Um dia comum pode conter várias etapas de toda uma vida: acordar, desejar, trabalhar, amar, romper e recomeçar. Essa é a premissa de Penélope (Caos & Letras, 76 páginas), livro de poemas de Clara Velloso Borges que traça a tessitura de uma jornada cotidiana atravessada por sentimentos, ações e inquietações, centrado em eu lírico feminino. O lançamento da obra é amanhã, às 19h, no Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (Cejus), no Bairro dos Estados, na capital.
“Penélope é um livro disposto de acordo com os horários de um dia inteiro. Ele começa às 6h, com um poema sobre levantar e mexer no celular — porque essa é uma Penélope do século 21, que está no Brasil e tem necessidades contemporâneas”, afirma a autora.
A proposta estrutura a narrativa poética como um fluxo contínuo, que se inicia com gestos banais da rotina matinal e segue até o esgotamento do dia, às 23h. Nesse intervalo, não há um enredo linear, mas sucessão de estados da alma em episódios cotidianos.
A passagem do tempo é mesmo central à construção do livro. “Os poemas mais recentes, os que foram pensados para essa obra são justamente os que mencionam o tempo, que têm essa preocupação com o instante”, explica Clara. Alguns textos foram escritos especialmente para a publicação; outros foram selecionados de sua produção mais antiga, acumulada ao longo da juventude.
Mestre em Estudos Literários, a autora já havia publicado anteriormente um livro técnico, fruto de sua dissertação, e um volume de poesias que hoje considera pueril. “Algumas pessoas querem anunciar que esse é o primeiro, e eu estou deixando como primeiro”, comenta, referindo-se à decisão de tomar Penélope como sua estreia oficial na poesia.
A aventura de Penélope
A despeito do título, o livro é tematicamente inspirado no vultoso Ulisses, de James Joyce — este, por sua vez, adaptado da Odisseia de Homero —, tanto por sua disposição temporal quanto pela ideia de percurso aventuroso, protagonizado dessa monta pela mitológica esposa de Odisseu (ou Leopold Bloom). No entanto, não se trata de uma transposição formal da estrutura joyceana, com poemas que variam em forma e tema: há sonetos, versos livres, rimas ocasionais e poemas sem métrica.
Entre as influências que ajudaram a moldar o tom e o espírito da obra, Clara cita a poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, que também escreveu um poema intitulado “Penélope”, além de autoras como Ana Martins Marques e Adélia Prado, escritoras representativas de abordagem ética e estética do feminino.
O livro não busca fazer uma distinção clara entre o vivido e o imaginado. “Tem coisas que são profundamente minhas, mas também tem coisas que são completamente inventadas”, declara.
Além do lançamento de Penélope, Clara já planeja os próximos passos na literatura. “Eu quero muito publicar um romance, é um plano futuro, mas ainda não é hora”, conta.
A autora também venceu um concurso cultural do selo Off Flip, de Paraty, com um livro de crônicas que será sua próxima publicação. “Gostaria de alcançar leitores atentos que possam se relacionar com a obra e se emocionar com ela”, diz.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de julho de 2025.