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Na Fundação Espaço Cultural, na capital, será inaugurado hoje o memorial que tem o maior acervo expressionista da América Latina do artista

Humanismo de Abelardo da Hora

publicado: 31/03/2022 08h37, última modificação: 31/03/2022 08h37
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Foto: Thercles Silva/Funesc

por Joel Cavalcanti*

maior acervo expressionista da América Latina do maior escultor desse estilo no Brasil chega de forma permanente em João Pessoa. É o que será apresentado hoje, às 16h, no Memorial Abelardo da Hora (MAH), instalado na Fundação Espaço Cultural. No evento com presença do governador João Azevêdo, o público vai poder circular entre as obras mais importantes do artista pernambucano que transformou com suas mãos a dureza do concreto polido, do mármore e do bronze em formas vivas e sinuosas. Inspirando uma geração a solidificar a Arte Moderna no Nordeste, Abelardo da Hora (1924-2014) transitava com pleno controle técnico entre obras de exaltação de um ideal de beleza feminina e a crítica social, imprimindo feições da pobreza e do sofrimento às figuras populares que criava.

A ocupação artística teve seu projeto expográfico e luminotécnico desenvolvido pelo sobrinho do artista, Daniel da Hora, que dividiu didaticamente o espaço por temas. Através das seções Abelardo protesta, Abelardo vive, Abelardo retrata, Abelardo ama e Abelardo cria, os visitantes conhecerão o processo criativo do mestre, entendendo suas inspirações e o desenvolvimento de suas técnicas. “Desde a década de 1960, quando passou a tematizar de forma mais densa a miséria e a exclusão, Abelardo passou a ser considerado pela crítica especializada o maior escultor expressionista do Brasil. O que o visitante poderá ver na primeira parte do memorial, batizada de Abelardo protesta, é justamente a reunião desse acervo escultural, cuja temática é a denúncia das mazelas sociais do país. Além de serem obras extremamente impactantes, elas evidenciam problemas que ainda persistem, como a fome e a desigualdade social”, destaca o presidente da Funesc, Pedro Santos.

Fazem parte desse acervo séries premiadas do escultor como Meninos do Recife e A fome e o brado, que levou o artista de São Lourenço da Mata a ter seu nome projetado internacionalmente ao retratar mulheres e temas regionais, realizando um diálogo com um expressionismo de viés cubista, ou com um figurativismo de viés expressionista, como define o curador do MAH. Abelardo da Hora combinou o primor nos detalhes anatômicos e nas proporções de cada figura com uma linguagem plástica inovadora. Autor da primeira exposição de esculturas do Norte-Nordeste, em 1948, ele conseguiu trazer em seus trabalhos as vanguardas artísticas internacionais de natureza figurativa. “A instituição museal reúne um acervo pungente e absolutamente atual de um artista modernista que representou como nenhum outro a cultura erudita e popular brasileira”, ressalta Maria Botelho, diretora do MAH.

No memorial estão mais de 200 obras, desde frágeis telas em nanquim e a óleo, a pequenas obras em bronze e até esculturas de cimento de meia tonelada, algumas inéditas, outras inacabadas e ainda projetos iniciais em gesso, barro e tantos outros materiais utilizados por Abelardo da Hora. Para transportar as 18 toneladas de obras de arte avaliadas em R$ 11 milhões do Recife para João Pessoa foram necessários sete caminhões baús, guindastes e içadores em uma operação que, somada à construção do Memorial e adequação do espaço, custou aproximadamente R$ 1 milhão.

A vinda desse acervo para a Paraíba causou polêmica no vizinho estado de Pernambuco, mas mesmo em vida Abelardo da Hora não conseguiu ter o apoio necessário em sua terra natal para garantir a exposição permanente de suas obras. “Após a sua morte, a família seguiu buscando um espaço que pudesse preservar e difundir o acervo. Por coincidência, a ouvidora geral do estado da Paraíba, Tânia Brito, amiga de familiares do artista, tomou conhecimento do interesse da família e fez essa mediação junto ao Governo do Estado”, detalha Pedro Santos.

‘Poemas Reunidos’

O evento vai contar ainda com o lançamento da segunda edição do livro Poemas Reunidos (Editora A União, 136 páginas), da guarabirense Margarida Lucena da Hora (1924-2010), com quem Abelardo casou-se em 1948 e teve sete filhos. Além do valor literário da obra, a antologia poética publicada dois anos antes da morte de sua autora tem a relevância simbólica de homenagear o casal de artistas, como destaca o governador João Azevêdo em texto de apresentação presente na nova edição. “A obra, ilustrada por Abelardo da Hora, retrata o cotidiano, o amanhecer, a noite, as estações, e fala ainda de anjos, sombras e morte. Elementos da vivência da família, do trabalho e da natureza humana”, descreve o gestor.

Fruto das emoções vividas pela companheira de 62 anos de casada com Abelardo da Hora, a escritora paraibana retrata em seus textos um período de amor, sofrimento e luta que teve ao lado de sua família e que é a realização de seu sonho de infância. “A poesia de Margarida é de qualidade, de um lirismo que não se deixa contaminar pela pieguice e é de belas e fortes imagens, onde a autora, por meio do eu poético, revela suas emoções, sua leitura acerca da vida, da natureza, do amor e da arte. O leitor ficará, com certeza, satisfeito em perceber que a poesia de Margarida não está afastada da qualidade estética da obra do marido. O que as diferencia é apenas a linguagem: um faz poesia com bronze e a outra, com palavras”, compara o jornalista e diretor de Mídia Impressa da EPC, William Costa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 31 de março de 2022