Jamarrí Nogueira
Luta e resistência. Duas palavras que definem bem Leci Brandão, uma septuagenária com alma de menina rebelde. A sambista tem mostrado – nas últimas quatro décadas – como a arte pode estar a serviço das minorias e, consequentemente, da batalha pela igualdade social. Autora de sucessos politizados como ‘Zé do Caroço’ e ‘Deixa, Deixa’, a cantora, compositora e atriz Leci Brandão faz show neste sábado (10) em João Pessoa. “Sempre fiz de minha arte um instrumento de luta. E sempre cantei os excluídos”, declarou Leci, em entrevista por telefone. Ainda comemorando o bicampeonato da Acadêmicos de Tatuapé, agremiação da qual é madrinha em Sampa, ela cantará no Teatro de Arena da Fundação Espaço Cultural.
Com entrada gratuita, a noite terá abertura com Polyana Resende, a partir das 20h. Shows realizados pelo governo do estado (através da Funesc e Secretaria de Estado da Mulher e Diversidade Humana) fazem parte das comemorações do 'Mês da Mulher' e integram a campanha 'Pela vida das mulheres'. Repertório deste sábado terá todos os grandes sucessos de Leci , que - ano passado - lançou o CD ‘Simples assim’. Neste sábado, conforme Leci, a noite será de festa. “Não posso privar o público dos sucessos”, garantiu.
E não vai mesmo! Repertório deste sábado terá ‘Papai vadiou’, 'Só quero te namorar’, ‘Zé do Caroço’, ‘Isso é Fundo de Quintal’ e ‘Perdoa’. Ainda de acordo com a sambista, o show deste sábado terá homenagens a Candeia, (‘Testamento de Partideiro’) e Cartola (‘As rosas não falam’). “E ainda vai ter um pout-pourri de Martinho da Vila, com ‘Casa de bamba’, ‘Madalena’, ‘Quem é do mar não enjoa’ e ‘Canta, canta, minha gente’”, contou Leci Brandão.
O disco ‘Simples assim’ trouxe a canção inédita ‘Nasci pra te amar’, parceria da cantora e compositora carioca com Xande de Pilares e Gilson Berlini. Mas as demais faixas são regravações, como ‘Metades’ e ‘Santas almas benditas’. O disco também reúne ‘Bate tambor’, ‘Deixa viver’, ‘Essa tal criatura’, ‘Invasão’, ‘Sabor açaí’, ‘Pra gente se encontrar de novo’ (sucesso do grupo de pagode Sensação, no fim da década de 1990) e ‘Super-herói da favela’ (tema do grupo Pagodart). No disco, a cantora também dá voz a músicas como ‘Samba pra Xangô’ e ‘Com as graças de Deus’.
Antes de ‘Simples assim’, o último trabalho de Leci Brandão havia sido o CD e DVD 'Cidadã da diversidade' – Ao vivo no Carioca Club SP (MD Music, 2013). E diversidade é bem a cara de Leci Brandão, que – na noite deste sábado – também deverá cantar hits como ‘Isso é Fundo de Quintal’ e ‘Só quero te namorar’.
Uma mulher de luta
Leci Brandão é um osso duro de roer para machistas e opressores. Desde a década de 1970, tem "dado trabalho" a quem teima em não reconhecer o talento e os direitos (!!!) das mulheres. Nascida em Madureira e criada em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, Leci é deputada estadual pelo PCdoB, em São Paulo, desde 2010. Seu mandato é costurado pela luta em prol de negros, indígenas, pobres, mulheres, juventude, trabalhadores e do segmento LGBT. Como parlamentar, Leci dá continuidade àquilo que a sambista sempre fez: dar voz à periferia e às camadas populares que são marginalizadas e oprimidas pela sociedade.
Bom lembrar que Leci Brandão foi conselheira da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher a convite do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), permanecendo nos Conselhos por dois mandatos (de 2004 a 2008).
Sambas censurados
Leci foi uma das primeiras mulheres a entrar para uma ala de compositores no machista universo do samba carioca, em 1972, na Estação Primeira de Mangueira. Ela já havia estreado no cenário musical, com a ajuda do crítico musical Sérgio Cabral. Primeira vez que apareceu na tevê foi no 'A Grande Chance', de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, no final da década de 1960. E foi assim – entre aulas no Curso de Direito e as noites de samba – que Leci conquistou respeito no cenário musical. Na primeira metade da década de 1970, quando frequentava o Teatro Opinião, gravou seu primeiro disco um compacto simples para o selo Marcus Pereira, e participou do 'Ensaio', da TV Cultura - apresentado por Fernando Faro -, ao lado de Cartola.
Ser contestadora gerou muita dor de cabeça para Leci. A compositora foi seis vezes finalista de concursos para escolha do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira e nunca venceu. Na década de 1980, rompeu com a PolyGram, após se sentir censurada pela gravadora (que "sugeriu" mudanças no repertório do LP). Resultado: ficou cinco anos sem gravar. Nesse período aproveitou para participar de campanhas políticas e realizar shows em defesa das minorias, do povo negro, das mulheres e dos trabalhadores. Foi convidada a se apresentar em diversos eventos com sindicalistas, estudantes, índios, movimentos feministas, população LGBT e, principalmente, o movimento negro.
Os sambas censurados somente seriam registrados em 1985 no LP homônimo, gravado pela Copacabana. ‘Isto é Fundo de Quintal’ e ‘Papai Vadiou’ estão nesse disco. Entre 1984 e 1993 (e também em 2000 e 2001), a cantora foi comentarista dos desfiles das Escolas de Samba do Rio, pela TV Globo. Entre 2002 e 2010, comentou os desfiles de São Paulo pela mesma emissora. Em ‘Talento de verdade’ critica a exploração sexual da mulher afro-brasileira. Em ‘O bagulho do amante’, o mote é a inserção das mulheres no tráfico de drogas. Já em ‘Santas almas benditas’ presta homenagem às religiões de matriz africana. A vida na periferia é retratada em ‘O dono e o povo’. E em ‘Super-Herói da Favela’ o tema é a vida breve do traficante.
Polyana Resende vai cantar sambas clássicos e autorais
Show de abertura da noite do sábado será com a sambista Polyana Resende. Ela mostrará canções autorais e também sucessos de Jorge Aragão, Beth Carvalho, Carlinhos Brown e Dudu Nobre. Entre as autorais, ‘Vaitimbora’ e ‘Saravá’, de seu disco ‘Samba Teimoso’. No show de Polyana, que terá uma hora de duração, haverá participações especiais de Débora Malacar, Clara Bione e Mirandinha. Cada um deles cantando uma música juntamente com Polyana. “Vai ser uma noite de alegria, com muito samba de roda”, disse a cantora.
Sobre a oportunidade de abrir o show para Leci Brandão, Polyana Resende destacou o fato de ambas serem pioneiras na abertura de espaço para cantoras e compositoras nas escolas de samba. “Leci é pioneira como compositora de escola de samba e eu também. Além disso, na Paraíba, fui a segunda mulher a puxar um samba de escola durante o Carnaval”, lembrou Polyana, que defende a Malandros do Morro, atual campeã do Carnaval Tradição.
Pernambucana residente em João Pessoa desde 2002, Polyana começou sua carreira artística na Paraíba. Ela conta com parceiros musicais como Seu Pereira, na canção 'Vaitimbora', e o maestro Potyzinho Lucena, que a auxiliou na concepção musical do disco ‘Samba Teimoso’. No palco, Polyana Resende estará acompanhada pelos músicos Potyzinho Lucena (direção Musical e cavaquinho), Luís Umberto (violão de sete cordas), Eduardo Fiorussi (viola e violão), Leandro Santos, Alisson Cavalcante, Francisco Neto e Erandi Oliveira (percussões).