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Maria Valéria Rezende ganha prêmio cubano pelo romance "Outros Cantos"

publicado: 28/01/2017 00h05, última modificação: 27/01/2017 23h45
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A escritora Maria Valéria Rezende é natural de Santos, no interior de São Paulo, mas vive na Paraíba há 38 anos - Foto: Edson Matos

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Linaldo Guedes

Depois de ser aclamada em todo o Brasil com o romance “Quarenta Dias”, vencedor do Prêmio Jabuti de 2015, a escritora Maria Valéria Rezende foi a grande ganhadora do Prêmio Casa de las Américas, de Havana, Cuba, com o romance “Outros Cantos”. O resultado saiu ontem e foi comemorado por escritores, intelectuais e leitores brasileiros através de redes sociais e de mensagens enviadas à escritora. “Estou entre pálida e enrubescida!!! O prêmio que eu, no fundo do meu coração, mais desejava, por ter vivido tantas coisas inesquecíveis na Casa de las Américas, minha casa em Cuba!!!”, comemorou Valéria, que chegou a morar em Cuba como missionária nas suas atividades como religiosa.

O Prêmio literário Casa de las Americas é oferecido anualmente pela Casa de las Américas, de Havana, Cuba. Foi criado em 1960, com o nome de Concurso Literário Hispanoamericano. Passou a se chamar Concurso Literário Latino-americano em 1964. No ano seguinte, foi adotado o nome atual. Diversos autores brasileiros já ganharam prêmios da instituição, como Luiz Ruffato, Lêdo Ivo, Nélida Piñon e Nelson de Oliveira, entre outros.

A escolha do romance “Outros Cantos”, pela Casa de las Américas, gerou reações positivas nas redes sociais. O escritor Bráulio Tavares foi um dos que se pronunciaram sobre a premiação: “Uma bela notícia nesta noite: Maria Valéria Rezende, a mais paraibana das escritoras santistas, ganhou o Prêmio Casa de las Américas com seu romance “Outros Cantos”. O que equivale a ganhar o Campeonato Brasileiro num ano (com “Quarenta Dias”) e a Libertadores no ano seguinte!”. O júri do prêmio foi composto por Lúcia Bettencourt, Adriana Lisboa e Guiomar de Grammont, que garantiu a vitória ao romance que narra memórias de viagens da autora ao Nordeste brasileiro.

“Outros Cantos” foi o quarto romance da escritora Maria Valéria Rezende e que, como os demais da autora, narra idas e vindas pelo mundo. O livro foi lançado em 2016, mas, segundo ela, cerca de sete ou oito anos antes, alguém que organizava uma coletânea de relatos, cujo tema deveria referir-se a distâncias ou viagens, pediu-lhe um texto de cerca de 20 páginas. “Para a andarilha que sempre fui, a proposta era atraente. Busquei matéria-prima na minha memória, inventei mais um bocado, escrevi e enviei, já com esse título, Outros cantos. O organizador, no entanto, decidiu não publicá-lo. Hoje agradeço a não inclusão nessa coletânea, onde ele teria permanecido como um conto e talvez já esquecido”, lembra.

Depois desse episódio, ela guardou o texto em seu “baú de recicláveis”. Passados três ou quatro anos, remexendo nos guardados, encontrou-o e releu com olhos de leitora quase isenta, esquecida dos detalhes de conteúdo e forma. “Tratava-se do relato de uma mulher, já idosa, que atravessa o Sertão, de ônibus, durante uma noite, e não dorme, observando outros passageiros e o que consegue ver pelas janelas, evocando lembranças de sua primeira inserção no mundo sertanejo, 40 anos antes. Vai ao passado por meio da memória/imaginação e volta ao presente, alternadamente. Aquilo ficou ressoando na minha cabeça, chamando outras imagens, e percebi que podia ser o “primeiro capítulo” de um romance, cuja temática, estrutura e voz narradora já estavam dadas. Comecei a desenvolvê-lo. Como minha rotina é uma sucessão de imprevistos, e meu cotidiano nada tem a ver com o isolar-se longa e “disciplinadamente” num escritório, sou lenta no trabalho braçal de passar o que está na cabeça para o papel, faço isso “quando dá”, em meio a inúmeras tarefas e solicitações da vida doméstica, de meu círculo próximo ou da necessidade de pagar as contas, com traduções, por exemplo”, explicou em depoimento ao Suplemento Pernambuco.

Em 2012, Maria Valéria Rezende tinha quatro livros inacabados. “Outros Cantos” era um deles. "Quarenta dias" era outro. Abriu-se então uma seleção para a produção de obras literárias com patrocínio da Petrobras. Ela inscreveu seus quatro projetos em andamento e “Outros cantos” foi selecionado, com mais 16 livros/autores. O processo de contratação com a Petrobras foi devagar e o prazo de um ano só começou a correr a partir de dezembro de 2013. Não se tratava de bolsa, mas sim de patrocínio, com uma quantia a receber só entregando-se o livro pronto e contrato firmado com alguma editora. “Pude, porém, arriscar-me a não buscar outro trabalho remunerado e dediquei 2013 a terminar o Quarenta dias, publicado em 2014. Em seguida retomei a escrita e polimento de Outros cantos, entregue à Petrobras e à Alfaguara em dezembro de 2014”, conta.

Maria Valéria Rezende ressalta que “Outros cantos” não se trata de autoficção ou de memórias, “embora eu tenha emprestado à protagonista, como cenário, características de um povoado no qual de fato vivi, percursos que de fato fiz, e muito do que vi, ouvi, toquei e tive de aprender ao longo da minha vida. A biografia e a personalidade da protagonista dessa história não são as minhas. Mas são nossas”.

Natural de Santos, interior paulista, Maria Valéria Rezende está radicada na Paraíba desde 1976. Integrou a direção nacional da Juventude Estudantil Católica e, após o golpe de 1964, abrigou na sua casa militantes que lutavam contra o regime militar. Entrou para a Congregação de Nossa Senhora - Cônegas de Santo Agostinho em 1965. Graduou-se em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy e em Pedagogia pela PUC-SP. Fez mestrado em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba. Na década de 1960, começou a trabalhar com educação popular, atuando em diferentes regiões do País e em todos os continentes, em programas de formação d.e educadores. Viveu no sertão de Pernambuco e em Recife/Olinda de dezembro de 1972 a 1976. Mudou-se para a Paraíba em 1976, morando no Brejo paraibano e, desde 1988, em João Pessoa. Publicou vários livros e artigos de não ficção. Estreou na literatura em 2001, com o livro “Vasto Mundo”. Ganhou o Prêmio Jabuti de 2009 na categoria literatura infantil com “No risco do caracol”, em 2013, categoria juvenil, com “Ouro dentro da cabeça” e em 2015 nas categorias romance e Livro do Ano de Ficção, com “Quarenta dias”.