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Jornada íntima em busca das raízes

publicado: 19/09/2023 09h18, última modificação: 19/09/2023 09h18
Projeto ‘Sankofa’ promoveu ato performático de paraibana em um dos espaços mais movimentados da Cidade do México

por Joel Cavalcanti*

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Atriz, musicista e brincante Jinarla, na performance de forma independente feita na Alameda Central, na capital mexicana - Foto: Maria Constantino/Divulgação

Sankofa. Esse é um termo em ganês que significa “nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás”, ou como interpretou o intelectual Abdias do Nascimento: “Retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”. A pequena palavra de definição tão extensa é tomada por empréstimo para uma performance artística de rua que fala sobre a descoberta e aceitação da identidade negra. A responsável pelo ato é a atriz, musicista e brincante da cultura popular Jinarla, que acaba de voltar a João Pessoa depois de se apresentar de forma independente na Alameda Central, um dos espaços mais movimentados da Cidade do México.

“Esse projeto é uma resposta minha a todo o meu processo de entender quem eu sou. Passei boa parte de minha vida sem me entender como uma mulher negra, apesar de passar por várias situações que só são perpassadas por mulheres negras”, conta a artista de 30 anos, que está se graduando em Teatro pela UFPB. Ela decidiu “apanhar aquilo que ficou atrás” depois de se submeter a um teste de origem genética. O resultado apontou uma predominância para sua ancestralidade Ibérica (60%), Africana (19%) e dos povos indígenas das Américas (9%). E foi justamente por essa última influência étnica em seu DNA que ela decidiu “ressignificar o presente”.

O Sankofa teve duas etapas, a de pesquisa em templos e museus, e a da apresentação propriamente dita. O ato performático tem por base o espetáculo Meu Sangue, Teu Sangue, do grupo Parahyba Rio Mulher, do qual Jinarla também faz parte. “Esse é um recorte do meu ato, que fala exatamente como eu me tornei uma mulher negra. Não gostaria que fosse assim, mas o que me conecta é o racismo e a gente vai se entendendo como pessoa através disso também”, lamenta ela. Adaptando o texto para o espanhol, mesmo sem dominar o idioma, a performance tem início com Jinarla vestida de branco com uma mordaça na boca, que em seguida se cobria de uma tinta vermelha, provocando as pessoas curiosas que paravam para entender a intervenção.

“Eu queria entender o que acontece na rua em relação a esse corpo negro que não tem condições de se expressar, em uma imagem associada aos escravizados. Isso foi muito transformador para mim como artista independente no exterior”, considera Jinarla. “Pela primeira vez eu me senti como pertencente à América Latina, realmente conectada à realidade de termos sidos colonizados e destituídos de nossa cultura”.

Não gostaria que fosse assim, mas o que me conecta é o racismo e a gente vai se entendendo como pessoa através disso também

O espaço que ela escolheu para expressar tudo isso foi a rua, onde havia ainda o risco de ser interrompida ou interpelada pelas forças policiais. “Não é simples e nem maravilho se apresentar na rua, mas é lá onde eu também sou afetada. O meu objetivo é de dialogar com o contexto da rua porque as coisas que eu falo é o que está na rua diariamente”.

Além desse projeto que Jinarla agora tenta ampliar por meio de editais para levá-lo a outros espaços, a artista é também capitã do Corpo de Bombeiros e percussionista no grupo Maracastelo. Ela pode ser vista atualmente ainda na série Cangaço Novo, da Amazon Prime. Na trama, ela vive uma personagem chamada Amanda, que compõe o elenco de apoio em seu primeiro papel em uma obra audiovisual. Assim como o significado de Sankofa, esta é apenas mais uma etapa para construir o futuro. “Eu me sinto honrada e sortuda por estar iniciando no audiovisual através dessa série. Eu não tinha a dimensão do que era estar em uma grande produção e isso me deu a oportunidade de ver como tudo funciona e de dar minha contribuição. Tenho muito orgulho de minha participação e espero muito que isso seja um caminho sem volta”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 19 de setembro de 2023.