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O calor da arte

publicado: 14/08/2025 08h44, última modificação: 14/08/2025 08h44
Festival de Inverno de Campina Grande começa hoje sua 50ª edição, com show de Elba Ramalho
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No Parque Evaldo Cruz, Elba Ramalho canta a partir das 22h | Foto: Ricardo Penna/Divulgação
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Luis Kiari canta a partir das 20h | Foto: Divulgação
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por Esmejoano Lincol*

O sonho da produtora cultural Eneida Agra Maracajá nasceu em plena Ditadura Militar, nos idos de 1976. Mas nem a repressão política da época, nem a dificuldade de captação de recursos que acompanha a empreitada desde essa gênese impediram que o Festival de Inverno de Campina Grande (FICG) se consolidasse como uma das mostras mais importantes do Nordeste e como foco de resistência das artes na região. A 50ª edição do evento, gratuita, será aberta hoje, às 9h, com a entrega de uma medalha de honra ao mérito, no Teatro Severino Cabral, Centro da Rainha da Borborema. Os cantores Luís Kiari e Elba Ramalho fazem shows no Parque Evaldo Cruz (Açude Novo), também no Centro, às 20h e às 22h, respectivamente.

Elba, que participa do evento pela quarta vez, esteve entre as atrações da primeira edição, anos antes do lançamento de Ave de Prata, seu disco de estreia. Já Luís é campinense e acumula duas décadas de carreira. “Essa é a segunda vez que eu participo. Eu estudei no bairro da Prata e, quando saíam os anúncios do evento, ficava pensando, ‘um dia eu vou estar lá’. Neste ano, será uma alegria maior ainda, por estar no mesmo palco que Elba Ramalho”, ele projeta.

Homenagem

A cessão da comanda, em sessão solene da Câmara Municipal de Campina Grande (CMCG), pela manhã, celebra o jubileu de ouro do FICG e foi concedida a partir de proposta da vereadora Jô Oliveira (PC do B). A parlamentar destaca o trabalho hercúleo de Eneida na promoção da mostra, inclusive em ambientes não convencionais, como a Feira Central.  

“A gente pode colocar, inclusive, que um dos motivos que impulsionou a apresentarmos essa honraria ao festival é o seu legado, no sentido de estimular outros projetos. Temos como exemplo o Festival de Inverno de Garanhuns, em Pernambuco, e tantos outros que são inspirados nessa lógica de fazer e trazer cultura para mais perto das pessoas”, justifica.

A partir das 10h, também no Severino Cabral, as crianças e adolescentes que integram o Tamanquinhos das Artes compartilham com o público o que aprenderam nesse projeto — idealizado pelo FICG em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Haverá apresentações de violino, dança e teatro no hall do teatro e a inauguração da exposição permanente Pedagogia da Aprendizagem, com trabalhos de artes visuais.

Amanhã, a grade do festival começa às 16h, no Severino Cabral, com a peça Lá Vem o Palhaço, de Luiz Carlos Vasconcelos. Às 21h, o Balé da Cultura Negra do Recife desponta com o espetáculo Nações Africanas. A mostra segue até o próximo dia 23 com uma extensa agenda, abrangendo os segmentos da música, do cinema, do teatro e da dança. Confira a programação no quadro no final desta página.

Arte e memória

Eneida Agra Maracajá permanecerá na organização do evento de forma vitalícia, mas, a partir da próxima edição, a idealizadora redistribuirá boa parte da carga de trabalho com a equipe (composta por cerca de 50 pessoas), sobretudo as demandas relacionadas à captação de recursos. Uma das pessoas que compõem esse núcleo é a sua filha, Myrna Agra Maracajá, que esclarece a dinâmica.

“Ela não sinalizou que irá sair ou que irá deixar o festival, e eu acho que isso é uma coisa que só acontecerá com a morte dela. Minha mãe permanecerá como diretora do Solidarium — Instituto de Arte, Cultura e Cidadania —, que gere o FICG. Assumiremos a parte mais pesada. Mas ela continuará decidindo e sendo nossa bússola, sempre”, informa.

O tempo não parece ser um peso para a família Maracajá, mas Myrna ressalta que ele é um fator intrínseco às cinco décadas de trabalho junto ao festival. Segundo dados dos organizadores, esta é uma das mostras culturais mais antigas do Brasil ainda em atividade, em modelo similar ao de cidades como Ouro Preto, em Minas Gerais.

“Durante este período, a Paraíba deixou de ter festivais importantes, como o de Areia e o Fenarte, que acontecia em João Pessoa. Por isso, acho que a palavra que mais define essa nossa passagem do tempo é a resistência. O FICG atravessou uma ditadura e uma pandemia. E ele foi, ao longo do tempo, precisando se modernizar, estar atento às novidades”, destaca.

O Teatro Severino Cabral continua como um dos principais palcos da festa, mas o evento segue aberto não apenas para o novo, mas para a democratização dos espaços de difusão da cultura local e brasileira. Myrna rememora que o festival já passou por comunidades pobres da Rainha da Borborema e até pela penitenciária do Serrotão.

“No momento, a grande menina dos olhos do Festival de Inverno é o Tamanquinhos. Nós fomos ministrar oficinas para essas crianças e descobrimos que elas são aliciadas pelo tráfico de drogas e pela prostituição. Hoje, elas passam um turno na escola e, no outro turno, ao invés de estarem nos sinais, ou perambulando pela feira, elas ficam conosco”, assevera.

Filha única de Eneida Maracajá, Myrna tem no festival o seu “irmão mais velho”, com quem sempre teve que dividir a atenção de sua mãe. Mas foi justamente nos bastidores do evento que ela absorveu as primeiras noções de produção cultural e acalentou, direta ou indiretamente, a profissão que optou por seguir na idade adulta: bailarina.

“A primeira peça de teatro que eu assisti, eu tinha cinco meses de idade. E ela conta que, quando tinha com quem me deixar, me levava para o camarote de número 9 do Severino Cabral. Minhas lembranças mais antigas do FICG são duas: ficar correndo, de um lado para o outro, no hall do teatro e brincar de escorrego no proscênio que desce para a platéia”, rememora.

Mirando o futuro, Myrna e Eneida esperam que, para os próximos festivais, a arrecadação de verbas, junto à iniciativa privada, garanta mais recursos para o evento. A organizadora lamenta que, apesar de ter conseguido autorização para captar, por meio da Lei Rouanet, mais de R$ 1 milhão para a produção do FICG, nenhum real foi viabilizado.

“Elba esteve na primeira mostra, há 50 anos. E esta edição será encerrada com o show de Vanessa da Mata, tocando pela primeira vez em um espaço público de Campina Grande, num festival que foi criado e é dirigido por uma outra grande mulher. Por fim, não há como a gente pensar no desenvolvimento sem pensar na educação, na arte e na cultura”, conclui.

Programação/Fim de semana

 

HOJE, 14 de agosto:

  • Teatro Municipal Severino Cabral
  • 9h – Abertura: Entrega da medalha de Honra ao Mérito Municipal, concedida pela Câmara Municipal de Campina Grande.
  • 10h – Música: Recital de violino, Projeto Tamanquinhos das Artes.
  • 10h15 – Artes cênicas: Apresentações de teatro e dança, Projeto Tamanquinhos das Artes; Artes visuais: Exposição Pedagogia da Aprendizagem, Projeto Tamanquinhos das Arte; Expografia de Paulo Campos.
  • Parque Evaldo Cruz
  • 20h – Música: Luís Kiari.
  • 22h – Música: Elba Ramalho

 

AMANHÃ, 15 de agosto

  • Parque Evaldo Cruz
  • 16h – Teatro: Silêncio Total – Vem Chegando um Palhaço, Luiz Carlos Vasconcelos.
  • 19h – Música: Emerson Uray.
  • 21h – Música: Zé Filho e Moisés Freire.
  • Teatro Municipal Severino Cabral
  • 19h – Sessão Memória: Homenagem aos prefeitos de Campina Grande que passaram pela História dos 50 anos do Festival de Inverno.
  • 20h30 – Cultura Popular: Cia Livre de Dança, Grupo Caetés, Tropeiros da Borborema, Cia. Raízes, Ariús, Grupo Acauã da Serra, Grupo Caísca, Cabruá. Quadrilha junina convidada: Mistura Gostosa.
  • 21h – Dança: Nações Africanas, Balé da Cultura Negra do Recife (PE).

 

SÁBADO, 16 de agosto

  • Praça da Bandeira
  • 10h – Teatro: Um Conto de Amor Nordestino, Coletivo Teatral Sonhe que Dá (PB).
  • 12h – Música: Gitana Pimentel.
  • Feira Central
  • 11h – Música: Naninha.
  • Capela São Vicente de Paula
  • 16h – Solenidade: Missa de Ação de Graças do 50o FICG, com participação dos Grupos Folclóricos de Campina Grande e convidados.
  • Parque Evaldo Cruz
  • 16h – Dança: Mostra das Escolas e Academias de Dança de Campina Grande.
  • 18h – Dança: Gala Clássica e Vórtice, Cia. Municipal de Dança de João Pessoa.
  • 19h – Música: Nathália Belar
  • 21h – Música: Val Donato.
  • Teatro Severino Cabral
  • 20h – Teatro: Quem Sabe Ele Vem, Grupo Renascer (PB).

 

Domingo, 17 de agosto

  • Parque Evaldo Cruz
  • 15h – Dança: Batalha All Style de Inverno – CG.
  • 17h às 20h – Música: Coletivo do Rock.
  • Teatro Severino Cabral
  • 20h – Dança: Segundo G.H., Carina Nagib (SP).
  • 20h30 – Dança: Às vezes Eu Kahlo, Geda Cia. De Dança (RS).

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de agosto de 2025.