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Reconhecimento

Luz sobre Luzia Teresa dos Santos

publicado: 21/08/2023 10h05, última modificação: 21/08/2023 10h05
Espetáculo de atriz paulista homenageia a contadora de histórias de Guarabira, falecida em 1983
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Estreia aconteceu em julho, em São Paulo, e objetivo da atriz Emilie Andrade é receber incentivo para apresentar o espetáculo na Paraíba em 2024 - Foto: Gabriel Metzner

por Guilherme Cabral*

 Impressionada com o fato de a contadora de histórias paraibana Luzia Teresa dos Santos (1909 – 1983) ser uma recordista, com o registro de 242 contos narrados, e, apesar disso, ainda estar no anonimato, a contadora de histórias e atriz paulista Emilie Andrade decidiu montar um espetáculo com o objetivo de resgatar a vida e a obra dessa figura da cultura popular. O resultado é a peça intitulada A Casa de Luzia, cuja estreia ocorreu no dia 15 de julho passado, na Casa da História, na cidade de São Paulo, e tem trilha sonora original assinada por outra paraibana, a DJ e cantora Luana Flores. Embora atue sozinha no palco, a artista não considera que seu trabalho seja um monólogo, e sim “um espetáculo de contação de histórias, ou narração artística”. Em entrevista, Emilie Andrade contou que planeja apresentar a peça na Paraíba em 2024, com previsão de iniciar pela capital, João Pessoa, e, depois circular pelo interior do Estado.

“Do jeito que eu senti a necessidade de ir até a Paraíba para realizar pesquisa para o espetáculo, para que ganhasse mais cor, a partir do encontro com os conterrâneos da Luzia Teresa dos Santos, que nasceu na cidade de Guarabira, também sinto a necessidade de levar o espetáculo para a Paraíba, com o objetivo de sentir de perto a reação das pessoas e construirmos, juntos, o espetáculo, porque onde tenho apresentado também converso e mantenho interação com o público. A atriz afirma que a ideia não é imitar e nem fazer uma interpretação de como Luzia seria, mas, através do ofício de contar, fazer o resgate da história e da impressionante memória que tinha, por ter conseguido contar o maior número de histórias que sabia e como as expressava. No entanto, para poder concretizar o projeto de circular com a peça pela Paraíba, comentou que precisa obter financiamento por algum edital federal, para cobrir os custos com o deslocamento e outras despesas.

Emilie assina a narração e a criação do espetáculo A Casa de Luzia, que começou a elaborar, sob a orientação da atriz Juliana Jardim, em março passado e concluiu três meses depois. “Eu terminei o trabalho em pouco tempo por se tratar de um tema que já vinha pensando há alguns anos. A parceria de Juliana também foi importante, pois ela me fazia perguntas, me provocava e sugeria caminhos durante as nossas reuniões, algumas presenciais e outras virtuais”, disse a atriz, que mora em São Carlos (SP) e tem formação em teatro pela Universidade São Judas Tadeu, na capital paulista, especialização na técnica Klauss Vianna pela PUC de São Paulo, e realiza o projeto ‘Sementeira: Histórias Semeiam Mundos’. A produção da peça é de Morena Carvalho e cenário de Alício Silva.

Pesquisa

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Atriz Emilie Andrade esteve na PB realizando pesquisa - Foto: Gabriel Metzner

O trabalho de pesquisa de Emilie Andrade para criar o espetáculo – que incluiu uma imersão no arquivo sobre Luzia Teresa no Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular (Nuppo), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa -, foi desenvolvido com financiamento coletivo. A montagem está sendo realizada com verba do Programa de Ação Cultural (ProAC), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo.

No palco, Emilie se encontra com Luzia Teresa para uma conversa imaginária sobre a importância da escuta, da palavra e do estar junto, enredo que define como sendo uma “história-moldura”, a partir do qual mais outras histórias são contadas. “Assim como no encontro entre Sherazade e o sultão Shariar”, comparou a atriz.

“Eu escolhi quatro histórias de Luzia Teresa, que tem como títulos O contador de histórias, A onça e o macaco, O sonho de Isaque e Maria dois olhos. E tem mais uma história, que é uma invenção, onde peguei um trecho de poema de Manoel de Barros e adaptei para contar o fim da vida dela, onde uma árvore surge no porão e vai crescendo tanto que rompe o piso e o telhado da casa e Luzia morre nessa árvore. A história-moldura, o contorno das cinco histórias, é essa visita que imaginei à casa de Luzia, na qual penso que perguntas faria a ela, que histórias eu ouviria dela e vou relatando isso para o público e, em certo momento, mostro uma foto dela para que seja identificada pelo público. O espetáculo segue três linhas de trabalho: a primeira são os contos, a segunda a vida de Luzia e a terceira são algumas reflexões minhas sobre o ofício de contar histórias”, comentou Emilie.

Admiração
A atriz paulista ressaltou as altas capacidades da paraibana Luzia Teresa dos Santos. Diz que, apesar de não saber ler nem escrever, Luzia tinha uma memória prodigiosa e alta qualidade na contação de histórias. Com esse encontro imaginário entre duas contadoras de histórias de lugares e tempos diferentes, a atriz joga luz na obra de quem considera “uma mulher extraordinária, pessoa humilde com imenso talento”. “Sua casa é, para ela, um lugar de conquista e pertencimento”, afirmou Emilie, lembrando que Luzia foi colocada para fora de casa por um enteado, após a morte do marido.

Emilie Andrade lembrou que o primeiro contato com a obra de Luzia Teresa dos Santos ocorreu em 2012. “Naquele ano comprei três livros reunindo contos narrados por Luzia, organizados pelo professor, historiador, escritor e dramaturgo alagoano Altimar Pimentel (1936 – 2008) e publicados pela editora Thesaurus. Esses contos foram gravados em áudio por Luzia para o Nuppo, da UFPB. E em um curso para contadora de histórias, em São Paulo, já haviam me apresentado a obra de Luzia. À medida que eu lia e me aprofundava no universo de Luzia Teresa seguia questionando o anonimato dessa gigante. Será por causa da desvalorização das manifestações populares? Da oralidade? Da arte de contar histórias? Então, disse comigo mesma que precisava contar a história dela. Luzia é a corporificação do mito de Sherazade, comparação feita pelo professor Altimar Pimentel que também reproduzo. Não há notícia de contadores de histórias que a tenha superado em número de contos populares”, afirmou a atriz.

Ela conta que quando veio à Paraíba, em 2019, ficou hospedada na casa da DJ Luana Flores. “Eu me impressionei vendo-a tocar. Disse a ela, na ocasião, que gostaria que fizesse a trilha sonora para o espetáculo que eu estava pensando realizar. Quatro anos depois, mantive contato novamente com Luana para informar que o projeto ia rolar e perguntei se ainda queria fazer a trilha original e ela concordou. Luana foi a minha ponte viva com a Paraíba e me ajudou não só com alguma palavra para a narrativa da montagem, no sentido de me esclarecer se determinada palavra ainda era usada, mas também com a sua trilha para o espetáculo, que une a música eletrônica com os ritmos populares, como coco e maracatu”, relatou Emilie Andrade.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de agosto de 2023.