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Regente da Orquestra Sinfônica Municipal de JP, Laércio Diniz pretende ser representante do legado do compositor

Maestro quer resgatar obra do paraibano José Siqueira

publicado: 09/01/2022 08h00, última modificação: 10/01/2022 11h54
laércio-diniz Foto Miriam Silva-Divulgação.png

por Joel Cavalcanti

por Joel Cavalcanti*

A atuação efetiva de uma orquestra sinfônica dá um termômetro importante sobre a consistência dos projetos artísticos que se pretende para um povo. Visto como um mecanismo de desenvolvimento cultural, elas representam a sociedade. A sua qualidade e prestígio revelam um investimento em profissionais especializados e em uma lógica que aponta para a necessidade de promover o conhecimento sobre a beleza das obras clássicas. Na capital paraibana, o maestro da Orquestra Sinfônica Municipal de João Pessoa, Laércio Diniz, é o responsável por coordenar esse projeto que busca se expandir em 2022. No ano em que completa seis décadas de vida, o regente quer integrar a orquestra com outras artes e anuncia um desafio pessoal: “O meu trabalho é, daqui por diante, ser um representante da obra de José Siqueira”.

Diferentemente do perfil dos mais renomados músicos do mundo, o maestro da Sinfônica Municipal de João Pessoa (OSMJP) não foi um menino prodígio que assustava a todos com o seu talento prematuro. Nascido no Rio de Janeiro, filho de pai pernambucano e mãe carioca de ascendência italiana, Laércio Sinhorelli Diniz não teve em casa uma formação instrumental que o guiasse na música. Quando a família da região da Calábria vinha ao Brasil era comum que cantassem óperas importantes para a unificação da Itália no século 19 – quase sempre para desgosto geral dos presentes, exceto para o jovem Laércio.

Tendo começado a estudar violino apenas aos 16 anos de idade, ele precisou mentir a idade que teria iniciado na prática do instrumento. Isso foi necessário durante o processo de seleção para uma concorridíssima bolsa de estudos do governo alemão na Escola Superior de Música de Colônia, quando estudou com conceituados nomes como Sashko Gavrilov, Susanne Rabenschlag e Ingeborg Scheerer. “A minha professora na Alemanha até hoje não acredita que tenha começado tão tarde, porque isso é algo que se tem contato aos 5 ou 8 anos de idade”, conta o músico, que foi introduzido ao ensino da música em um projeto social em Brasília. “Era uma aficcionado por violino, só pensava em violino. Estudava mais de oito horas por dia, todos os dias”, lembra ele.

"José Siqueira é, para mim, o maior compositor que tivemos no Brasil junto com Villa-Lobos. A obra dele é de um peso estrutural muito grande e é pouco divulgada. E pode ser levada a qualquer lugar do mundo que vai fazer sucesso "

A execução de concerto de Tchaikovsky para violino e a primeira sonata de Bach estavam entre as peças tocadas por Laércio Diniz em 1987 para tentar impressionar os julgadores na Alemanha. Não estava na relação, porém, o seu compositor favorito: Johannes Brahms. “Ele é um marco do romantismo porque consegue concentrar toda a tradição clássica e barroca para a sua música”, classifica o maestro que também estudou por quatro anos com o quarteto de cordas ‘Amadeus’, considerado o mais importante do mundo e que gravou toda a obra de Brahms.

O processo de largar o violino para assumir a batuta foi algo que surgiu sem que Laércio Diniz perseguisse firmemente e que teve a interferência determinante do pianista João Carlos Martins, reconhecido mundialmente por suas interpretações das obras de Bach. “Eu montei a primeira orquestra dele, que até então não era maestro, e fui o primeiro a chamá-lo de maestro e insistia para que todos o chamassem”, conta Diniz, que era spalla da orquestra.

Como João Carlos Martins se revezava entre a função de maestro e de pianista, era Laércio Diniz quem assumia a regência nesses momentos. Foi assim que ele teve sua estreia em um dos palcos mais importantes do mundo, o do Carnegie Hall, em Nova York, nos Estados Unidos, em 2005. “Depois disso, eu comecei a fazer a minha carreira. Montei a Orquestra Filarmônica do Brasil, Orquestra de Câmara Barroca e as coisas foram acontecendo a partir disso”, remonta o regente da OSMJP.

Construir pontes


Com uma formação eminentemente europeia, o maior objetivo do maestro sempre foi construir pontes entre essa tradição com os compositores brasileiros. Um paraibano de Conceição tem uma participação fundamental nessa empreitada: “José Siqueira é para mim o maior compositor que tivemos no Brasil junto com Villa-Lobos. A obra dele é de um peso estrutural muito grande e é pouco divulgada. E pode ser levada a qualquer lugar do mundo que vai fazer sucesso”, considera Diniz, que ainda não conseguiu colocar esse plano adiante na OSMJP porque as peças de José Siqueira exigem uma orquestra maior do que possui a Sinfônica da capital. Com avó paraibana natural de Monteiro de sobrenome Siqueira, o maestro ainda investiga se ele mesmo teria uma ligação familiar com o regente e compositor paraibano.

Analisando sua discografia, uma das características recém-descobertas por Diniz é que ele seria um dos maestros brasileiros com mais gravações internacionais em orquestras no exterior. Ele já gravou com a New Netherlands Orchestra, da Holanda, a Lithuanian National Symphony Orchestra, da Lituânia, além das alemãs Nordwestdeutche Philharmonie e Das Freie Orchestra Berlin, dentre outras. “É difícil ter uma carreira lá fora, e ainda mais gravar. São poucos os maestros que têm tantas gravações no exterior quanto eu”, conta ele, que espera que quando a pandemia acabar ele possa retomar esse trabalho divulgando as obras de José Siqueira.

Foi depois de acumular toda essa experiência internacional que, em 2013, Laércio Diniz desembarcou em João Pessoa para tomar a frente da recém-criada Orquestra Sinfônica Municipal de João Pessoa. O contato se deu através do violinista baiano criado em João Pessoa, Alberto Johnson. Grande amigo de Diniz, ele entrou em contato com o então prefeito da capital para indicar o nome de Diniz para a função. Em nove anos de fundação, o maestro tem sido responsável por definir os rumos do grupo. “A orquestra cresceu. Nós fizemos um trabalho muito forte em termos de música em João Pessoa. E a minha ideia é continuar esse trabalho de cada vez mais crescer. Cícero Lucena tem dado um grande apoio, até porque a Orquestra de Câmara foi criada na primeira gestão dele”, destaca Diniz, que também cita a criação da Companhia Municipal de Dança de João Pessoa, com quem a Orquestra se apresentou no último mês de dezembro com espetáculo de balé ‘O quebra-nozes’.

Na condição também de diretor artístico do Festival Internacional de Música Clássica de João Pessoa, Laércio Diniz usou de seu prestígio para promover a vinda de solistas importantes da França, do Canadá e da Alemanha. “Com pouquíssimo dinheiro, nós conseguimos fazer um trabalho de divulgação da música clássica, não só na Paraíba, mas em outros lugares”, aponta ele.

O projeto de apresentações virtuais denominado ‘OSMJP Amigos & Histórias’, surgido durante a pandemia, reuniu a orquestra a nomes expressivos de outras linguagens artísticas como o músico e dançarino Antônio Nóbrega, o artista plástico Wilson Figueiredo, o cineasta Marcus Vilar e a atriz Zezita Matos. Isso aponta para novos caminhos de atuação da OSMJP. “Quero que a orquestra seja um catalisador da arte em João Pessoa. Não apenas divulgando a música clássica, mas trazendo para a música clássica grandes artistas de outras áreas”, planeja Laércio Diniz.

*Reportagem publicada originalmente na edição impressa de 9 de janeiro de 2022.