Na edição de sábado passado deste diário, o colunista Tiago Germano comparou a crônica com um vira-lata caramelo: carismática, mas, em geral, sem o reconhecimento que merece. Não se pode dizer isso sobre a obra de Luis Fernando Verissimo, cronista (sobretudo) que morreu no sábado (30), aos 88 anos. Campeão de vendas e de talento, bem reconhecido pela crítica, ele encontra facilmente um lugar entre os maiores escritores do Brasil. O escritor morreu de complicações causadas por uma pneumonia.
Nascido em 1936, ele tinha uma sombra grande sobre ele: o pai foi Erico Verissimo, autor de O Tempo e o Vento, entre outros romances de grande estatura. Luis Fernando disse em entrevistas que, talvez para evitar comparações, quando passou a escrever, enveredou pela crônica. Um gênero mais despojado, menos grandioso.
Depois de ser revisor no jornal Zero Hora, a partir de 1966, e tradutor, Luis Fernando Verissimo começou a publicar crônicas — ou coisa parecida, como está na capa de sua primeira coletânea, O Popular, de 1973. O livro também trazia, junto aos textos, uma seleção de seus cartuns, mostrando também seu lado desenhista.
Ed Mort e Outras Histórias, de 1979, trazia história de um de seus grandes personagens: o detetive pobretão que atendia em seu ‘escri’ em Copacabana (“escritório” é uma palavra muito grande para o lugar). Mort, Ed Mort, virou especial de TV na Globo, em 1993 (com Luiz Fernando Guimarães); filme, em 1997 (com Paulo Betti) e uma série no Multishow; em 2011 (com Fernando Caruso).
Mas Verissimo teve um salto na popularidade a partir de O Analista de Bagé (1981), seu best seller, com mais de 100 edições e ganhando versões para o teatro, também de muito sucesso, a maioria estrelada por Claudio Cunha. A Velhinha de Taubaté, com outra personagem icônica, saiu em 1983.
Sua escrita leve e engraçada era combinada com um refinamento no tratamento do texto, uma erudição cultural, que denotava mais paixão do que soberba, e uma visão abertamente de esquerda e humanista sobre os problemas nacionais e do mundo. Os temas combinavam economia e política com os relacionamentos amorosos, questões existenciais e o futebol.
No fim dos anos 1980, Verissimo aparecia como um dos redatores da TV Pirata e um novo salto de popularidade veio com a publicação de Comédias da Vida Privada (1994), uma seleção de suas melhores crônicas até então. Inspirou, ao excelente A Comédia da Vida Privada (1994), especial de TV que deu origem à série.
Verissimo também foi quadrinista: escreveu e desenhou a tira As Cobras e os cartuns de Aventuras da Família Brasil, e escreveu Ed Mort (com desenhos de Miguel Paiva) e a página do Analista de Bagé (ilustrada por Edgar Vasques).
- “As Cobras” (1975–1999); o lado desenhista de Verissimo também discutiu o Brasil | Imagem: Divulgação/Objetiva
A partir de 2000, sua obra passou a ser publicada pela Objetiva, que lançou novos best sellers a partir de Comédias para Se Ler na Escola (2000) e As Mentiras que os Homens Contam (2000). Ao lado da escrita, o jazz foi um amor constante: tocou sax nos grupos Jazz 6 (com o qual lançou quatro discos) e Conjunto Nacional, formado com os também cartunistas Chico Caruso, Paulo Caruso e Aroeira (dois discos lançados).
Uma obra vasta e diversa, pela qual ele falou muito mais do que sua notória timidez, permitiu se expressar com a própria voz.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 2 de setembro de 2025.