por Joel Cavalcanti*
O racismo e a desigualdade social se juntam para limitar a produção artística do povo preto da Paraíba. O mês de novembro é a época de relembrar essa realidade que se impõe a uma grande parte da população. Para discutir e enfrentar essas questões, o Festival Pretitudes: arte, cultura e protagonismo negro vai contar com debates, sessões de cinema, painéis temáticos, performances cênicas realizados de forma híbrida no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. O evento tem início hoje e acontece até o próximo sábado (20), Dia da Consciência Negra. Para participar das atividades, o público poderá ter acesso gratuito, até se atingir 50% da capacidade das salas.
A programação busca dar visibilidade à produção cultural desenvolvida por pessoas negras no Estado que foram selecionadas através da abertura de edital público para participarem de performances, exibições e debates, como forma de valorizar a identidade deste segmento da população paraibana e promover a cultura da paz e do respeito às diferenças étnicas. “Na medida que a gente promove a produção independente de artistas negros e negras, contribuímos também para trazer à tona o debate da equidade racial, que é algo que o Governo tem incentivado com o ‘Novembro Negro’”, frisa Pedro Santos, presidente da Funesc, que organiza o evento com o apoio das secretarias do Desenvolvimento Humano e da Mulher e da Diversidade Humana.
“A gente tem uma produção cultural de pessoas negras muito potente, mas isso, ao longo dos anos, esteve aleijado dos grandes meios de comunicação justamente porque existe uma seletividade do mercado”, explica o gestor, que cita políticas que fomentam o protagonismo de artistas periféricos em início de carreira e a inclusão de cotas raciais nos editais públicos como os da Lei Aldir Blanc para que as ações de afirmativas em favor do povo negro não estejam limitadas ao mês de celebração da data.
O dia de hoje será aberto com uma edição do ‘Painel Funesc’, na Sala de Concertos Maestro José Siqueira, às 19h, discutindo o tema “Enfrentamento ao Racismo na efetivação da Política de Igualdade Racial da Paraíba”, com as convidadas Leandra Cardoso, Ângela Pereira, Aline Mota. Logo em seguida, às 20h, há sessão uma do ‘Cinema Negro’ com a apresentação dos curtas Casulos, produção paulista de 2017 do diretor convidado Joel Caetano, e de E agora, você, do paraibano Edson Lemos Akatoy. A obra de 14 minutos é uma distopia que tem como tema as consequências do aquecimento global e o esgotamento dos recursos naturais. Nela, o protagonista José tenta sobreviver com as últimas lembranças de uma realidade em que ainda era possível fazer contato com outras pessoas. “O filme fala sobre esse personagem isolado, triste e já muito debilitado, que começa a olhar para o passado, lembrando de um interesse romântico dele e das lutas contra as mudanças climáticas”, resume o realizador, que é também o montador do filme.
A obra é o resultado do processo de residência criativa do diretor em Bruxelas, na Bélgica, onde o curta foi filmado em 2019. E agora, você foi criado para um festival focado na língua lusófona cujo tema era o meio ambiente em diálogo com a literatura. Esta será a estreia presencial do filme nos cinemas do Brasil. Ele participou de vários festivais, como o Fest Aruanda, em 2020, mas todos on-line.
Já amanhã, o ‘Painel Funesc’ será sobre “Povos de Matrizes Africanas”, a partir das 19h. Em seguida, às 20h, acontece a retomada das ações presenciais do projeto ‘De Repente no Espaço’, com a participação de Santinha Maurício (PE) e Minervina Ferreira (PB), que devem homenagear Chica Barrosa e Inácio da Catingueira. Ambas as ações acontecem na Sala de Concertos Maestro José Siqueira. No dia seguinte, o tema do ‘Painel Funesc’ será “Teologia negra como movimento antirracista”. Às 20h, no Cine Bangüê, acontece a segunda ‘Sessão Cinema Negro’ com os filmes Egum, produção carioca de 2020 de Yuri Costa, e Maculelê, da diretora paraibana Virgínia Passos. Às 22h, vai ao ar na Rádio Tabajara o programa Espaço Cultural, só com músicas de artistas negros paraibanos.
Na sexta-feira, o destaque é para a literatura e as artes cênicas. O ‘Painel Funesc’ acontece mais cedo, às 17h, na Sala de Concertos do Espaço Cultural, com o tema “Arte e cultura nas favelas da Paraíba”. Porque às 20h, na mesma sala, acontece a ação ‘Leituras Pretas’, com a participação de atores e escritores negros. Serão sete atrizes e atores declamando textos de escritoras e escritores paraibanos. Dendê Ma’at é uma poeta marginal de João Pessoa que terá declamado os versos de Kilombo e Bombogira na ocasião. “Os meus textos compõem muito sobre minha vida e as questões sobre o povo preto, de luta, saberes e dengo”, define a escritora, que participa de batalhas de rap e é uma das organizadoras do Slam Paraíba. Dendê estará ao lado de colegas negros da literatura como Larissa de Souza Mendes, Thays Keylla de Albuquerque, Edson Maria Gomes, Antônio Carlos dos Santos Pereira, José Caetano dos Santos Jr e Rhudá.
Entre os declamadores está Sidney Ruffino, ator do coletivo Cara Dupla e do Recreio Produções Artísticas, que vai apresentar fragmentos dos textos Abstinência, desmoralização e o auge do conceito em ser vago e Treze andares e um negro, do escritor e músico paraibano Rhudá. “O texto é um tanto visceral. Ele trata de questões pessoais, mas não de forma acentuada, com aspectos marcantes do dia a dia de uma pessoa preta convivendo em uma sociedade racista”, destaca Sidney, que afirma que já conhecia a obra do escritor e se identificou com as poesias que ele vai encenar diante de seu autor. “Esse é um momento cauteloso. Quando um ator se propõe a ir para o palco montar o texto as inspirações são outras. Estou aguardando por isso um tanto ansioso”, descreve o artista que terá a companhia no palco de Sérgio Lucena, Juciene Fernandes, João Vitor Santos, Walber Martins, Thaismary Ribeiro e Inácia Rita.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de novembro de 2021