Notícias

teatro

Humor após a morte

publicado: 28/07/2025 13h47, última modificação: 28/07/2025 13h48
Fabiana Karla e Tania Bondezan estão em João Pessoa de hoje a domingo para encenar a peça “Radojka – Uma Comédia Friamente Calculada”
JC250221_177700 press - divulgação.jpg

Bondezan e Karla são duas cuidadoras que tentam manter o emprego após sua cliente morrer | Foto: João Caldas Filho/Divulgação - Foto: @joaocaldasfilho

por Esmejoano Lincol*

A premissa é familiar, mas os desdobramentos que o espectador testemunha em Radojka – Uma Comédia Friamente Calculada são imprevisíveis. Glória e Lúcia, interpretadas por Fabiana Karla e Tânia Bondezan, cuidam da idosa sérvia que dá nome à peça. Só que em meio a uma troca de turnos, a anciã falece acidentalmente. Elas precisam, agora, pensar nas estratégias melhores (ou possíveis) para manterem seus empregos. O espetáculo chega hoje ao Teatro Paulo Pontes, do Espaço Cultural, em Tambauzinho, João Pessoa. Serão três sessões: hoje e amanhã, às 20h; e no domingo, às 18h. Os bilhetes, a partir de R$ 70, podem ser adquiridos no site Ingresso Digital.

Radojka foi encenada originalmente no Uruguai, a partir dos originais de Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal. O êxito fez com que o texto fosse exportado para outros países, como Argentina, Estados Unidos e Espanha. A comédia está sendo encenada no Brasil a partir de tradução da própria Tânia e conta com direção de Odilon Wagner. Na estréia, em 2024, Marisa Orth estava a cargo do papel de Glória. A partir da temporada 2025, Fabiana assumiu o seu lugar. Completam o elenco Tadeu Costa e Rafael Alvim. 

Odilon relembra que o roteiro de Radojka foi enviado por um dos autores a Tânia, sua sócia no projeto. Ao lerem, juntos, a peça, ele e a atriz gargalharam do início ao fim. O diretor revela que a comédia de situação é um de seus gêneros prediletos e, aliado, às surpresas que enriquecem a trama, esse foi um dos motivos que o levou a encampar o projeto. Uma tradução sempre tem adaptações para a realidade local, principalmente no humor. Mas o texto é absolutamente fiel ao original, pois a história é muito boa”, sustenta.

Apesar da aparente morbidez do conflito – ambas as cuidadoras às voltas com um cadáver – a peça não tem um clima pesado, segundo Odilon. Todavia, ele assinala que o humor acaba sendo a melhor maneira de tratar temas sérios nos palcos.

“A velha senhora sérvia, personagem de 97 anos, é mencionada o tempo todo – afinal, ela é o motivo central da trama. Como é um humor de suspense, qualquer detalhe que se revele tira a graça. Mas garanto que é humor da melhor qualidade, leve e inteligente”, antecipa.

Começo no teatro

Com bastante experiência nos palcos e na TV, as duas atrizes trabalham juntas pela primeira vez nessa montagem | Fotoa: João Caldas Filho/Divulgação

A recifense Fabiana Karla fala da parceria inédita com Tânia Bondezan e Odilon Wagner, definindo ambos como “inspirações”. Da colega de cena, ela destaca a inteligência cênica; do realizador, indica como característica principal o olhar experiente, dosando humor e tensão ao longo do espetáculo.

Radojka é uma peça que exige um timing muito afiado, um entrosamento real, e nós construímos isso juntos. Tínhamos liberdade criativa, espaço para sugestões, e isso enriqueceu muito o processo”, assevera.

Conhecida graças às suas participações em programas de humor na TV, Fabiana relembra que o início de sua carreira se deu, justamente, nos palcos. Ainda nos anos 1990, deu vida a Lucicreide, personagem que, anos mais tarde, pôde ser vista no Zorra Total e que ganhou, em 2021, um longa-metragem – Lucicreide Vai para Marte.

“Eu a criei no teatro, observando as mulheres da minha terra, a forma como falavam, como lidavam com a vida. É emocionante ver como ela ganhou uma proporção tão grande na depois”, celebra.

Com 34 anos de carreira, Fabiana deve, justamente, à televisão e ao streaming, suas novas experiências no audiovisual. Estreou como apresentadora no extinto Se Joga (2019), da TV Globo, seguindo nessa seara com o reality Bake Off Brasil (2024), do SBT; e exercitou o drama graças à sua personagem na série Rensga Hits (2022), no Globoplay.

“Essa diversidade é um reflexo da minha trajetória: sou artista, gosto de me reinventar. Cada nova experiência só amplia o meu repertório e me desafia a sair da zona de conforto. E eu amo isso!”, aponta.

Indo para a estrada

Acumulando quatro décadas e meia de trajetória nas artes, a paulistana Tânia Bondezan comenta, com orgulho, o trabalho na produção das últimas três peças em que atuou também como atriz: Como Ter Sexo a Vida Toda com a Mesma Pessoa (2014 a 2016) e A Golondrina (2019 a 2023).

“Quando uma atriz, um autor, tem desejo de fazer alguma coisa, ele tem que ‘se produzir’. Não dá para a gente ficar sentado, esperando o convite. É claro que, às vezes, eles vêm, mas a gente tem que ir para a estrada. É disso que eu gosto”, reflete.

Avaliando as oportunidades para atores acima dos 65 anos, no teatro e no audiovisual, Tânia traça um paralelo entre o medo que ronda sua personagem em Radojka e os temores que assombram artistas nesta faixa etária, fora da ficção. 

“Num país que privilegia cada vez mais a juventude e os corpos sarados, a gente fica se perguntando para onde vai a experiência. Mas eu acho que sempre vai ter lugar para os atores mais idosos. Quando eles entram, em qualquer novela, série ou peça, eles enriquecem demais o trabalho”, analisa.

Tânia também alcançou projeção junto ao grande público por meio de suas participações na TV, interpretando tipos específicos – personagens dúbias ou vilãs de fato. Algumas delas são: Mariana, de Terra Nostra (1999), e Marieta, de Chocolate com Pimenta (2003), ambas da Globo; além delas, Fátima, de Esmeralda (2004), e Malvina, de Maria Esperança (2007) – as duas últimas do SBT.

“Essas novelas, principalmente as baseadas em textos mexicanos, me deram uma possibilidade imensa. Fazer a vilã é muito bom. Te permite uma construção muito elaborada da personagem. Não me incomoda [ser chamada com frequência para interpretar esses papéis], pelo contrário”, confidencia.

Além de afirmar que espera uma reação positiva – e bem humorada – do público pessoense, Tânia conclui a conversa com A União manifestando que a peça levanta uma pergunta instigante: Até onde o ser humano vai para garantir o que quer?

“Quando você se vê numa situação limítrofe, até onde vai? E aí é uma questão moral mesmo. Isso é interessante porque, na sociedade atual, a gente vê tantas coisas absurdas acontecendo. Esse tema principal de Radojka é primordial. Ele faz o público se identificar”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de julho de 2025.