restaurantes. Para além do registro vocal médio-agudo, a proximidade com a ídola mostrou-se com o passar dos anos uma amizade duradoura.

Parando com o canto lírico, participou do musical Ridículo Amor, em 1994, em substituição à atriz e cantora Beth Lammas, dona de voz grave. “A partir de 1994, eu me permito cantar mais com essa voz de peito, a tessitura mais grave chegou na minha vida e foi aí que eu comecei a entender que personagem era eu”.

No novo trabalho, a artista revisita essa trajetória de maneira simbólica, misturando o lirismo das origens com a liberdade adquirida nos últimos anos. O formato em EP, adotado após experiências com singles de 2022 a 2024, permitiu que voltasse a contar suas histórias completas.

“A música romântica existe desde o homem das cavernas”, diz ela. “É a música para conquistar, para sofrer, para sentir. Todo mundo tem aquela canção que ouve quando está na fossa”.

Produção Frankenstein

Mais do que a temática, o processo de produção marcou uma virada em sua carreira. Em apenas cinco faixas, Isabela reuniu três produtores diferentes — além dela própria — e músicos de estilos variados.

Entre os convidados estão nomes como Rafael dos Anjos, produtor do disco Munduê, do sambista Diogo Nogueira, responsável pelo single “Me deixa entrar na sua vida”, primeiro samba gravado por Taviani. “Eu falei para ele: o refrão tem cara de samba, mas a música não é samba. É MPB com um refrão alegre. Eu só queria um pandeiro para dar swing e ele fez muito bem”, relata.

O pianista Dudu Farias, parceiro da cantora na faixa “A vida vive sem você”, outrora presente em seu álbum A Máquina do Tempo (2020), assumiu “Tente não chorar”, faixa que, segundo Isabela, exigia uma sonoridade “bem doída”. “Eu queria a primeira parte só com piano e voz, depois a entrada da banda, com virada longa e teatral de bateria. O Dudu captou isso perfeitamente”, descreve.

Sérgio Melo, baterista e integrante da banda de Lulu Santos, foi o terceiro produtor do disco, de longa data na trajetória de Isabella. “Produzir com um baterista é uma loucura”, brinca. “Ele só pensava nos ritmos, na levada, e eu tava enlouquecida com as harmonias. Foi um processo de muita troca”. Dessa parceria surgiu a reconfiguração de “Coisa do passado”, originalmente concebida como um ijexá. “A canção nasceu como um axé suave. O Sérgio quis levar para uma onda meio Toto, Genesis. Eu dizia: ‘Você está maluco, isso é axé!’”, relembra rindo.

Durante as gravações, Isabella chegou para o engenheiro de som com o seguinte comentário: “Isso tá uma loucura, não tá bicho? Isso aí tá um Frankenstein!”. Em resposta, ouviu do técnico que estava “sensacional”, atestando as várias cores com as quais as canções conversavam — presente à variedade cromática está o baixista Paulo César Barros, que gravou em todos os LPs de Roberto Carlos, do período de 1961 a 1982, e marcou a Jovem Guarda na formação da banda Renato e Seus Blue Caps.

Como entregue pelo título, Confissões (De Amor) – Vol. 1 inaugura uma série. “A ideia é que este seja apenas um pedaço de uma compilação que virá nos próximos quatro anos; não sei quanto tempo, não posso prever”. A turnê de lançamento do novo EP começa em novembro — dia 19, no Teatro Riachuelo, no Rio, e dia 23, no Tokyo Marine Hall, em São Paulo. “Acho que só no ano que vem eu começo a percorrer o Nordeste e João Pessoa, que eu amo, está na rota. Eu não abro mão”, confessa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de Outubro de 2025.