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Mantendo vivos os bolachões

publicado: 24/07/2024 08h59, última modificação: 24/07/2024 08h59
Com a inauguração da Taioba Discos, agora João Pessoa conta com seis lojas, que vendem discos de vinil
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Nova loja dedicada aos LPs funciona no Bairro dos Ipês; Manaíra e Centro hospedam as outras cinco em JP | Foto: Roberto Guedes

por Esmejoano Lincol*

João Pessoa ganhou recentemente uma nova loja de discos. Não, o leitor de A União não está lendo uma manchete dos anos 1980. A notícia é de um acontecimento da semana passada, sobre a iniciativa do empresário pessoense Sérgio Pacheco, que abriu a Taioba Discos, no Bairro dos Ipês. Ela se junta a outros cinco estabelecimentos que trabalham atualmente com o comércio de mídia musical física na capital — principalmente LPs —, puxado pela tal onda vintage que fez reacender o interesse pelo formato, anos depois de seu suposto fim.

Justamente por não ter visto os discos de vinis nas prateleiras das lojas quando era criança e adolescente, Sérgio, fotógrafo e profissional de tecnologia da informação, começou a colecionar vinil “tarde”, em 2020. “Durante o divórcio dos meus pais, minha mãe quebrou todos os CDs da coleção dos Beatles do meu pai. Os discos deram sorte e saíram ilesos, ficando mais de 20 anos guardados na casa do meu avô. Quando comprei meu primeiro toca-discos, pedi para ficar com a coleção e meu pai me deu de presente.”, recorda.

Pouco tempo depois de criar seu acervo, ele começou as primeiras vendas, em menor número e através da internet. A ideia de transpor a Taioba para um endereço físico veio com uma análise mercadológica. Sérgio aponta dados da Pró-Música, entidade que representa as gravadoras do país: em 2023, houve crescimento de 136% no consumo de discos no Brasil. “A Paraíba obviamente não fica de fora desse movimento. Fizemos vários testes em feiras itinerantes e a recepção do público foi muito boa. Percebemos que apesar de haver já algumas lojas em João Pessoa, havia demanda para algo novo”, citando a estrutura do empreendimento. 

Quem também desbrava o comércio de vinis em João Pessoa é Alessandra Leão — arquiteta, urbanista e dona da Tigresa Discos, Manaíra. O desafio é em dobro, não somente por ser uma empreitada recente (ela abriu o comércio em 2020, durante a pandemia). “São poucas mulheres nesse ramo, infelizmente, apesar de sermos mais cuidadosas com os discos. Me sinto poderosa à frente de minha loja, já que em João Pessoa eu sou a única. Isso me dá força, para, quem sabe, incentivar outras mulheres a fazerem o mesmo”, diz. Apesar de não ser a principal fonte de renda da empresária, a Tigresa, que recebeu este nome graças à famosa canção de Caetano Veloso, dá lucro. “Eu vejo um futuro ascendente para esse universo. Minha loja é para sempre, quer ela exista fisicamente ou não”, almeja.

A Estilhaços Discos também funciona em Manaíra e foi aberta em 2020. Victor Duarte, seu proprietário, alega que a ideia para montar a loja partiu de viagens que fez com a esposa — oportunidades em que visitou outros estabelecimentos. “Já possuía um estoque considerável de discos, que não mais cabiam em casa. Com eles, decidimos abrir a loja. O nome Estilhaços veio do segundo álbum de Cátia de França, uma das minhas artistas favoritas”, explica. Tendo a loja como sua principal fonte de renda, Victor explica que a experiência presencial segue sendo mais atrativa do que a compra on-line. “Vira local de encontros, de troca de conhecimentos, de aprendizados. E por se tratar de produtos usados, em sua maioria, tem a vantagem de se poder ver o real estado de conservação dos discos”, defende.

Enquanto Sérgio, Alessandra e Victor “estreiam” como lojistas, Edmilson Dias de Araújo, o Big Boy, se consolida como o mais experiente: segundo as contas dele, são 63 anos vendendo mídia física. O apelido dele, a propósito, tem tudo a ver com discos: quando jovem, ao passar uma temporada no Rio de Janeiro, conheceu o mítico DJ carioca Big Boy. “Ele me disse, ‘você também será um Big Boy quando voltar à Paraíba’. Desde que retornei, nos anos 1960, comercializo principalmente LPs”, rememora. Antes de se mudar para o seu atual endereço, o Mercado Público Sindolfo Freire, em Cruz das Armas, ele ocupou boxes no Centro. Mas em boa parte de sua trajetória como comerciante, os vinis foram comercializados na calçada da Visconde de Pelotas. “O disco afundou em 1995, mas eu segurei. A turma jogava fora e eu pegava para revender”, detalha.

Outro vendedor experiente é Óliver de Lawrence: batizado pelo pai, professor, como uma homenagem aos personagens Oliver Twist e Lawrence da Arábia, ele decidiu dar ao seu estabelecimento o seu próprio nome. A Óliver Discos, em atividade desde 1988, em Manaíra, foi montada por ele pela paixão que mantinha pela mídia física — além de músico, ele próprio tem um acervo de 17 mil CDs. Parte do catálogo vem de fitas demo com gravações em versões raras. “Gravei cassetes para muitas bandas. E até hoje, muitas delas me escrevem em busca de demos que nem elas têm”, revela. Sobre o futuro, ele diz que poderia pensar na ideia de repassar o negócio para alguém quando estivesse mais velho. “A única condição é que a pessoa tenha o mesmo amor que eu tenho pelos discos e pelos CDs”, projeta.

Robério Rodrigues é o nome por trás da Música Urbana, uma das mais tradicionais lojas da capital, no Centro. O sonho de montar o estabelecimento não era apenas metafórico. “Eu sonhava que tinha uma loja de discos e quando acordava e não tinha, eu ficava triste”, declara. Em atividade desde 1998, o empreendimento se tornou, com o tempo, um ponto de encontro de amigos e palco para apresentação de muitas bandas pessoenses. Ao contrário de seus outros colegas, o CD é o forte da loja. Esta é mais uma das entrevistas que ele concede a veículos locais, mas ele já marcou presença no Encontro com Fátima Bernardes, em 2014. “Nunca imaginei dar entrevistas sobre a música e sobre o ramo dos discos. Mas fico muito feliz em participar disso tudo”, finaliza Robério.

  

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de julho de 2024.