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Fest Aruanda mergulha na soul music

publicado: 06/12/2023 09h17, última modificação: 06/12/2023 09h17
Hoje, em João Pessoa, encerramento do evento gratuito contará com a exibição do longa ‘Black Rio! Black Power!’
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Cenas do documentário, que envereda pelos bailes negros dos subúrbios cariocas e mostra a luta por justiça racial durante os anos da ditadura - Foto: Espiral/Divulgação
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Ativista e produtor Dom Filó é o entrevistado que “conduz” o filme - Foto: Espiral/Divulgação
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Foto: Espiral/Divulgação
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Diretor e roteirista carioca Emílio Domingos: É um filme sobre política e música. Só o fato do movimento ter existido é um ato político, uma política de identidade - Foto: Espiral/Divulgação
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Dom Filó no filme Black Rio!! Black Power!.jpg
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por Guilherme Cabral*

O longa-metragem Black Rio! Black Power!, dirigido e roteirizado pelo carioca Emílio Domingos, será exibido pela primeira vez na região Nordeste hoje, dentro da programação de encerramento da 18ª edição do Fest Aruanda, que se realiza a partir das 19h30, na Rede Cinépolis do Manaíra Shopping, em João Pessoa.

Na ocasião, o cineasta fará a apresentação do documentário para o público e veio acompanhado do ativista negro e produtor cultural Dom Filó, o entrevistado que “conduz” a narrativa do filme, o qual mergulha nos bailes de soul music dos subúrbios do Rio de Janeiro na década de 1970, dando origem, há 50 anos, ao movimento Black Rio, e mostra a importância do cenário musical na luta por justiça racial durante os anos da ditadura militar brasileira. Além da solenidade de premiação, haverá exibição do filme Vandré no Exílio (1970).

“Eu participarei do Fest Aruanda pela primeira vez e estou supercurioso para ver como o público vai se comportar diante do filme, que contém uma forma de expressão, o baile soul, que reverberou pelo país e contribuiu para o surgimento do movimento negro no Brasil, nos anos 1970. O documentário terá sua última sessão do ano no Aruanda, um festival que acho incrível, pela qualidade das produções e pela formação e desenvolvimento do cinema, pelo menos em João Pessoa. Na última segunda-feira (dia 4), compareci a uma sessão e fiquei bem impressionado, pois o evento é uma forma de se atualizar com a produção contemporânea brasileira”, disse o cineasta Emílio Domingos. Ele informou que pretende lançar o documentário no circuito comercial nacional em 2024, mas ainda sem data definida.

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Diretor e roteirista carioca Emílio Domingos: É um filme sobre política e música. Só o fato do movimento ter existido é um ato político, uma política de identidade - Foto: Espiral/Divulgação

Black Rio! Black Power! estreou em outubro, dentro da mostra Première Brasil da 25ª edição do Festival do Rio. Na jornada apresentada no longa documental, Domingos se vale da trajetória de Dom Filó e da equipe de som chamada Soul Grand Prix para apresentar o impacto do movimento Black Rio na música e nos rumos da política e do movimento negro, no período de redemocratização do Brasil.

O filme ainda é centrado em depoimentos de outras figuras que também foram determinantes para a criação e ascensão do movimento Black Rio, entre 1972 e 1977, a exemplo de Carlos Dafé, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Carlos Alberto Medeiros e Virgilane Dutra. Protagonistas de uma história real, esses entrevistados rememoram, de uma maneira às vezes até didática, como se formou a consciência negra dos jovens do subúrbio carioca durante aquela década, por meio dos bailes. O documentário também incluiu fotos de vídeos da época, para que o espectador visualize a estética daqueles eventos organizados por equipes, como a já citada Soul Gran Prix. O espectador é embalado pela Furacão 2000 e pelo som de grandes sucessos do soul, do funk e da ideologia do cantor norte-americano James Brown (1933-2006), uma referência na época.

O roteiro começa no Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda, clube no subúrbio carioca e local que os entrevistados caracterizaram como sendo o “templo do soul”, e retorna ao mesmo lugar, depois de ter exposto a construção e o legado desse movimento negro que chegou a assustar e incomodou o sistema, incluindo a polícia, a mídia e o então Governo Federal repressor do Brasil.

Emílio Domingos comentou que a ideia de realizar o documentário surgiu em 2012, quando foi convidado pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), do Rio de Janeiro, para produzir um trabalho sobre os bailes soul cariocas, que eram fortes nos anos 1970. “Quando comecei a pesquisar, percebi que não tinha muito material sobre o assunto. Depois, para roteirizar o longa-metragem, filmado durante dois meses, em 2022, e mostrar a importância do movimento Black Rio e dos bailes, entrevistei Dom Filó e mais 14 pessoas, na quadra em Rocha Miranda, e obtive material no arquivo de Dom Filó e no acervo dos fotógrafos Januário Garcia e Almir Veiga, em acervos de jornais e numa TV alemã para reconstituir a história. Naquela época, o movimento vendia mais discos do que Roberto Carlos e, por mês, os bailes nos subúrbios do Rio de Janeiro atraiam, em média, um milhão de pessoas por mês”.

O diretor e roteirista também ressaltou a participação de Dom Filó, como é mais conhecido Asfilófio de Oliveira Filho. “Ele foi uma figura fundamental na construção desse filme, um grande parceiro, me levando a localizar para as entrevistas pessoas importantes que participaram do movimento, do qual foi o grande líder. Ele possui o site Cultne, considerado o maior acervo digital de cultura negra da América Latina”, afirmou o realizador.

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Foto: Espiral/Divulgação

“Nesses bailes soul no Rio de Janeiro havia a afirmação da negritude e da identidade do povo negro e, com o passar do tempo, passou a ter um apagamento, por causa da perseguição por parte da ditadura militar, que tinha medo da relação do movimento com o Black Panther (Pantera Negra), partido surgido nos Estados Unidos em defesa da comunidade afro-americana. Isso era quase uma piada, pois não tinha qualquer conexão. Além disso, na época, os bailes tinham grande importância no mercado fonográfico e, por isso, essas indústrias inseriram a discoteca, contribuindo também para esvaziar o movimento, que foi fundamental para a resistência e que se espalhou pelo Brasil, como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. Atualmente, esses bailes são mais pontuais pelo Brasil, como em São Paulo, onde, no ginásio do Pacaembu, são atraídas cerca de 20 mil pessoas por baile”.

O intuito de Emílio Domingos foi o de resgatar para os dias atuais a importância dos bailes de soul music no Rio de Janeiro. “Ficou o legado como pontos de resistência e de acolhimento, sendo absorvido e influenciando, a partir dos anos 1980, gêneros como o hip hop e o funk, assim como a postura afirmativa das mais novas gerações, que perpetuam o orgulho negro e a valorização estética difundidos pelo Black Rio há 50 anos. Há cerca de dois anos, por exemplo, Mano Brown lançou o álbum Boogie Naipe para homenagear esse movimento. É um filme sobre política e música. Só o fato do movimento ter existido é um ato político, uma política de identidade”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 06 de dezembro de 2023.