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Nos passos de Elizabeth Teixeira

publicado: 10/02/2025 10h01, última modificação: 10/02/2025 10h03
A produtora paraibana Carambola Filmes desenvolve projeto sobre os anos de clandestinidade da líder camponesa
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Elizabeth Teixeira, 100 anos na próxima quinta-feira: marido assassinado e fuga traumática da Ditadura Militar | Foto: Divulgação/Carambola Filmes

por Daniel Abath*

Após sete anos de dedicação, um projeto de cinebiografia de Elizabeth Teixeira, líder camponesa e símbolo de resistência durante a Ditadura Militar, enfim ganha forma, justo na época em que se comemora o centenário da ativista (que será na próxima quinta-feira). Com o apoio do edital Ruth de Souza, a equipe do longa-metragem Quem é Elizabeth? está imersa em uma fase intensa de pesquisa e revisão do roteiro, buscando aprofundar a narrativa sobre os anos de exílio da protagonista, um período ainda pouco conhecido de sua vida. A produção é da paraibana Carambola Filmes.

“A gente está bem feliz que finalmente o filme vai sair do papel”, comemora Inês Figueiró, diretora e uma das roteiristas do projeto. “Já lutamos por muitos anos para viabilizá-lo. Agora, com o recurso garantido, podemos investir mais na pesquisa e no desenvolvimento da história”, explica.

O filme será centrado no período em que Elizabeth, após a morte do marido, o líder camponês João Pedro Teixeira (evocado no documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho), precisou fugir e viver sob o nome de Marta Maria por quase duas décadas.

História trágica

A história de Elizabeth Teixeira é marcada por tragédia e resistência. Após o Golpe Militar de 1964, ela foi forçada a se exilar em São Rafael, no Rio Grande do Norte, deixando para trás uma família desestruturada.

“Temos uma mulher que, com o advento do horror do Golpe, da Ditadura, precisa fugir para não morrer”, reflete Inês. “Ela era uma trabalhadora rural, com menos dinheiro e menos possibilidades de exílio no exterior. Nosso desafio é entender quem era Marta Maria e o que restava de Elizabeth nessa mulher que sobreviveu em condições tão adversas, na miséria”.

O exílio de Elizabeth não foi apenas uma fuga física, mas também um rompimento familiar traumático. Seus 10 filhos foram separados e distribuídos entre parentes, um episódio que deixou marcas profundas. “Um deles fala, de forma muito interessante, que foi dividido como numa espécie de rebanho de bode. Esses traumas mostram como o Estado interfere brutalmente na vida das pessoas”, descreve.

A equipe do filme busca evitar o melodrama, optando por uma abordagem que enfatize a força e a resistência de Elizabeth. “Ela enfrenta o Estado, assim como as tragédias gregas enfrentavam os deuses”, compara. “É uma história trágica, mas não queremos cair no melodrama. Queremos mostrar a potência dessa mulher, que era à frente do seu tempo.”

O pilar fundamental do projeto é a pesquisa histórica. A equipe conta com a colaboração de pesquisadoras como Kátia Dumont, que, além de corroteirista, está mergulhada em documentos e entrevistas para reconstruir detalhes da vida da líder camponesa durante o exílio.

“A gente precisa aprofundar esse mapeamento de quem era Marta Maria e como ela se relacionava com a Elizabeth que existia antes”, explica a diretora.

A equipe é composta por profissionais de diferentes regiões do Brasil, mas o projeto tem raízes profundas na Paraíba, estado onde Elizabeth lutou ao lado de João Pedro. “É importante que seja uma produção paraibana, com uma produtora local”, destaca Inês. “A gente precisa ouvir essas histórias e trazer à tona a potência das mulheres brasileiras [que são muitas], apagadas pela história oficial”.

As gravações devem começar no próximo ano, após a finalização do roteiro e dos preparativos técnicos. Enquanto isso, a equipe segue dedicada a contar uma história que, mais do que relembrar o passado, inspira reflexões sobre resistência, família e justiça no Brasil contemporâneo. “Sabe aqueles presentes que tu ganha da vida, assim? É um presente pra mim poder mergulhar nessa história. E um grande desafio honrar essa biografia com o respeito e a profundidade que ela merece”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de fevereiro de 2025.