A permanência da desigualdade no acesso cultural dos brasileiros é um dado de um estudo quantitativo sobre a prática de atividades artísticas e culturais (tanto presenciais quanto virtuais) dos brasileiros nos últimos 12 meses. Em sua sexta edição, a pesquisa “Hábitos Culturais”, realizada em campo pelo Observatório Fundação Itaú de 11 a 26 de agosto deste ano, com apoio do Datafolha, foi apresentada oficialmente ontem pela manhã em coletiva de imprensa on-line capitaneada pelos jornalistas Carla Chiamareli (gerente do Observatório Fundação Itaú) e Alan Valadares (coordenador do Observatório Fundação Itaú), além de Paulo Alves, do Datafolha.
Com recorte regional, a pesquisa fechou-se em amostra de 2.432 pessoas com idades de 16 a 65 anos e constatou, entre outros resultados, a permanência da desigualdade quando comparada com as últimas edições — o levantamento levou em consideração marcadores sociais como escolaridade, condição socioeconômica e raça, além de índices habitacionais por cidade.
“A gente vê uma concentração muito forte na renda e no grau de instrução quando olhamos para a experiência cultural e o acesso à cultura”, afirmou Carla. “É uma pesquisa bastante importante, supre uma lacuna de informações no Brasil. É a principal pesquisa que a gente tem hoje sobre a temática”, disse Alan Valadares no início do encontro.
Movidos pela vontade de entender como as pessoas consumiam cultura em contexto de isolamento social, o estudo teve sua primeira edição realizada durante o período da pandemia, em 2020. Com o gradativo retorno à normalidade, a investigação foi ampliada, passando a também observar os hábitos culturais ao ar livre.
Atividades culturais
Dos entrevistados, quase a totalidade realizou alguma atividade cultural nos últimos 12 meses. Presencialmente, os eventos ao ar livre foram os mais realizados (61%), seguidos por shows de música (45%), festas folclóricas ou populares (42%), cinema (37%), atividades infantis (35%) e espetáculos de dança (33%). Destacam-se aqui as regiões metropolitanas. Estas são menos fruídas por pessoas com idades de 45 a 65 anos em municípios de menor porte — muito concentradas nos grandes centros.
“Tendência forte, em todos os aspectos, de maior participação entre pessoas de maior escolaridade e também de maior classe social”, conforme apontou Alan, a pesquisa mostra que as atividades presenciais são mais realizadas por pessoas autodeclaradas brancas e compreendidas entre as classes A e B.
“Houve um movimento de crescer pro espaço aberto, mas ainda não é democratizado o acesso”, pontua Carla. “Quando tem, a população aproveita. Acho que o não ir tá muito relacionado ao não ter, embora o hábito de consumo on-line dentro da pandemia tenha vindo pra ficar”.
Quando os entrevistados foram perguntados sobre as atividades em casa ou on-line que já haviam realizado, os números foram expressivos e surpreendentes: ouvir música on-line (89%), assistir novelas (88%) e ler livros impressos (81%). Este último revela-se um destaque importante junto ao segmento de mídia e leitura — no ranking geral das atividades culturais (presencial e on-line) realizadas nos últimos 12 meses, a leitura de livros em papel ocupou a sexta posição, com 53%.

- Grazi Massafera em “Bom Sucesso” (2019– 2020): assistir novelas e ler livros impressos empatam no 6o lugar; são hábitos de 53% dos entrevistados | Foto: Divulgação/TV Glob
A informação destoa da sexta edição da pesquisa “Retratos da Leitura”, realizada pelo Instituto Pró Livro (IPL) no ano passado, que apontou redução de aproximados 6,7 milhões de leitores no Brasil — o relatório considerava em seus cálculos conceituais o leitor como sendo o indivíduo que leu um livro inteiro, ou partes dele, nos últimos três meses.
Nove em cada 10 entrevistados acessam plataformas de streaming, sendo a Netflix a mais utilizada para ver filmes ou séries, seguida pelo YouTube Premium (caiu de 39% em 2024 para 33% neste ano) e Globoplay (subiu quatro pontos percentuais nos últimos 12 meses). A plataforma Itaú Cultural Play manteve o mesmo número do ano passado — em torno de 1%. Entre as plataformas mais utilizadas para ver vídeos, o YouTube continua liderando (64%), seguido pelo Instagram (52%) e TikTok (45%).
Na frequência ao cinema, apesar de um relativo aumento no hábito de consumo e acesso, as classes A e B saem na frente. Novelas apresentam razão inversamente proporcional — pessoas com Ensino Fundamental veem mais as tramas novelescas do que aquelas com Ensino Superior.
Hábitos e motivações
Ao todo, 61% dos entrevistados costumam frequentar uma atividade presencial pelo menos uma vez por mês — um a cada três frequenta semanalmente. Os principais motivos são a busca por relaxamento e diminuição dos níveis de estresse (44%), além de quererem conhecer novos lugares (40%) e adquirir conhecimento (34%).

- “Only Murders in the Building” (2021— ainda em exibição): assistir a séries em streaming foi a terceira atividade mais citada e ouvir podcasts, como o produzido pelos personagens do seriado, ficou em quarto | Foto: Divulgação/Disney
Neste ano foi inserida uma questão específica sobre as situações de insegurança como impeditivas ao consumo presencial. Surgiram como principais fatores: ocorrência de assaltos ou furtos (47%) e falta de policiamento nos arredores dos espaços culturais (42%). Ressalte-se ainda a violência contra mulheres ou assédio nos espaços culturais e no trajeto (21%).
“Quando olhamos para o problema da segurança pública, acontece mais nas regiões centrais. A violência não está necessariamente no local, mas no trajeto. Deveríamos pensar em levar a cultura para as comunidades, para que elas não precisem se locomover. Quando você quer democratizar o acesso, é um conjunto de questões que precisam ser pensadas”, destacou Chiamareli.
Apesar do crescimento no percentual de pessoas que consideram a oferta de atividades culturais satisfatória em suas cidades (passou de 44% em 2023 para atuais 63%), o teatro permanece liderando como a atividade da qual o público mais sente falta nos espaços urbanos.
Ao distinguir a pesquisa “Cultura nas Capitais” — que passou por João Pessoa em março deste ano — desta “Hábitos Culturais”, Carla Chiamareli atestou o papel panorâmico do atual estudo: “Aquela pesquisa do João Leiva [da JLeiva Cultura e Esporte] tem muitas perguntas e de fato ia até os estados e até as capitais. Tinha-se uma fotografia mais detalhada. Aqui olhamos mais as regiões. Acho que conseguimos trazer o arcabouço dos hábitos culturais brasileiros”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de novembro de 2025.