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Nos passos de Linduarte

publicado: 18/06/2025 08h59, última modificação: 18/06/2025 13h38
Documentário vai contar a vida e a obra do cineasta de “Aruanda” e sua importância para o cinema brasileiro
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Linduarte Noronha fez filme sobre quilombolas da Serra do Talhado... | Fotos: Kaline Lima/Divulgação
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...e equipe de Lúcio Vilar reencontrou duas crianças do filme de 1960, agora idosos
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por Esmejoano Lincol*

Há pouco mais de 60 anos, o jornalista e cineasta pernambucano Linduarte Noronha subiu à Serra do Talhado, no município de Santa Luzia, para registrar o dia a dia da comunidade quilombola que ali vivia. A empreitada do realizador foi registrada primeiro em texto, por meio de uma reportagem de A União, publicada em duas partes, em 1959. Meses depois, ele retornou àquela localidade para fazer nova abordagem, agora em um filme — Aruanda, um marco do audiovisual brasileiro. Imbuído na tarefa de recontar essa história e de remontar a biografia do artista responsável por essa e outras obras, o diretor Lúcio Vilar produz, atualmente, o documentário O Homem por Trás do Cinema Novo, com previsão de estreia para 2026.

Uma equipe de 12 pessoas refez, no último mês, os passos de Noronha em Santa Luzia, no Sertão, reencontrando alguns dos personagens que fizeram parte de Aruanda. Completam a montagem do documentário trechos de entrevistas realizadas com Linduarte antes de seu falecimento, em janeiro de 2012; parte deste material é inédito.

“Em 1999, tive um primeiro contato com ele, como repórter, ao realizar uma entrevista para o Correio da Paraíba. Creio que foi nesse momento que despertei para a grandeza daquele homem de gestos simples e de uma generosidade sem limites que, alguns anos mais tarde, iria se tornar o patrono do Fest Aruanda que fundamos em 2005, com sua presença e aval”, recorda Lúcio.

Aruanda, o primeiro dos filmes realizados por Linduarte (além deste, há o curtametragem O Cajueiro Nordestino e o longa O Salário da Morte), ficcionaliza o dia a dia de uma família de artesãos. Eles coletam a argila, que é moldada e cozida, transformando-se em potes e jarros. Com o material pronto, eles seguem para a feira local, com o intuito de vender suas mercadorias, regressando, depois, para casa, no fim do dia. 

A equipe de agora, dirigida por Lúcio Vilar, conta com produção da Bolandeira Arte & Films, e a participação de estudantes do curso de Cinema e Audiovisual e de Comunicação e Mídias Digitais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Os recursos, por sua vez, foram garantidos por edital de fomento da Lei Paulo Gustavo. 

Ainda que esteja orientado pelos caminhos percorridos por Linduarte e seus célebres companheiros de trabalho (dentre os quais, o paraibano Vladimir Carvalho), O Homem por Trás do Cinema Novo não se restringe a documentar os processos que cercaram Aruanda, há seis décadas. A iniciativa se ocupa, também, de montar um perfil do diretor.

“O filme será uma imersão neste personagem multifacetado, antes de se notabilizar com Aruanda, reconhecido em primeiríssima mão por Glauber Rocha antes de a obra ser lançada em 1960. Ou seja, o documentário parte desse filme seminal enquanto renovação de linguagem, e tem a pretensão de ir além, na tentativa de rastrear quem foi esse homem”, afirma.

“Atores naturais”

Comentando sobre a viagem que fez rumo à Santa Luiza, Lúcio detalha que reencontrou duas das pessoas retratadas no documentário de Linduarte, “atores naturais” daquele curta: são eles Neusa e Érico, crianças na época, hoje idosos. Lúcio assevera que o encontro com a dupla, testemunhas das mudanças ocorridas em mais de meio século, foi fundamental.

“A expedição durou uma semana e foi intensa e marcada por muitas emoções à flor da pele e das câmeras que tentaram capturar os passos de Linduarte, João Ramiro Mello e Rucker Vieira. A paisagem foi bastante alterada com a instalação de torres eólicas, sendo essa uma das imagens mais impactantes, e isso, naturalmente, deverá fazer parte do filme”, assinala.

A importância desse documentário, que entrará, brevemente, em fase de pós-produção, repousa, segundo Lúcio, na consolidação do legado de Linduarte para as gerações presentes e vindouras, mas, ainda, no fortalecimento do título que muitas vezes deixa de ser atribuído ao realizador falecido, fora do círculo local — o de precursor do Cinema Novo.

“O nome desse projeto é provocativo e isso não deixa de ser intencional. Como se trata do primeiro longa-metragem sobre Linduarte Noronha, o espírito da coisa é esse mesmo: disseminar para um público maior, especialmente as novas gerações, o vasto legado desse personagem que não se restringiu ao cinema”, reitera.

A revitalização do legado de Noronha faz parte de um projeto maior e multimídia do próprio Lúcio, que, no passado, lançou uma coletânea de críticas cinematográficas veiculadas nas páginas de A União, entre as décadas de 1950 e 1960. Luz, Cinefilia... Crítica!, da editora A União, traz à público um panorama extenso dos títulos programados nas salas de cinema na capital naquela época.

“São conteúdos que se complementam, especialmente se olharmos pelo ângulo do exercício da cinefilia e da crítica cinematográfica, instâncias que forjaram o cineasta que iria dirigir Aruanda. Esses nexos, portanto, serão trabalhados no filme sobre a formação do diretor que são aspectos poucos conhecidos do grande público”, pontua.

O livro está dividido em três capítulos-chave. O primeiro resume as impressões de Linduarte sobre o cinema nacional, comentando os lançamentos em João Pessoa, ou tecendo contundentes manifestos em prol do audiovisual brasileiro. O segundo contempla as resenhas sobre os longas-metragens estrangeiros, incluindo, inclusive, críticas negativas às produções estadunidenses.

O terceiro e último agrega a série de oito textos autorais sobre o processo de filmagem de Aruanda, compartilhando bastidores de seu filme. Um apêndice reúne textos contemporâneos que discutem o arcabouço textual de Linduarte em A União, assinados por críticos como João Batista de Brito.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de junho de 2025.