Início do século 20. Grandes invenções estão nascendo rapidamente no mundo, a exemplo das cidades, e com elas surgem, igualmente, problemas imensos, tais como aumento do fluxo migratório, superpopulação e desemprego, incutindo medo e fascínio aos indivíduos. Um poeta russo de 20 anos de idade, que mais tarde viria a ser chamado “poeta da Revolução”, observa a transição histórica entre mundos e resolve expressar as tensões de sua época em seu primeiro livro de poesia , Eu! (1913) – surpreendentemente coincidente com o título do contemporâneo Eu, de Augusto dos Anjos (porém, com essa vírgula antes da palavra). A obra de Vladimir Maiakóvski, até então inédita no Brasil, foi traduzida pelo poeta e pesquisador Astier Basílio, que mora na Rússia há sete anos e está na Paraíba para lançar o livro , Eu! + Todos os Poemas Anteriores, pela Editora Arribaçã – amanhã, às 16h, no Museu dos Três Pandeiros em Campina Grande, e no próximo dia 12, às 18h, no Café da Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, ambos abertos ao público.
Em Campina, Astier fará uma palestra sobre o trabalho e haverá um bate-papo ao final sobre Maiakóvski. Já para o lançamento em João Pessoa, o tradutor resolveu programar uma sessão de autógrafos, tendo em vista o distanciamento de sua terra natal e a vontade de rever velhos amigos. “Tem muita gente que eu não vejo há muito tempo, então procurei um local onde eu pudesse ter a oportunidade de conversar com todos”, confessa.
Basílio conta que a origem do projeto partiu justamente de uma de suas longevas amizades, a partir do ofício do jornalismo, com Linaldo Guedes, fundador da Arribaçã. Desde que Linaldo iniciou sua editora, desejava publicar algo de Astier, que é autor de 15 livros. “Ele queria publicar alguma coisa minha e eu queria oferecer alguma coisa que pudesse ser na área da tradução, mas que não tivesse sido feita antes. E eu pensei em Maiakóvski, porque é o poeta russo mais amado e mais conhecido do Brasil. Mas o que de Maiakóvski?”, explica.
Foi então que Astier lembrou de que o primeiro livro do poeta russo nunca havia sido publicado na íntegra. Alguns dos poemas traduzidos neste , Eu! + Todos os Poemas Anteriores já foram publicados em antologias poéticas, como a dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, juntamente com Boris Schnaiderman. “Eles lançaram a antologia em 1968. Alguns dos poemas estão aqui, mas não como a gente tem agora a oportunidade de acompanhar, poema a poema por ordem cronológica”, detalha Astier. Além dos poemas, os textos citados por Maiakóvski também foram traduzidos por Astier, como Aleksandr Blok, a fim de fornecer uma melhor compreensão das referências e a devida contextualização intertextual.
Foram quase dois anos de produção, numa alternância intensa e paciente entre tradução e revisão. “O livro teve quatro revisões depois dele estar impresso, pronto pra ser enviado para a gráfica. E se pudesse eu teria feito até mais [risos]”, assevera o tradutor. A obra, primeiro trabalho de tradução de Astier publicado em livro, apresentou-se com uma certa complexidade, dado que os escritos do jovem Maiakóvski são objetos de controvérsia, inclusive para os próprios russos. “Desde que nos mudamos para Moscou, há sete anos, uma questão intrigava: como os russos viam o poeta Vladimir Maiakóvski?”, questiona o autor na apresentação do livro.
, Eu! + todos os poemas anteriores
- De Vladimir Maiakovski. Tradução: Astier Basílio.
- Editora: Arribaçã. R$ 60.
Um poeta plástico
Quando começou a escrever poesia, Maiakóvski estudava na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Um artista plástico de formação, muito interessado àquele período na vanguarda das artes plásticas, sobretudo o cubismo, e suas discussões estéticas, tais como a quebra de perspectiva e a figuratividade, que vieram a configurar os caminhos de abertura para as artes do contemporâneo. Dessa forma, parece a Astier que quando Maiakóvski começa a escrever seus poemas, traz para a literatura toda a desconstrução realizada nas artes plásticas. “A impressão que eu tenho é a de que ele imaginava um quadro cubista e escrevia um poema a partir desse quadro imaginado”, reflete Astier.
Muitas das conclusões do tradutor partem de extensa consulta a fontes diversas, como comentadores, especialistas na obra do poeta russo, palestras e livros, com as quais dirimiu várias dúvidas, esclarecidas em suas notas. Uma das fontes consultadas, das mais importantes, foi Lilya Brik, considerada a “musa da vanguarda russa”, alma gêmea de Maiakóvski.
Astier explica que muitos dos poemas do russo são impossíveis de serem traduzidos, já que não há como repetir uma ruptura dentro de um sistema linguístico diverso. “Isso é visível, por exemplo, quando ele vai fazer a quebra dos versos, a quebra das linhas. Nesse caso é algo que é mais perceptível, porque ele já faz isso nesse primeiro momento, uma forma diferente de organizar as linhas. A metáfora dele é uma metáfora estranha por conta desse aspecto das artes plásticas”, destaca o tradutor.
“Vírgula Eu”?!
De acordo com um dos especialistas consultados por Astier, analista dos poemas iniciais de Maiakóvski, naquele momento inicial, o poeta russo andava à procura da descoberta de sua própria voz como poeta, tentando introduzir elementos novos através de sua poesia incomum. Essas criações irão desenvolver Maiakóvski como o público brasileiro o conhece, ou seja, como um poeta que radicaliza na experimentação das formas e dos conteúdos.
“Essa é uma forma de me apresentar, colocar o meu trabalho à disposição, do ponto de vista pessoal, ou seja, tem esse caráter de cartão de apresentação. E eu acho que esse livro se soma a tantos outros de Maiakóvski, que é o autor russo mais conhecido do Brasil, mas que está longe de ter tudo dele editado aqui. Acredito que estou dando a minha contribuição nesse sentido para o leitor brasileiro ter acesso a mais informações, sobretudo no contexto do modernismo russo”, afirma o tradutor.
Quem chamou a atenção de Astier para a vírgula que antecede o pronome pessoal do título da obra original – elemento que o tradutor decidiu manter em sua obra – foi Leonid Katsis, citado em várias partes do livro. “Ele chama a atenção para que não se deve tentar interpretar racionalmente muitas das metáforas. [...] Não dá pra saber o que ele quis com isso. Mas é possível inferir que seja o atestado de que ele propunha para a poesia o que já investigava na pintura”, conclui Astier.
Campina Grande
- Lançamento amanhã, às 16h no Museu de Arte Popular da Paraíba (Museu dos Três Pandeiros) (R. Dr. Severino Cruz, s/nº, Centro, Campina Grande).
- Entrada franca.
João Pessoa
- Lançamento dia 12, às 18h no Café da Usina (Usina Cultural Energisa, Av. Juarez Távora, 243, Centro, João Pessoa).
- Entrada franca.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de julho.