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Memórias dos anos de chumbo

publicado: 13/12/2024 08h40, última modificação: 13/12/2024 08h40
Rui Leitão lança hoje o livro “Eu Vivi a Ditadura Militar”, contando como viu o período autoritário no Brasil
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O autor se soma a um esforço para que a história do golpe não se apague | Foto: Roberto Guedes - Foto:

por Esmejoano Lincol*

Rui Leitão, atual diretor de Rádio e TV da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), era um jovem secundarista nos anos 1960, engajado com as causas estudantis, quando dos primeiros anos do Regime Militar no país. Ele chegou a se candidatar a presidente do Grêmio Estudantil do Liceu Paraibano, mas perdeu por uma diferença mínima de votos. “Foi a minha sorte. Se eu tivesse ganhado, talvez não estivesse aqui, contando essa história”, declarou. Eu Vivi a Ditadura Militar, compilação de pesquisas e memórias dos chamados “anos de chumbo”, ganha lançamento hoje, na Livraria A União, no Espaço Cultural, em João Pessoa, às 19h. O evento é gratuito.

O livro, também editado por A União, conta com prefácios do escritor Waldir Porfírio e do jornalista Rubens Nóbrega, que apresentam e propõem uma divisão da obra em quatro segmentos: “Resistência e repressão”; “Violação dos direitos humanos”; “Memória e verdade”; e “Análise crítica”. A obra parte dos momentos históricos que antecederam o golpe de 1964 e deságua nos processos de abertura e de redemocratização da política brasileira, mas registra, em sua maior parte, a complexa e violenta trajetória da Ditadura Militar no Brasil, ao longo de 249 páginas. As repercussões nacionais e os contextos locais desse entrecho de nossa história também ganham espaço.

Depois de quase ganhar a eleição para o Grêmio, em 1968, Rui foi dissuadido por seus pais de continuar em movimentos estudantis: eles conseguiram para ele um emprego no extinto Banco do Estado da Paraíba (Paraiban), o que o afastou da luta. Todavia, o gestor continuou a sua militância silenciosa por meio da observação dos movimentos políticos.

“Bispos vermelhos”

Um dos episódios destacados no livro foi a proibição da entrada do ex-presidente Juscelino Kubitschek no Clube Cabo Branco, em João Pessoa, por parte de seu proprietário, durante o Carnaval de 1972. JK havia se tornado persona non-grata dos militares. Outro caso pitoresco registrado por Rui ocorreu em 1968, envolvendo um grupo de estudantes de extrema direita, ligados ao movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP).

“Eles vieram à capital para colher assinaturas num manifesto direcionado ao papa, reivindicando o afastamento dos chamados ‘bispos vermelhos’ nordestinos: dom Hélder Câmara, dom Fragoso e dom José Maria Pires. O grupo foi expulso do Centro de João Pessoa por alunos do Liceu”, rememora.

Além de dom José, paraibano crítico dos militares e que liderou o levante de agricultores da Grande Alagamar, região situada no município de Salgado de São Félix, outros paraibanos que se destacaram no combate ao regime também são lembrados, como Geraldo Vandré, compositor do hino de desagravo “Pra não dizer que não falei das flores”. “Consta que Vandré nunca foi vítima de torturas físicas, mas a pressão psicológica acabou o afastando das lutas, quando de seu retorno ao Brasil, após um exílio na Europa”, pontua.

Rui decidiu escrever sobre esse período motivado por outras manifestações golpistas, que tomaram as cidades brasileiras em janeiro de 2023, quando da eleição de Lula: eleitores contrários à vitória do presidente, que já estavam acampados em quartéis das principais cidades do país pedindo intervenção militar, invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

“Antes disso já havia manifestações desse público em torno de medidas antidemocráticas. Ou esse pessoal não teve a experiência de viver a Ditadura Militar, ou então foi alcançado pelo projeto de apagamento da memória do regime. Eu achei necessário resgatar isso”, justifica.

Segundo o autor de Eu Vivi a Ditadura Militar, o distanciamento temporal do fato é outra ação contundente no revisionismo histórico da época, ação que impede os mais jovens de conhecerem a fundo o passado brasileiro. Rui espera que o livro também sirva de material de consulta para gerações vindouras. “O país viveu um clima de medo durante 21 anos. Hoje, eu escrevo diariamente para as minhas colunas jornalísticas e me considero um ativista político. É preciso que todos tenham conhecimento do que aconteceu naquela época”, finaliza.

EU VIVI A DITADURA MILITAR
De Rui Leitão.
Editora: A União.
Lançamento hoje, às 19h.
Na Livraria A União (Espaço Cultural, R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa).
Entrada franca

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de dezembro de 2024.