Em maio de 1980, uma galeria de arte instalava-se no Parque Solon de Lucena. O espaço, batizado de “Gamela” por conta da forma de seu teto, tornou-se ponto de encontro de artistas, intelectuais e aficionados que viam na arte uma forma de resistência e expressão cultural em tempos de mudança, mas mudou de endereço por diversas vezes. Quarenta e cinco anos depois, de casa nova, a Galeria Gamela reabre suas portas hoje, às 19h, na Rua Joaquim Hardman, no 75, em Jaguaribe, com exposição coletiva de obras dos artistas Analice Uchôa, Clóvis Júnior, Flávio Tavares, Juliana Xukuru, Mirabeau Menezes e Rodrigues Lima.
Recepciona o público a curadora e proprietária da galeria, Roseli Garcia. “A Gamela foi muito importante para várias gerações de artistas paraibanos”, recorda ela. “Começou num tempo em que havia muito poucos espaços de arte na cidade”.
Não à toa, a história da galeria confunde-se com a própria formação do circuito de artes visuais da Paraíba. Fundada por Roseli e seu esposo e sócio, Altemir de Brito Garcia — falecido há seis anos —, a Gamela acolheu, em mais de 360 exposições, nomes os mais variados, tais como Flávio Tavares, Miguel dos Santos, Hermano José e Ariano Suassuna, entre tantos outros que mais tarde integrariam o repertório essencial da produção artística regional. “A galeria era um espaço de convivência, de diálogo. Tinha o aspecto da arte, mas, acima de tudo, era um lugar de encontro e de trocas”, explica Roseli.
Casa histórica
A primeira morada da galeria ocupou uma das poucas casas da cidade que ainda mantinha a sua história arquitetônica. “Nós nos deslumbramos com a beleza da casa”, conta Roseli. Meses depois, Roseli e Altemir Garcia perceberam que precisavam de um espaço maior, mudando-se para a Avenida Almirante Barroso, esquina com a Princesa Isabel, prédio tão antigo quanto o da Lagoa e que se tornou o endereço clássico da Gamela por vários anos.
Depois, resolveram firmar uma filial no Hotel Tambaú. “Ficávamos paralelamente nas duas. Dávamos um expediente no Centro e, após o horário, a gente corria pra praia, onde fazíamos divulgação com os hóspedes do Hotel Tambaú e de outros hotéis ao redor”.
Com o passar do tempo, a cidade mudou. As residências foram parar na orla e o Centro viu-se diante da escassez humana. Foi quando a Gamela manteve-se no Centro Histórico, próximo à Igreja de São Frei Pedro Gonçalves, mesmo diante do receio quanto à segurança. Era outro prédio deslumbrante aos olhos dos Garcia.
“Fomos de volta para procurarmos alguma coisa que satisfizesse a questão da movimentação — que as pessoas pudessem visitar a galeria. Então ficamos um pouco em Cabo Branco; de Cabo Branco, nos mudamos para Tambaú; e, ultimamente, há um ano, mais ou menos, precisamos rever essa questão de procurar uma casa que tivesse as características da Galeria Gamela, uma preservação da arquitetura antiga, pela beleza estética e a nossa história”.
A pesquisa pelo lugar ideal, realizada por Roseli e Emí Garcia — terceiro filho do casal e que agora trabalha com a curadora —, levou quase dois anos. Mas a Gamela pôde novamente encontrar pousada em casa antiga, o Solar dos Abacateiros, outrora pertencente à família Monteiro da Franca. Roseli atesta o cuidado de manter todas as características originárias e a padronização arquitetônica, prezando pela importância histórica do local.
Sensível aos mínimos detalhes, a curadora pontua que a ideia é fazer com que as pessoas não apenas visitem a casa centenária, mas possam entrar e circular por entre as salas — dotadas de pé-direito alto e lustres seculares —, portais e jardins aprazíveis com olhos de contemplação.
Composê
O recorte expográfico oferta variabilidade de técnicas: desenho, pintura e escultura. Entre os artistas, Clóvis Júnior e Analice Uchôa dão conta do repertório da arte naïf paraibana. Natural de Pesqueira (PE), a artista visual, ativista e pesquisadora Juliana Xukuru, que alterna estadia entre Pesqueira, Recife e João Pessoa, destaca a cultura indígena, ladeada pelas belezas do Rio Sanhauá e dos pontos históricos da cidade, trabalhados por Rodrigues Lima. 
Renomado tributário às artes plásticas da nossa terra, Flávio Tavares, que participou da coletiva inaugural da casa, nos idos de 1980, encanta as dependências da galeria, seguido pelo também consolidado artesão, escultor e pintor Mirabeau Menezes.
“Apesar da casa ser antiga e grande pra quem olha de fora, são salas. A gente quer fazer um composê que possa ressaltar cada obra minuciosamente. As salas ficarão ocupadas com essa exposição brilhante, cheia de luz e harmonia, de qualidade, que sempre foram critérios da Galeria Gamela. As pessoas vão poder apreciar essas obras e ficar encantadas com todo o conjunto”, afirma.
A casa frequentemente recebe estudantes, da mais tenra idade aos universitários. “Pra mim é um prêmio. Tenho prazer de receber os alunos e dar informações pela primeira vez a quem nos visita”, confessa Roseli, rememorando, sobretudo, o dia em que recebeu uma caravana escolar com alunos do jardim de infância. Ao aportar na galeria, a comitiva de três carros, comandada pelos professores, encaminhou em fila os pequenos, todos de mãos para trás, um deles movido por grande curiosidade: “Tia, cadê o Picasso?”.
“Me lembro demais”, diz, entre gargalhadas. “Eu dizia: ‘Olha, meus amores, nós não temos o Picasso, mas nós temos os nossos artistas paraibanos’. Eu amo o que faço. Deus me deu a luz de me encontrar com uma profissão que me satisfaz”.
Para além da mostra voltada para as artes visuais, a galeria oferece oficinas de arte aos sábados e deve abrigar lançamentos de livros a partir de dezembro.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de novembro de 2025.

