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Marco do cinema paraibano, longa "Fogo Morto" completa 40 anos

publicado: 31/01/2017 00h05, última modificação: 31/01/2017 06h57
Fogo Morto

"Fogo Morto" foi filmado em 1975 e é baseado no romance homônimo do escritor José Lins do Rego - Foto: Divulgação

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Guilherme Cabral

Baseado no romance regionalista homônimo publicado em 1943 pelo escritor José Lins do Rego (1901 - 1957), o clássico filme intitulado Fogo Morto completou, no final de novembro passado, quatro décadas do lançamento. Dirigido por Marcos Farias, o longa-metragem é um drama com 1h28min de duração, protagonizado, entre outros, por Othon Bastos, Ângela Leal e Jofre Soares, e que retrata o declínio dos engenhos de cana-de-açúcar na região Nordeste do Brasil, além de traçar amplo perfil das figuras decadentes da aristocracia que giravam em torno dessa atividade econômica, no século XX. “É um marco do cinema paraibano, pois a produção é 100% paraibana”, destacou para o jornal A União o crítico, escritor, historiador e vice-presidente da Academia Paraibana de Cinema (APC), Wills Leal. A propósito, no intuito de marcar o transcurso dessa data no âmbito da Sétima Arte - e, também, para comemorar os 108 anos de emancipação política de Caiçara, ocorrida no dia sete daquele mês - o Grupo Atitude, uma ONG que desenvolve projetos educacionais e culturais, exibiu em Mostra essa mesma produção cinematográfica e, ainda, O Trapalhão na Ilha do Tesouro e Eles não Usam Black-tie, todas com a participação, no elenco, do ator Rafael de Carvalho (1918 - 1981), que nasceu na cidade, localizada na região Curimataú do Estado. 

“As filmagens de Fogo Morto se deram totalmente na Paraíba, nas cidades de Pilar, onde nasceu o escritor José Lins do Rego, Santa Rita, Mamanguape e Areia. Rafael de Carvalho incorpora o coronel Vitorino Carneiro da Cunha, apelidado de “Papa-rabo”, tido como o personagem mais forte de toda a obra de José Lins”, lembrou para A União o idealizador e coordenador do Grupo Atitude, professor Jocelino Tomaz, que, há pelo menos uma década, reúne obras e objetos de Rafael, numa iniciativa cujo objetivo é mostrar a importância do artista paraibano, que também foi cordelista, cantor, compositor, militante cultural e político. “Nas entrevistas que concedeu ao longo da carreira, Rafael considerava o Coronel Vitorino “Papa-rabo” o personagem mais importante que chegou a interpretar, não apenas por admirar a obra de José Lins do Rego, como também por se identificar com esse personagem, que comparava a um Dom Quixote nordestino, por seus ideais socialistas e sonhadores, assim como era o próprio ator”, prosseguiu ele.

Ambientado na Paraíba em 1910, a trama do filme, que acontece em conjuntura de muita violência, sobretudo por causa da guerra travada pela volante policial com os cangaceiros liderados por Antônio Silvino, envolve diversos personagens da área urbana da região Nordeste. Um deles é o Mestre José Amaro, seleiro na beira da estrada, o qual é expulso das terras onde vive pelo decadente e orgulhoso senhor de engenho chamado coronel Lula de Holanda; outro é o capitão Vitorino, cujo apelido é “Papa-rabo”, figura quixotesca e protagonista de aventuras, mas também desventuras. No entanto, alguns flashbacks levam o espectador para a região dos engenhos de cana-de-açúcar instalados em território paraibano nos anos de 1886 e 1888.

Na ocasião do lançamento do longa Fogo Morto, Wills Leal lembrou que já era um cinéfilo e escrevia sobre a Sétima Arte para a imprensa, na cidade de João Pessoa. “Torci muito pelo filme, na época, porque era uma produção 100% paraibana”, garantiu ele. “O filme não foi sucesso de público porque intelectualizaram muito o fim, além de ter ocorrido no momento em que a televisão era em cores e forte. Mas o filme é fantástico, não há a menor dúvida”, assegurou Wills Leal, que também participou, no último mês de novembro, em Caiçara, das atividades realizadas pelo Grupo Atitude.

“O filme Fogo Morto, do Marcos Farias, foi rodado em 1975, em cima do melhor romance do Zé Lins, assim como - no mesmo ano - o Soledade, do Paulo Thiago, em cima de A Bagaceira, o melhor de Zé Américo. Gente de fora veio e se serviu do que tínhamos de maior, com resultado, nos dois casos, decepcionantemente menor. Entrei no elenco das duas produções, ambas em papeis secundários, com todos os personagens mais importantes vividos por atores do Sudeste. Fui convidado, nos dois casos, porque participara do elenco de O Salário da Morte, o único longa paraibano de ficção, em 35 mm, na época. O que me fez mais pena, em Fogo Morto, foi ver o enorme esforço do Rafael de Carvalho pra tornar Vitorino Papa-rabo o personagem extraordinário que ele é no livro. Tanto que, em nossa cena principal, diante da cadeia de Pilar, quando, no ensaio, eu fiz que lhe dei um tapa tão forte no rosto, que ele rolou na escadaria, ele viu todo mundo - atrás da câmera - aplaudindo o que fizéramos, e se animou. Veio lá de baixo, me pedindo Bate na minha cara de verdade!, e eu - resistindo - Olhe!, e ele: Bate! E assim aconteceu a primeira e única vez que bati na cara de um homem. O que me fez me sentir muito mal, mas o deixou imensamente feliz”, confessou para A União o ator, escritor e artista plástico Waldemar José Solha.