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Machado no Teatro

publicado: 03/05/2024 09h43, última modificação: 03/05/2024 09h43
O Coletivo Alfenim estreia hoje seu novo espetáculo, ‘A Causa Secreta’, basead0 em conto machadiano de 1885 e com apresentações em sua sede, no Castelo Branco
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Triângulo amoroso, metalinguagem teatral e ares circenses compõem a nova peça do Alfenim, que fica em cartaz até o dia 9 de junho | Foto: Edson Albuquerque/Divulgação

“Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço”, diz Machado de Assis nas primeiras linhas de A Causa Secreta, publicado em 1885 e editado posteriormente em várias coletâneas do escritor carioca. A história de Machado será recontada desta vez não no texto do próprio autor, mas no palco do Coletivo Alfenim, em estreia hoje na sede do grupo, localizada no Castelo Branco, em João Pessoa. Esta montagem de A Causa Secreta permanecerá em cartaz até o dia 9 de junho, sempre aos fim de semana: nas sextas-feiras (hoje, inclusive) e nos sábados, às 20h, e aos domingos, às 18h; os ingressos, a partir de R$ 20, podem ser adquiridos no site Sympla.  

No texto de Machado de Assis, os protagonistas Maria Luísa, Garcia e Fortunato vivem um subliminar triângulo amoroso, atravessado pelo sadismo deste último. O primeiro encontro entre Garcia e Fortunato se dá no extinto Teatro São Januário (que existiu na vida real), no qual os amigos, até então desconhecidos, assistem a uma série de peças. O teatro vira cenário na montagem do Alfenim, que incorpora o grupo de atores que é apenas citado por Machado, num gesto metalinguístico: a fictícia Companhia São Januário de Extravagâncias encena dentro da montagem a que assistimos uma adaptação de A Causa Secreta – sendo esta uma peça dentro de outra peça.

O tratamento dado pelo diretor, que também assina a cenografia, dá ares circenses à obra. A trilha sonora, executada ao vivo pelo músico Kevin Melo, ajuda a compor essa atmosfera, através de instrumentos musicais diversos como clarinete, percussão, rabeca e berimbau. A reportagem de A União conversou com membros do Coletivo Alfenim para falar de suas impressões sobre o estranho casal e seu amigo – típicos perfis machadianos.

A Causa Secreta
- Do Coletivo Alfenim, baseado em Machado de Assis.
- Estreia hoje, às 20h.
- Na Sede do Coletivo (Rua José Gonçalves Júnior, 182, Castelo Branco, João Pessoa)
- Ingressos: a partir de R$ 20, no site Sympla.

Paula Coelho é Maria Luísa

Hoje professora do curso de Teatro da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Paula Coelho está imersa na cena há quatro décadas, tendo fundado o Alfenim em 2007, junto com Márcio Marciano. Há alguns anos, o conto foi tema de Projeto de Iniciação Científica que ela coordenou enquanto docente na UFPB. Na adaptação que estreia hoje, ela atua em vários papéis – dentre os quais, Maria Luísa, vértice do triângulo amoroso sem solução de A Causa Secreta.

Na opinião de Paula, os personagens machadianos revelam traços do povo brasileiro; ainda que componham painel de um período distante do nosso presente, sua obra pode servir de fonte de estudo sobre como as pessoas se relacionam até hoje. “No conto de Machado, Maria Luísa é insondável, não tem voz própria, sempre vista por vários olhares. Na montagem do coletivo a gente mudou esse aspecto da personagem, possibilitando que ela tivesse voz”, esclarece Paula sobre a mulher que interpreta.

Murilo Franco é Garcia

Natural de Brasília, Murilo Franco deu seus primeiros passos no teatro, ainda na escola. Ao se mudar para João Pessoa, anos mais tarde, cursou uma oficina de teatro da Fundação Espaço Cultural (Funesc), formando-se depois em curso superior na área. Ingressou no Alfenim em 2016, durante a montagem de Helenas. Em A Causa Secreta, ele interpreta um ator da Companhia São Januário de Extravagâncias, que, por sua vez, dá vida a Garcia, personagem que cai de amores pela esposa de seu amigo.

O ator descreve Garcia como uma “presa fácil” na mão do complexo casal. O tratamento não-realista desta montagem, também segundo Murilo, conecta-se com a abordagem “escabrosa” de Machado. “Essas questões internas e externas dos personagens servem para que Machado fale do Brasil, sobre essa sociedade adoecida que vivemos”, destaca Murilo.  

Adriano Cabral é Fortunato

Ainda nos anos 1990, o recifense Adriano Cabral fez sua estreia no teatro, nas produções da Anarrieh Companhia de Teatro, fundada por Makarios Maia e Vinícius Rodrigues no Rio Grande do Norte. Ingressou no Alfenim dois anos depois de sua fundação. Ele também foi aluno do curso de Letras, na UFPB, oportunidade em que pôde ler, pela primeira vez, o conto de Machado que encena a partir desta sexta-feira. Em A Causa Secreta, ele dá vida ao sádico Fortunato, que no conto original maltrata animais apenas pelo prazer de torturá-los.

Adriano destaca que o Alfenim recorreu a uma série de referências para compor os elementos cênicos e os próprios personagens – dentre elas, traços expressionistas, o grotesco, o teatro de variedades, além do próprio circo – “tudo junto e misturado”, nas palavras do artista. “Para o ator, é uma oportunidade imperdível levar à cena figuras tão complexas e enigmáticas, que estão sempre nos surpreendendo e intrigando, como é o caso de Fortunato”, salienta.

Edson Albuquerque é Shylock

Quando criança, Edson Albuquerque pediu aos pais para mudar de instituição de ensino quando descobriu que a Escola Vitória Régia, em Cajazeiras, encenava uma peça de teatro anualmente. Sua estreia foi como o cachorro Gaspar, personagem do clássico O Rapto das Cebolinhas. Adulto, ingressou na companhia em 2019, no espetáculo Desertores. Nesta montagem no Alfenim, ele interpreta Shylock, mestre de cerimônias que não está no texto de Machado. 

O artista destaca o trabalho de João Marcelino, figurinista de A Causa Secreta; para Shylock, foram desenvolvidas peças de época com toques extravagantes que evidenciam a aura farsesca do espetáculo. “Ninguém é 100% bom ou 100% mau. Existe o contexto em que o personagem vive a ação. E como espectadores começamos a julgar os personagens através de suas atitudes. Mas, como sempre, Machado vai puxando o nosso tapete e revelando novas camadas de personalidade que a gente nem imaginava “, sinaliza Edson sobre A Causa Secreta.  

O diretor, Márcio Marciano

O experiente diretor Márcio Marciano nasceu no bairro paulistano da Mooca. Foi lá que pôde assistir às suas primeiras peças de teatro, promovidas de forma gratuita para os moradores daquela localidade; formou-se depois em Teatro, pela Universidade de São Paulo (USP). Chegou a João Pessoa em 2006, onde fundou, logo depois, o Alfenim, ao lado da colega Paula Coelho. Esta é a segunda vez que o coletivo encena um texto de Machado – a primeira foi em 2015, com Memórias de um Cão, baseado em Quincas Borba.

O diretor afirma que o triângulo amoroso engendrado por Machado serve apenas como pano de fundo para retratar temas ainda mais complexos como a eugenia, evidenciada nas práticas cruéis de Fortunato. Márcio também diz que “fugiu da armadilha” de montar a peça apenas reconstituindo o cenário do século 19. “Esse recuo para o interior da maquinaria teatral nos permitiu trabalhar as cenas como números de um roteiro de extravagâncias. Foi uma solução no campo alegórico para falar das perversões que intoxicam as relações sociais na atualidade”, finaliza Márcio.

Através do link, acesse o site de venda de ingressos para a peça

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de maio de 2024.