A intuição é um processo subjetivo e instantâneo de compreensão em que não há uma clara explicação sobre como ela surge. A metodologia é um conjunto organizado de procedimentos objetivos e sistemáticos que servem para guiar uma investigação. No livro Fernando Teixeira - A intuição criativa (Editora A União, 248 páginas, R$ 60), da mestra em Artes Cênicas Luciana Dias, esses conceitos estão interligados a partir da análise das técnicas de um dos atores e dramaturgos mais importantes da Paraíba. Se a intuição possui uma natureza individual e dependente da experiência, o livro que será lançado hoje, às 19h, na Livraria A União, em João Pessoa, comprova que a sensibilidade pessoal de Fernando Teixeira persegue uma lógica em que o sobressai é a evidência tangível de seu talento para a interpretação.
“Fernando Teixeira diz claramente que os atores que têm intuição despontam, conseguem chegar em seu ápice junto com a criatividade. Ele desenvolve durante todo o seu trabalho com esse método que leva o ator a ter a intuição criativa quando está criando seus personagens”, descreve Luciana Dias, autora da publicação, que é adaptada da monografia no curso de Especialização em Teatro na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A versão que chega aos leitores em livro recebeu como acréscimo entrevistas com Zezita Matos, Ednaldo do Egypto e Breno Mattos, além de informações oriundas de reportagens em jornais. A obra é permeada por histórias do teatro paraibano seguindo o perfil biográfico e o processo de trabalho profissional de Fernando Teixeira das décadas de 1960 até a de 1990.
A fagulha que dispara todo o processo em Fernando Teixeira está na unidade elementar do gesto, como explica Dias. “Quando Fernando Teixeira começa a desenvolver exercícios práticos e toda a movimentação criativa do gestual do ator em cena é que ele vai se basear naquilo que o ator já possui. Ele não impõe ao ator algo novo: ele trabalha com que ele já tem. Fernando Teixeira cria exercícios apropriados para permitir que o ator se sinta mais criativo e solte mais o gestual”, explica a especialista e encenadora. Método pressupõe a garantia de resultados confiáveis e replicáveis em qualquer contexto quando se segue o mesmo conjunto organizado de passos. Não é disso que se trata o processo de Teixeira, que prefere apontar caminhos.
Em cada espetáculo, esses processos iam sendo incrementados a partir da leitura que encenador ia realizando e as experiências que ia acumulando em vivências que teve em grupos teatrais como os de caráter politizado como o Arena, de José Renato, ou do Oficina, de viés existencialista, de Zé Celso. Por isso mesmo, o livro registra em seus primeiros capítulos o panorama do teatro nacional no período em que o ator, hoje com 81 anos, iniciou na carreira. Fernando Teixeira - A intuição criativa investiga as transformações desses processos durante espetáculos como Curicaca (1991), do Grupo de Teatro Bigorna, criado pelo próprio Teixeira; Anayde (1992), Rogério (1994) e A Bagaceira (1996).
“Em Curicaca, Fernando Teixeira chamava isso de descotidianização dos gestos. Em Anayde, ele evoluiu para chamar esse tipo de trabalho dele de ‘gesto significativo’. Quando chega em Rogério, espetáculo com uma questão política muito forte, Fernando Teixeira estava trabalhando muito a tensão dos gestos, a tensão e o tônus do ator, para passar aquilo que ele queria. Em A Bagaceira é que ele consegue chegar realmente ao que ele queria, e ele vai chamar isso de ‘impulso’. É o impulso que o ator trás e que ele consegue desenvolver com sua metodologia baseada na intuição criativa”, compara Luciana Dias.
"Você relembra momentos que já se encontravam no meu arquivo morto. Você guardou na memória detalhes de uma grande amizade, lembrança de cenas, trabalhos, montagens…" Fernando Teixeira
Essas transições e renovações foram sistematizadas por Fernando Teixeira e estão publicadas na íntegra em um apêndice do livro, que é denominado pelo encenador como A busca pela intuição. Trata-se de uma série de exercícios de preparação de elenco com base nos espetáculos da década de 1990. Dias participou de 10 oficinas ministradas por Teixeira para catalogar todos os detalhes desse método. Ela também pode contribuir diretamente com o teatrólogo durante a carreira, criando a premiada cenografia de Quinze anos depois, em parceria com Sérgio Lucena, com direção de Teixeira. Ao ler o livro que será lançado na noite de hoje, Fernando Teixeira enviou uma mensagem pessoal para a autora:
“Luciana, li a Intuição Criativa. Eu fiz minha biografia da vida e você fez a minha biografia teatral. Só tenho a lhe agradecer pelo seu enorme esforço para o aprofundamento em que você se submeteu lendo, pesquisando e assistindo. Você relembra momentos que já se encontravam no meu arquivo morto. Você guardou na memória detalhes de uma grande amizade, lembrança de cenas, trabalhos, montagens…”, escreveu Teixeira. Um gesto a altura do homem símbolo das artes cênicas da Paraíba. “Fernando Teixeira é o embaixador do teatro paraibano. Além de ele escrever para o teatro, atuar e encenar, ele fomentava a arte e o teatro. Sempre foi ousado e um batalhador, colocando o teatro como algo tão importante quanto respirar”, finaliza Luciana Dias.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 04 de outubro de 2023.