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Gonzaga Rodrigues celebra nesta quinta-feira 85 anos

publicado: 21/06/2018 00h05, última modificação: 21/06/2018 06h15
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O professor Milton Marques Júnior homenageia o ’mestre da crônica’ com artigo sobre solstício - Foto: Edson Matos/Ilustração: Tônio

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Mestre da crônica, o jornalista e escritor paraibano Gonzaga Rodrigues completa, nesta quinta-feira (21), 85 anos de idade. No intuito de comemorar a data e homenagear o cronista, que também ocupa a Cadeira nº 37 da Academia Paraibana de Letras (APL), o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Milton Marques Junior, escreveu o texto intitulado Gonzaga e o Solstício.

“Gonzaga é dessas amizades sólidas que nascem espontaneamente na madureza. Amizade sem interesses de ambas as partes, que não seja o interesse da boa conversa sobre a vida e sobre leitura”, ressalta ele, por exemplo. “A cada crônica que acompanho às quartas e sábado por esta A União, mais me encanto”, confessa o docente. “Suas crônicas sempre vão além da barreira do gênero e se mesclam com história e poesia. De um gesto simples ou de um olhar diferente para um recanto da cidade ou um acontecimento, que para muitos seria banal, Gonzaga extrai a mais pura essência literária, numa linguagem que foge do rebuscamento, expressando-se com o “saber de experiência feito”, o que confere, sem dúvida, às suas crônicas um status de perenidade”, observa, ainda, o professor, cuja íntegra do texto segue-se abaixo. 

Gonzaga e o solstício 

Milton Marques Junior
Professor da UFPB

Este dia 21 de junho é memorável por ser a data do solstício de inverno, para o nosso hemisfério sul, e do solstício de verão, para os que habitam o hemisfério norte. No Brasil, portanto, é o dia mais curto do ano, em que há mais escuridão do que luminosidade. Na França, onde me encontro, é o dia mais longo do ano, em que há mais luz do que escuridão, além de ser o dia da Festa de Música. Chama-se solstício, porque o sol estaciona ou mais perto, no caso do verão, ou mais longe, no caso do inverno, sendo quente ou frio, de acordo com a estação.

Ovídio, em suas Metamorfoses (Livro IV), nos conta a fábula do solstício. O Sol, o olho que tudo vê, denunciou a Vulcano, o deus faber, os amores adúlteros de Vênus e Marte. O marido enganado, os aprisionou em uma malha muita fina por ele fabricada e os expôs ao ridículo de todo o Olimpo. Esse mito, que já se encontrava no Canto VIII da Odisseia de Homero, tem uma complementação de Ovídio, que falta à obra de Homero. Vênus faz que o Sol sofra de amores: o que feriu os amores encobertos, ela fere com igual amor (tectos qui laesit amores/laedit amore pari, Livro IV, versos 191-192). O fato é que a deusa do amor faz que o Sol se apaixone pela bela Leucótoe e, assim, o que queima com seu fogo todas as terras, vê-se queimado por novo amor (Nempe tuis omnes qui terras ignibus uris,/ureris igne nouo, versos 194-195). Ao cravar os olhos apenas em Leucótoe, o Sol, ora, nasce mais cedo que o céu da Aurora, ora se põe mais tarde nas ondas, estendendo as horas hibernais, na demora do olhar (modo surgis Eoo temperius caelo, modo serius incidis undis, spectandique mora brumales porrigis horas, versos 197-199).

Eis aí a explicação para a demora dos solstícios de verão e do inverno: apaixonado por Leucótoe e fixando seu olhar apenas nela, o Sol nasce mais cedo e demora-se para se pôr, apenas para passar mais tempo apreciando a amada. Ao mesmo tempo, no outro hemisfério, as horas hibernais e brumosas se prolongam com o Sol esquecido na contemplação daquela que ama. O poeta não poderia ser mais feliz, ao falar da etiologia dos solstícios.

Mais particularmente, o solstício de inverno tem outra razão de importância. É o dia em que nasceu o meu amigo Gonzaga Rodrigues, hoje completando 85 solstícios de inverno! Dia de São Luís Gonzaga, de acordo com a cronologia hagiográfica. E Gonzaga é Luís (ou Luiz?) pelo santo, como não poderia deixar de ser, segundo a tradição de se nomear o filho com o nome do santo dia, marcando na folhinha. Mas Gonzaga é Gonzaga por ser um duplo solstício, o de inverno, que na nossa tradição é mais de chuva do que frio, trazendo a água que dará a fartura da terra como a região brejeira em que nasceu; o de verão, com a luz do sol, que tudo vê e que tudo queima, mas também amadurece e vivifica.

Gonzaga é dessas amizades sólidas que nascem espontaneamente na madureza. Amizade sem interesses de ambas as partes, que não seja o interesse da boa conversa sobre a vida de sobre leitura. Já o conhecia dos jornais, acompanhava aqui e acolá as suas crônicas, ainda garoto, quando meu pai, leitor diário dos jornais, se referia a ele dizendo “o Neguinho sabe ler e escrever”. Este era o maior elogio que meu pai poderia dar a alguém, destacando a sua capacidade de homem inteligente. Na curiosidade de saber quem era aquele que merecia o elogio de meu pai, comecei a ler Gonzaga. Jamais poderia supor que, um dia, me tornaria seu amigo, privando de suas conversas ao pé do ouvido e dividindo a admiração por este grande escritor que é Eça de Queirós.

A cada crônica que acompanho às quartas e sábado por esta A União, mais me encanto. Suas crônicas sempre vão além da barreira do gênero e se mesclam com história e poesia. De um gesto simples ou de um olhar diferente para um recanto da cidade ou um acontecimento, que para muitos seria banal, Gonzaga extrai a mais pura essência literária, numa linguagem que foge do rebuscamento, expressando-se com o “saber de experiência feito”, o que confere, sem dúvida, às suas crônicas um status de perenidade. Humilde, simples, mas sincero na sua humildade, ele às vezes desacredita e até se incomoda com o elogio. No meu caso, não se trata, contudo, de elogiar por elogiar, pelo espírito de corpo, pela “igrejinha”. É o elogio da forma e do conteúdo, maduros, maturados, livres das excrescências, revelando um texto a ser colhido e provado para o prazer de todos.

Assim, reafirmo essa síntese de Gonzaga como os dois solstícios que a data de seu nascimento representa: o homem que nos traz a fartura do inverno em textos devidamente enxutos e maturados pelo sol de verão.
Que venham mais anos, meu bom amigo!