Ao concluir a turnê de Ciclone em João Pessoa, no último sábado (dia 2), Juliette pode fazer uma comparação importante sobre as consequências pessoais e profissionais das decisões que ela tem tomado em sua trajetória artística. O show n’A Pedra do Reino aconteceu quase dois anos depois de ela ter se apresentado na Domus Hall, pela turnê Caminho. Aquela era apenas a segunda vez que a vencedora do BBB subia ao palco para um show só seu. Agora ela olha em retrospecto e tira algumas conclusões.
“Naquela época, eu estava no meio do furacão, era muito barulho e eu não conseguia ouvir o que estava acontecendo dentro de mim. Foi muito emocionante, lotamos a casa, foi uma coisa surreal, que eu vou guardar na minha memória para o resto da minha vida. Mas eu ainda tinha muito medo. Eu só queria chorar, tanto que no começo eu não consigo cantar, fico nervosa. Eu estava sentindo, mas eu ainda estava no meio do furacão com muito medo e muita emoção e muita euforia”, confessa a campinense, que tem falado abertamente sobre a fragilidade de sua saúde mental durante esses primeiros anos de carreira.
Juliette já deu declarações afirmando ter se percebido fora de sua sanidade mental em alguns momentos e relatou ter passado por fortes crises de ansiedade. Se a fama meteórica cobra um preço, a fatura da artista foi igualmente fenomenal. Não é à toa que o nome da nova turnê é Ciclone e o show comece com uma sequência ruidosa de barulhos incômodos. Tudo tirado da cabeça de Juliette. “Eu não conseguia me ouvir. Era um barulho, era um caos, era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo”. Dentro do show, é o som do pífano de Zabé da Loca e o choro da sanfona e Luiz Gonzaga que põe sinfonia no caos. Na vida real, foi tomando as rédeas de seu destino artístico e enfrentando os haters na internet que ela passou a mudar as coisas.
“Conhecendo esse cenário melhor nesses quase três anos, consegui entender que não há um caminho certo, que não há um modelo certo. O que vale realmente a pena é você imprimir o que você quer, mesmo que você erre, que seja pelos seus erros. No final das contas não tem receita, está todo mundo tentando. Os grandes ídolos, os grandes nomes, eles estão tentando também. Se eu me render a algo que não me representa, eu vou me arrepender muito. É melhor arriscar e errar pelos meus erros do que reproduzir algo que não sou eu”.
Essa é a diferença principal que ela aponta entre Caminho e Ciclone. “Eu ficava ali nos ritmos que eu dominava, não ousava tanto. Até na voz, no timbre, na sonoridade. Era como se eu estivesse vendo uma Juliette infantil, criança, machucada, e eu precisava mostrar a Juliette que eu estava, que eu sou e que eu sempre fui”. No mês passado, Juliette usou as redes sociais para anunciar que não será mais representada pelo Grupo Rodamoinho a partir do ano que vem. Essa é a empresa de Anitta, que foi responsável pelo primeiro EP da paraibana que bateu recordes no Spotify. As seis músicas lançadas quatro meses depois de sair do BBB já haviam sido quase completamente preparadas enquanto ela ainda estava confinada no reality.
O rompimento veio na esteira de uma sequência de recorrentes acusações de plágio que a cantora vem recebendo através do noticiário, e que divide torcidas nas redes sociais. A mais recente denúncia aconteceu com a capa de sua música ‘Falta de Atenção’, um feat com Nattan, inspirada na obra ‘Rest Energy’, dos artistas Marina Abramović e Ulay. Mas antes disso, até campanhas publicitárias já foram canceladas devido a outras acusações similares. Juliette nega que se trate de plágio e identifica a origem para as controvérsias. “Nunca foi plágio quando eu botei Zabé da Loca. Não era um plágio quando eu coloquei Gonzaga porque isso não os afronta. É o lugar que eles querem que a gente esteja. Quando tento sair dali e eu vou fazer Tarantino, art nouveau, pop, Madonna, cinema, Marina Abramović… isso é afronta. Esse lugar não é nosso e eles vão encontrar qualquer disfarce para dizer isso”, compara ela, em entrevista exclusiva ao Jornal A União, ainda antes do show.
A situação coloca repetidamente Juliette em uma posição defensiva, tendo a toda hora que responder a esse tipo de crime de violação dos direitos autorais. “Então sim, a xenofobia permanece, vai permanecer, porque a humanidade é assim. Eles não aceitam que nós ocupemos lugares que eles não querem. Então, vão tentar de todas as formas, mas eu estou acostumada”. Apesar de gastar seu espaço nas mídias para dar explicações, Ciclone ocupa a 5ª posição no Top 5 debut global do Spotify. Com isso, sua assessoria afirma que Juliette tornou-se a terceira artista pop nacional mais escutada na plataforma atualmente.
“O disco alcançou tudo isso, o público superabraçou, as músicas estão com números incríveis, que não eram os objetivos finais, mas também é um dado que nos mostra que o público está gostando, está curtindo. Todo mundo sai do show surpreso, elogiando, falando que foi conquistado”. Essa aceitação por parte do público às mudanças para o pop e para assumir uma performance mais sensual era um risco. E uma conterrânea era o exemplo de como atitudes como essa podem gerar uma onda de reprovação raivosa.
Não seria a primeira vez que isso aconteceria com uma mulher que não quer mais só vestir timão. “Lembro disso em relação a Lucy Alves. Quando a pessoa conhece um artista de uma forma, para você mudar a visão dela, há uma resistência muito grande porque isso ameaça certezas”, compara Juliette. “Algumas pessoas são mais resistentes, outras são conquistadas. Porque, porra, fazer uma música, uma releitura de ‘Tengo Lengo Tengo’ numa roupagem pop, botar a sanfona e o triângulo, isso é uma coisa muito legal”.
O terreno do pop é muito mais concorrido. É esse gênero tão amplo esteticamente e tão rigoroso nas exigências ao popstar o que oferece o maior retorno comercial. Por isso mesmo, há uma forte indústria lutando por uma fatia desse mercado tão volátil. Um tipo de competição que não assusta mais Juliette desde que ela decidiu fazer Ciclone por suas próprias intempéries. “Só vou saber mais tarde se valeu a pena, mas no processo, agora, eu acho que vale a pena, porque a gente não pode aceitar o que está posto. Acho que a gente tem que resistir. Esse é o nosso papel e eu realmente acredito no meu talento”, conclui Juliette.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 06 de dezembro de 2023.