Faltando apenas 20 dias para a abertura do Carnaval Tradição de João Pessoa, um imbróglio ainda deixa indefinida a abertura do evento. Quatro grupos de maracatu da cidade protestam contra a exclusão e a diminuição do espaço de suas participações nos desfiles marcados para começar no próximo dia 10 de fevereiro. A Liga das Escolas de Samba, responsável pela programação, questiona a relevância desses grupos e aponta para o cronograma apertado para a inclusão de todos na avenida. A Funjope, que financia as agremiações, afirma que apoia o pleito dos grupos de maracatu e tem tentado negociar uma solução conjunta.
A Liga das Escolas de Samba aponta para o cronograma apertado para a inclusão; a Funjope apoia o pleito dos grupos de maracatu e tem tentado negociar uma solução
São quatro os grupos de maracatu em condições de desfilar este ano: Pé de Elefante, Maracastelo, Baque Mulher e Quilombo Nagô. Desde 2019 eles têm sido convidados a integrar o evento e, a partir disso, fazem ensaios e investimentos próprios para sair com suas alas e alegorias, levando cada um deles entre 60 a 100 integrantes para a Avenida Duarte da Silveira. Na programação deste ano, porém, constaria apenas dois grupos, sendo que um deles não é considerado pelos demais como sendo de maracatu. Quilombo Nagô é o único convidado, mas condicionou a sua participação à inclusão dos demais grupos no desfile.
A Mestra Angela Gaeta, responsável pela regência e coordenação do Maracastelo, afirma que todos foram pegos de surpresa com a exclusão justamente no momento em que o grupo fazia a manutenção dos instrumentos, costurava as fantasias e produzia os acessórios. “A gente se prepara todos os anos para fazer o desfile e esse já era um espaço bem difícil de resistência porque o cachê que a gente tem acesso para botar esse maracatu na avenida não custeia nem aquilo que é gasto”, afirma a coordenadora.
A Maracastelo realiza o desfile com personagens da Corte Real, representando o rei e a rainha do Congo em trajes de luxo. Tem também as catirinas, representando as mucamas responsáveis por conduzir a dança, além de uma ala de orixá e outra de percussão. “Pedro Cândido, presidente da Liga, coloca tudo num balaio só e não entende a diferença que existe entre maracatu e grupos que utilizam a alfaia, que é um instrumento do maracatu. Ele chama de forma genérica tudo de batuque, só que não existe essa expressão cultural ‘batuque’. A expressão cultural é o maracatu”, defende Gaeta. “A gente interpreta isso como uma forma de retaliação porque recentemente elaboramos uma carta dando indicativos de ampliação do espaço do maracatu no Carnaval Tradição”, acrescenta.
Outro lado
O presidente da Liga das Escolas de Samba, Pedro Cândido, afirma que ele é um dos incentivadores da participação dos grupos de maracatu, que só integram o desfile por meio de seu convite pessoal. Ele pondera, porém, que existe um limite de grupos que podem participar do Carnaval. “Imagina você, de que horas esse grupo vai entrar? Querer é uma coisa, mas ter público é outra, sabe? É um horário muito cedo, não tem esse público todo, e é muito quente. Quanto mais agremiação você colocar, mais cedo se torna, porque o Ministério Público determina que o horário de acabar é de duas horas da manhã”, alega Pedro Cândido.
O dirigente da Liga argumenta ainda que os grupos de maracatu não estão em sintonia com o que o Carnaval Tradição representa. “Eu não chamo grupo de maracatu, eu chamo de batuques”, confirma ele. “É um protesto injusto, porque primeiro a gente conquista o espaço, tá? Essas coisas não se fazem de um dia para outro, não. O Carnaval tem 104 anos, os espaços foram sendo conquistados. É uma coisa de tempo mesmo. O público que vem é o público da agremiação. Porque o Carnaval Tradição tem muito disso, sabe, de atrair as comunidades. Ele é feito pelas comunidades. Pronto, acho que eu já disse tudo. O Carnaval da Tradição é feito pelo povo das comunidades”, justifica Pedro Cândido.
O Maracastelo é uma associação sem fins lucrativos reconhecida pelo Ministério da Cultura também como um Ponto de Cultura em João Pessoa, e leva em conta uma historiografia que afirma que os primeiros registros de maracatu datam do ano de 1700, época em que as fronteiras com o estado de Pernambuco eram bem diferentes. Na Paraíba, os grupos de maracatu passaram a ser criminalizados, e perseguidos devido a sua origem das religiões de matrizes africanas e foram proibidos de atuar em 1920. Mas isso não parece convencer o dirigente da Liga. “Quem está chegando, está entrando no Carnaval Tradição, mas não fazem o Carnaval de Tradição”, insiste Cândido.
Uma nova reunião está marcada para a próxima terça-feira (dia 23), na sede da Funjope, para resolver o impasse. Só então deve ser divulgada a programação completa do evento. Em entrevista ao Jornal A União, o diretor executivo do órgão, Marcus Alves, afirmou que apoia a inclusão de todos os grupos de maracatu no Carnaval e que a fundação pagará os cachês de participação no evento. “Da nossa parte, já definimos esse processo de inclusão dos maracatus desde o ano passado, quando me reuni com todos os maracatus da cidade. Desde então pedimos a Liga das Escolas de Samba para incluir os maracatus na programação do desfile na Avenida Duarte da Silveira, sendo um maracatu por noite”, declara Alves.
Uma ideia que deve ser colocada em discussão para os próximos anos é o acréscimo de mais um dia de Carnaval Tradição, destinando a terça-feira para o desfile dos grupos de maracatu. “Os grupos de maracatu participam já desde as nossas prévias de Carnaval com abertura dos shows da Diana Miranda e da Banda Tuaregs, neste domingo (dia 21), na Casa da Pólvora, dentro do nosso projeto Circulador Cultural. Também já garantimos sua presença na abertura do show de Alceu Valença, no dia 1º, e nos desfiles da Via Folia. Na noite das Muriçocas teremos três maracatus se apresentando”, conclui Marcus Alves.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de janeiro de 2024.