Quando despontou no cenário musical à década de 1970, o ator, cantor e dançarino Sidney Magal levou muita pancada da mídia brasileira, quase sempre tachado com fórmulas prontas, a exemplo de “misto de Elvis Presley e John Travolta”. “Cês tão pensando que vida de artista são só alegrias, mulheres, carrões, divertimento, luzes, cores? Tão pensando? Mas é isso mesmo”, afirma Sidney Magalhães (como ele mesmo) em trecho do documentário Me Chama que Eu Vou (2023, classificação 10 anos, 71 min), que será exibido hoje, às 18h, nas areias do Busto de Tamandaré, compondo a segunda e última sessão do Aruanda Praia, segmento do 20o Fest Aruanda do Audiovisual Internacional da Paraíba. Após a sessão, às 21h, Sidney Magal e banda fazem o show Baile do Magal. As atrações são gratuitas e o Fest Aruanda vai até a próxima quarta-feira (10).
A obra, produzida pela Mar Filmes em parceria com Globo News, Globo Filmes, Canal Brasil e Mistika, é dirigida por Joana Mariani, que conheceu o artista na época em que era assistente de direção de Pedro Becker, diretor de publicidade. Quando ela apresentou a música “Tenho” (1977), Becker colocou na cabeça que precisava fazer um clipe para aquilo que ouvia.
Demorou um pouco até Joana conseguir conectar-se com o músico, mas acabou por acontecer e o vídeo, que nasceu em um momento mais silencioso da carreira do artista e chegou a ser indicado à premiação do MTV Music Awards.
Isso se deu no mesmo período em que a revista Trip decidiu fazer uma matéria de capa, em 2003, questionando sobre o estilo do astro — brega, cool, pop — chegando a qualificá-lo de “cigano fajuto”.
“A carreira do Magal mudou um pouco. Acho que muitas pessoas que gostavam dele, mas não tinham coragem de dizer que gostavam, passaram a se sentir permitidas a dizê-lo. Isso tudo na época do clipe”, afirma a cineasta, que acabou criando uma relação de amizade tanto com o multiartista quanto com sua esposa, Magali West, a partir desse trabalho.
Com o sangue de Joana fervendo por novas produções com o cantor, aquela aproximação não terminou com a subida dos créditos do clipe. Veio a ideia de fazer um longa de ficção. A Globo News e a Globo Filmes tinham acabado de patrocinar um documentário dirigido por Mariani e queria fazer mais um. Ela, então, viu na oportunidade a chance de realizar uma rica pesquisa de personagem para a ficção no desenvolvimento do roteiro.
“O documentarista que acha que dirige documentário está se enganando. Você não dirige nada, é o documentário que te dirige”, diz ela, que teve muito tempo para trabalhar no material — a pandemia aconteceu ao longo do processo de montagem. “Foi gostoso. É um documentário de que me orgulho muito. Eu falo que as pessoas falam dele exatamente o que eu queria que elas falassem, ou seja: ‘Pô, eu vi o documentário e deu vontade de tomar uma cerveja com o Magal’”.
Magal sem bandeira
Todo o processo de levantamento de dados na pesquisa se deu primeiro com pesquisadores, mas depois Joana arregaçou as mangas e foi bater às portas do SBT, da Record e da Globo, parceira da proposta. O resultado foi o acesso liberado aos arquivos de forma unânime pelas emissoras.
“Isso é muito legal. O Magal não tem bandeira, transita bem. Todo mundo ajudou. O Venâncio, que era o pesquisador inicialmente, achou pérolas. Aquela cena em película que ele fala da entrevista do Jô: ‘É isso mesmo, é glamour. É exatamente isso, vida de artista’”.
Joana sabia que Magal sempre foi muito midiático e que todo mundo sabia muitas coisas sobre ele através da internet. Mil programas já haviam esmiuçado muitas de suas facetas, enquanto Mariani tencionava que o público pudesse conhecer Sidney, como a esposa o chama.
“É esse cara que nunca abriu mão da família”, pontua Joana. “Se ele tivesse que escolher entre família e carreira, ele não pensava duas vezes: era a família”. Casada com Sidney Magal há mais de 40 anos — os dois se conheceram em uma turnê do artista na Bahia para lançamento de um de seus discos —, Magali não dá entrevistas. Consciente do fato, Joana lançou a condição de só fazer o longa caso ela topasse, já que era imprescindível a participação da esposa no processo.
Para além do importante enfoque no lado humano e pessoal, o documentário passeia pelas músicas mais conhecidas do artista, como “Sandra Rosa Madalena, ‘A cigana’”, “Amante latino” ou “Meu sangue ferve por você”, todas do epônimo e primeiro álbum Sidney Magal (1977). Mas também explora músicas de outros artistas que o cantor considera importantes. “Intercalamos o filme com ele cantando músicas que foram importantes pra vida dele, mas que não são dele”, detalha, revelando algumas dessas preferências, como Dorival Caymmi (1914–2008) e Roberto Carlos.
Outras joanas
Joana Mariani começou tardiamente no cinema — foi publicitária até os 30 anos e ingressou em curso de direção por achar que seria a maneira mais fácil de aprender a fazer cinema. Foi quando conheceu Heitor Dhalia, iniciando sua trajetória como produtora e assistente de direção do longa O Cheiro do Ralo (2006).
“Eu falo de mulheres, falo de fé, de amor e de música”, enumera a diretora acerca dos temas principais de sua filmografia. Filmou, entre outros, dois documentários com viés antropológico sobre a fé em Nossa Senhora — Marias – A Fé no Feminino (2015) e A Imagem da Tolerância (2017) — além do ficcional Todas as Canções de Amor (2018).
Em paralelo a Me Chama Que Eu Vou, foi diretora de episódio na série Só Se For por Amor (2022), da Netflix, além de dirigir, ao lado de Carlos Saldanha, a série How to Be a Carioca (2023), da Star+. Também atuou na produção do longa Cyclone (2025), que será exibido na sessão da Mostra Competitiva Nacional do Fest Aruanda no dia 9, a partir das 21h30, na sala 9 do Cinépolis do Manaíra Shopping.
A diretora conta ainda que, quando recebeu o convite de Lúcio Vilar para a exibição de Me Chama que Eu Vou no festival, surpreendeu-se por se tratar de um filme mais antigo. “Mas fiquei superanimada. Fico muito feliz mesmo de poder participar”, confessa Joana.
“Ele [Sidney] é o cara que resolveu morar perto da praia, o cara que tem três filhos. Foi difícil encontrar um formato. O Magal é um cara muito positivo. Mesmo nos momentos ruins da vida dele, ele fala: ‘Ah, esse momento aqui? Ah, não, valeu a pena’. Eu falo pra ele que eu já fiz minha parte, mas eu brinco com ele que, se um dia ele quiser fazer um show com orquestra, eu quero dirigir e filmar. Tomara que um dia ele decida fazer, mas tem que ser quando ele quiser”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 5 de dezembro de 2025.

