O diretor paraibano André Morais, artista que transita entre teatro, cinema e música, está vivendo uma fase da carreira muito profícua. O seu segundo longa Malaika, estreou mundialmente num dos mais importantes festivais do planeta, o de Biarritz, na França, em setembro. Ontem (21), foi a vez do público brasileiro, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, assistir ao longa.
Malaika foi filmado em Catolé do Rocha e traz como protagonistas a estreante Vitória Bianco e Norma Góes, vivendo filha e mãe, na jornada de autoconhecimento de uma personagem adolescente albina no alto sertão paraibano (outra sessão acontece nesta sexta, 24, no Espaço Petrobras de Cinema).
André Morais diz que gosta de filmes de “personagens, tanto como realizador quanto como espectador. É o cinema que aprecio”. Em Malaika, Morais se debruça novamente numa história de uma personagem que acontece no transcorrer de um dia e às voltas com os conflitos e autoconhecimento que serão gerados nessa pouca passagem de tempo.

- André Morais conta que viu o potencial dramático da história em uma exposição fotográfica | Foto: Ianca Sobrinho/Divulgação
“Tanto Rebento quanto Malaika convergem num lugar de uma narrativa em suspensão. Essas personagens estão numa jornada particular. No caso de Rebento [de 2018, protagonizado brilhantemente pela atriz Ingrid Trigueiro], a personagem atravessa a própria sombra, gosto dessa imagem. Em Malaika é uma jornada de autoconhecimento. Nesses dois caminhos não me interessa o tom realista da narrativa, embora temos o contexto geográfico específico, nordestino, com sua paisagem típica. Procuro sempre uma jornada de suspensão para meus personagens”, explica Morais.
De fato, nos três filmes que realizou (o curta Alma, de 2005, e os dois longas), as personagens vivem conflitos intensos e determinantes nestas jornadas de autodescobertas dentro de um espaço-tempo de um dia, em que o cotidiano é tecido por tons oníricos e não realistas, para encontrar outras possibilidades de existência dentro de uma sociedade que oprime e violenta o que é diferente e não se adequa.
Morais conta que é “um artista que busca os instantes de vibração poética, seja numa produção que realizo, uma canção que componho ou um espetáculo de teatro que faço. Procuro essa vibração poética que toma conta de mim e reverbera no outro” e conclui: “E essa vibração poética pode ser muitas coisas”.
A história surgiu depois de Morais ter visto uma exposição fotográfica do artista paulista Gustavo Lacerda: pessoas albinas de várias idades e regiões do país. “Fiquei intrigado com os rostos e os corpos daqueles personagens. Puxei pela memória quando tinha visto pessoas assim em algum retrato, filme, etc, mas não me lembrava”, diz Morais, que partiu para uma pesquisa.
Descobriu entre outras coisas, que grande parte da origem das pessoas albinas é de uma parte da África, a subsaariana, e que também as mães são negras. Além disso, tinha esse lugar de estranhamento que os albinos geram, pessoas ameaçadas pela luz do sol e que têm baixa visão. “Isso me interessou, esse mundo hostil que cerca essas pessoas, essa jornada solitária que eles geralmente atravessam”, explica Morais.
Essa inadequação, esse mundo que é hostil e ameaça o tempo todo, segundo Morais, fez parte de sua vida: filho de um homem negro do litoral, um ribeirinho, com uma mãe branca do alto sertão de família pobre que ascendeu socialmente.
“Essa inadequação é o que guia minha narrativa e as histórias dos meus personagens, que tentam romper com estruturas ou buscando, a partir das suas jornadas de autoconhecimento, evadirem para outros lugares desse mistério que é existir”, conta.
Artista que transita, assim como seus personagens, entre os gêneros, Morais está em cartaz com o espetáculo teatral Memórias de Terra e Água, que faz parte do seu repertório, inspirados em alguns contos do escritor moçambicano Mia Couto, em que junta texto, dança e música, com vários tambores no palco. Nessa dança de linguagens artísticas, Morais voltou a atuar em dois longas paraibanos que serão lançados em breve: O Braço, de Ian Abé e Jhésus Tribuzi, e Revache, de Marcel Vieira.
Atuar foi a origem da sua jornada na arte, quando entrou no grupo de teatro do Colégio Marista Pio X, em João Pessoa, aos 14 anos. A última vez que tinha atuado foi no curta O Pranto, de Jaime Guimarães, quando deu vida ao protagonista dessa história de terror e venceu alguns prêmios nos festivais em 2019. “Queria atuar mais, só que os diretores não me chamam. Não sei se é porque sou diretor também”, diz em tom de riso.
Compositor e cantor, ele lançou, em 2024, o seu terceiro álbum de carreira, Voragem. No seu disco anterior, Dilacerado, de 2015, o poeta Lau Siqueira, gaúcho radicado em João Pessoa desde 1985, descreveu suas composições e voz da seguinte forma.
“Eu me impressiono com a sensibilidade das suas escolhas e com a exatidão das suas interpretações. Em cada uma das belas canções compostas, revelações veladas de um grande artista. A arte respira em cada faixa. O disco é um oceano de singularidades, de delicadas somas entre o amor e a sensualidade. Na pele e no sentimento de tudo”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de Outubro de 2025.