O destaque da programação de hoje, na 19a edição do Fest Aruanda, em João Pessoa, é o documentário Os Afro-Sambas — O Brasil de Baden e Vinícius, sobre o disco homônimo, produzido pela Warner Bros. Discovery com a Rinoceronte Entretenimento. Ele conta com roteiro e direção do fluminense Emílio Domingos e integra a mostra competitiva nacional do evento. O título será projetado logo mais, às 21h30, no Cinépolis do Manaíra Shopping, com entrada gratuita (confira a programação completa desta terça-feira no quadro ao lado).
O álbum Afro-Sambas (título original grafado com hífen) foi lançado em 1966, pela então gravadora Forma — cujo catálogo pertence, hoje, à Universal Music. Reunia, à época, a dupla Baden Powell e Vinícius de Moraes em um estudo musical profundo sobre as sonoridades de matriz africana, em simbiose com outras manifestações artísticas, como o canto gregoriano. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, a inspiração para essa produção partiu de um presente do compositor baiano Carlos Coqueijo dado à dupla: um LP com gravações de rodas de samba e pontos de candomblé.
Impactados por aquilo que ouviram, os artistas partiram para a produção das oito faixas, com arranjos do maestro César Guerra-Peixe. Vozes diversas deram corpo ao disco, como o Quarteto em Cy, famoso conjunto brasileiro das décadas de 1960 e 1970, a atriz e intérprete Dulce Nunes e o Coro da Amizade, grupo de cantores não creditado. Baden e Vinícius forneceram sua contribuição seminal à obra — o som do berimbau, presente em manifestações famosas como a capoeira, foi “copiado” de forma inusitada pelo violão do primeiro, enquanto as letras, reconhecidas por suas referências aos orixás africanos, vieram por inspiração do segundo.
O documentário de Emílio Domingos remonta todo esse processo com imagens de arquivo, por meio dos depoimentos dos titulares da obra, em áudio e vídeo, e de entrevistas com personalidades famosas da música popular brasileira, como Maria Bethânia, Roberto Menescal, Dori Caymmi, Marcos Valle e Russo Passapusso. Em comentário recortado para o trailer do filme, Jards Macalé assevera que o álbum representou o encontro de um poeta popular, Baden, com outro erudito, Vinícius, numa celebração da música negra.
Apesar da complexidade sonora, Cinara de Sá Leite, membro do Quarteto em Cy que gravou depoimento antes de falecer, em abril do ano passado, revelou: “Esse disco foi a coisa mais improvisada que eu já vi na minha vida!”.
O título do LP, ainda que possa parecer redundante (o samba já tem origem africana), reafirma as raízes das quais sua inspiração partiu. Afrosamba, a propósito, passou a convencionar um gênero musical próprio, como também pontua, no documentário, o instrumentista Marcel Powell, filho de Baden.
O longa-metragem Os Afro-Sambas também deve estrear no catálogo da plataforma Max e no Canal HBO, mas as datas de lançamento ainda não foram definidas. Antes do Fest Aruanda, o filme circulou no Festival do Rio, realizado em outubro passado: em entrevista à equipe do evento, quando da estreia na capital fluminense, os produtores Renata Leite e Diogo Pires Gonçalves declararam que tiveram apoio total da família para a realização da produção.
“Através de discos, a gente conta a história da nossa música, do nosso país e da nossa gente. Foi um trabalho muito gratificante”, disse Renata Leite.
Diretora da Cinemateca: “estamos lutando muito”
Maria Dora Mourão, nascida uruguaia e naturalizada brasileira, só deixou a Universidade de São Paulo (USP), onde atuou por mais de 50 anos (como estudante e, depois, como professora), em razão de sua aposentadoria compulsória. Porém, sua trajetória junto à pesquisa e à salvaguarda do cinema nacional não cessou com o encerramento do vínculo profissional: desde 2021, ela atua como diretora geral da Cinemateca Brasileira, tendo, antes, integrado a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC). Na última semana, de passagem pelo Fest Aruanda, em João Pessoa, ela fez um balanço de sua gestão e relembrou momentos ao lado de um dos homenageados do evento, o documentarista paraibano Vladimir Carvalho.
A gestora rememora que sua inclinação pelas artes é anterior ao seu ingresso na faculdade, na segunda metade da década de 1960, mas que, a princípio, a carreira acadêmica no Cinema avançou, após muita tentativa e erro, em outras graduações. Em plena Ditadura Militar, entrou para os cursos de Filosofia e Psicologia, na época em que era possível acumular. “Mas eu não gostei. Um ano depois, com a abertura da Escola de Comunicações Culturais, resolvi largar o que estava fazendo e prestar vestibular para Teatro. Mas também não gostei. Acabei me aproximando muito do cinema e mudei para o recém-criado curso de Cinema”, relembrou.
Anos depois, Dora passou a lecionar disciplinas de edição, carreira consolidada com o passar dos anos. Apesar de ter se afastado totalmente do ambiente docente, ela pôde acompanhar, até a sua aposentadoria, a formação das graduações em Cinema no Sudeste e em outras regiões do país. “Estive na criação do Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (Forcine) e da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), me aproximando dos debates e do crescimento desses cursos. Manter uma infraestrutura adequada, para eles, é difícil e caro. As instituições públicas ainda não têm apoio para tanto”.
Ainda que a situação da Cinemateca tenha se agravado entre os anos de 2019 a 2022, com a eleição de Jair Bolsonaro para presidente e, depois, com a pandemia, Dora sustenta que os problemas da casa são anteriores a esse período; ela recorda o desmonte do conselho da associação, em 2013. “A Cinemateca chegou a ficar fechada por um ano e meio. Mesmo estando vinculado a Bolsonaro, dialogamos com o então secretário especial da Cultura, Hélio Ferraz, e conseguimos alguns avanços. Em 2021, a SAC se qualificou como Organização Social (OS) e ganhamos o edital para gerenciar a casa”, detalhou.
Dora e a sua equipe de 20 técnicos encontraram a sede da Cinemateca, na capital paulista, em péssimas condições estruturais, segundo o relato da ex-docente. O telhado da sala onde parte do acervo estava alocado sofria com goteiras. “Chovia em cima das latas de filmes. Perdemos um projetor 2K, que ficou muito tempo parado. E o nosso grande scanner Arri (usado para a digitalização de filmes) ainda não voltou a funcionar. Estamos lutando muito, conseguimos apoio de empresas públicas e privadas, via Lei Rouanet, mas tivemos cortes no orçamento deste ano e não temos definição sobre 2025”, lamenta.
Vladimir e o Cinememória
É a segunda passagem de Dora Mourão pelo Fest Aruanda. Ela celebrou o crescimento do evento e a homenagem a um ex-colega que lhe foi muito querido, Vladimir Carvalho. Quando era estudante, trabalhou como assistente de montagem do longa O País de São Saruê, o primeiro com Vladimir na direção. “Anos depois, ele esteve na minha banca de concurso como docente-titular, ao lado do também diretor Nelson Pereira dos Santos”.
O contato com Vladimir continuou até o outubro, mês de falecimento do realizador. Ela confidenciou que o paraibano andava angustiado com o destino de seu acervo, àquela altura, vinculado à Fundação Cinememória, criada por ele na capital federal. Dora e o documentarista tentaram transformar, oficialmente, a fundação num braço da Cinemateca, em Brasília, processo interrompido com a morte dele. “Como ele não teve filhos, a decisão sobre seu legado material está nas mãos do seu irmão, Walter Carvalho. Mas sabemos que ele não queria que o seu acervo saísse de Brasília”, finalizou Dora.
9h – Debate: diretores dos curtas-metragens exibidos na segunda [Hotel Aram]
10h – Debate: diretores dos longas-metragens exibidos na segunda [Hotel Aram]
10h30 – Sessão Escola Pública: Seis curtas [Cinépolis Manaíra, sala 9]
11h – Painel: “Memórias de um Conterrâneo Velho de Guerra”, sobre Vladimir Carvalho, com o crítico Luiz Zanin Oricchio, os professores da UFPB e cineastas Bertrand Lira e Pedro Nunes, o cineasta Joel Pizzini, o fotógrafo João Carlos Beltrão e Kristal Bivona, professora da San Diego State University. [Hotel Aram]
15h – Painel: “Desvendando os Caminhos da Música e o Ofício de Interpretar”, com Ney Matogrosso [Hotel Aram]
15h – Sessão Competitiva Mostra Internacional: 11 curtas da China, Portugal e EUA [Hotel Aram]
18h – Mostra competitiva Sob o Céu Nordestino: Areia, Memória e Cinema, de Letícia Damasceno (14 min., livre); Breu, de Joilson Custódio (16 min., 14 anos); Concha, de Pattrícia de Aquino (15 min., livre); Centro Ilusão, de Pedro Diógenes (85min., livre) [Cinépolis Manaíra, sala 9]
21h30 – Mostra competitiva nacional: Helena de Guaratiba, de Karen Black (15 min., 10 anos); Almadia, de Mariana Medina (8 min., livre); Os Afro-Sambas - O Brasil de Baden e Vinicius, de Emílio Domingos (94min., 14 anos) [Cinépolis Manaíra, sala 9]
- Entrada franca
- Hotel Aram (R. Nossa Sra. dos Navegantes, no 431, Tambaú, João Pessoa)
- Cinépolis Manaíra (Manaíra Shopping, Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho, no 220, Lot. Oceania II, João Pessoa)
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de dezembro de 2024.