Existe uma tendência em Hollywood de continuações tardias: Indiana Jones, Top Gun, Um Tira da Pesada, Caça-Fantasmas, Os Fantasmas Se Divertem são algumas franquias que ganharam novos capítulos décadas depois de suas últimas aventuras. Embora longe de Hollywood, mas um “blockbuster à brasileira”, O Auto da Compadecida 2 pode ser incluído aí. Mas estará ele em outra tendência, que é a de que a continuação é, no fundo, o mesmo filme que o anterior?
O segundo Auto estreia na próxima quarta-feira (25), dia de Natal, e vem, ao longo do ano, suscitando ansiedade e medo em proporções semelhantes. Ao mesmo tempo em que o público quer muito ver de novo Matheus Nachtergaele e Sélton Mello nos papéis de João Grilo e Chicó, há o receio (justo) de que uma nova empreitada macule as memórias afetivas do primeiro filme.
A notícia, nesse ponto, é boa: os personagens da peça de Ariano Suassuna reaparecem com sua velha graça, a química entre os dois atores está intacta. Não há mais o texto de Ariano de onde tirar as histórias e os diálogos espirituosos, mas o roteiro de João Falcão e Guel Arraes (com colaboração de Adriana Falcão e Jorge Furtado) emula bem o original.
Ao mesmo tempo, o roteiro toma a liberdade de inserir elementos de modernidade (em comparação com o filme 1) como o rádio — e com ele discutir o monopólio de comunicação e sua influência nas eleições. Através de um João Grilo santificado pelo povo que ouviu a história de sua ressurreição vêm os comentários sobre como a religião também pode ser manipuladora.
O que pode incomodar os espectadores que esperam repetir de perto sua experiência ao assistir o primeiro filme (ou a minissérie de TV, formato em que foi lançado originalmente) é o visual do filme. A produção não voltou a Cabaceiras, preferindo filmar tudo em estúdio. A imagem na tela é de algo muito mais teatral e também irreal, enquanto o primeiro Auto tirava grande proveito da autenticidade das locações paraibanas.
Por um lado, esse aspecto colabora para que o segundo filme tenha uma cara própria e não se resuma a ser, no fundo, o mesmo filme feito de novo. Por outro, o filme não deixa de repetir bordões e mesmo situações, se assumindo também como uma homenagem ao primeiro filme.
Afinal, ninguém esperaria que Chicó não dissesse “Só sei que foi assim” ou tivesse suas mentiras ilustradas de maneira estilizada na tela. Mas refazer o plano da morte fake já parece uma repetição desnecessária.
Nesse sentido, o título exige que o filme seja, mais uma vez, um auto e da Compadecida. Assim, o clímax também tem muitos elementos em comum com o primeiro filme, embora com Taís Araújo no lugar de Fernanda Montenegro (e com o racismo de João Grilo muito menos escancarado), uma sacada diferente para as representações de Jesus e do Diabo e uma reflexão sobre o que seria a importância da fé do povo, mais do que sobre a esperteza do pobre, que salvou a pele de João da primeira vez.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de dezembro de 2024