“Sendo um aristocrata, escrevia para o povo, e sem nunca ter-se envolvido em atividades políticas, era um homem público na mais lídima expressão do conceito”. As palavras dirigidas a Virginius Figueiredo da Gama e Melo pelo então governador da Paraíba, Ivan Bichara, esboçaram, na semana de sua partida, um resumo da personalidade do escritor, crítico e entusiasta da cultura local, mas não deram conta de representar sua extensa atividade, encampada em 52 anos de vida. Hoje, completa-se meia década de sua morte, ocorrida em 1º de agosto de 1975, encerrando uma trajetória ampla na literatura, no jornalismo e no cinema da Paraíba.
Nos dias seguintes ao falecimento, A União reuniu, em suas páginas, várias vozes que, em côro, lamentaram a perda do autor de Tempo de Vingança e asseveraram sua importância para o ecossistema cultural pessoense. O momento também era significativo, próximo do feriado de 5 de agosto.
A colunista Sônia Iost rememorou a visita do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 1972: em determinado momento, ele teria perguntado “quem é o homem inteligente daqui?”, encontrando, na resposta de seus interlocutores, o nome de Virginius.
Vânia Guimarães destacou o carinho que ele tinha por sua família, principalmente suas tias, e o quanto ele teria sido importante para o ingresso dela mesma na imprensa local: “Todos os dias, o seu telefonema era a tônica”.
O jornal também cobriu o sepultamento, no Cemitério da Boa Sentença, no bairro do Cordão Encarnado, também em João Pessoa, dando conta das presenças do ex-ministro José Américo de Almeida, do tribuno Mocidade e do deputado Vital do Rêgo, primo de Virginius e que foi responsável pelo discurso que levou às lágrimas os presentes no funeral, segundo o texto do repórter, que não foi assinado.
Críticas diárias
Natural da cidade de Paraíba (anos antes de o município vir a se tornar João Pessoa), era filho de famílias ditas “tradicionais” do estado, mas de uma vertente mais “empobrecida” desses clãs, segundo ele mesmo escreveu, em carta endereçada ao colega sergipano Gilberto Amado. Virginius formou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nos anos 1940; estado em que residiu por um tempo.
As fontes consultadas não são unânimes quanto ao ano de nascimento do escritor (se 1922 ou 1923) nem quanto ao começo de seu exercício literário, mas ele tornou-se público por meio das críticas.
Além de um espaço consagrado no extinto O Norte e colaborações esparsas para O Estado de S. Paulo e Diário de Pernambuco, ele também escreveu para A União: sua coluna “Literatura e vida” chegou a ser diária, a partir de 1967. Seus apontamentos na imprensa, logo tomariam corpo em coletâneas publicadas, inicialmente, por editoras locais.
A série Estudos Críticos reuniu, em dois volumes, resenhas sobre autores brasileiros seminais, a exemplo de Graciliano Ramos e do conterrâneo José Lins do Rêgo. O criador de Fogo Morto, a propósito, foi resenhado em textos como “O catolicismo náufrago”.
Mas a presença cotidiana de Virginius extravasava as páginas dos jornais. Solteirão e boêmio, tornou-se figura mítica entre os jovens literatos das décadas de 1950 a 1970. O cronista Francisco Gil Messias trará na próxima edição do suplemento Correio das Artes, domingo (3), um depoimento pessoal sobre ele.
“Sua morte foi repentina. Foi uma liderança intelectual da época, um posto que dividiu, em certa medida, com seu primo Juarez da Gama Batista. Nessa condição, ele faz falta nos dias de hoje”, pontua.
Livros premiados
A trajetória de Virginius como autor de ficção teve início nos anos 1960, com Os Seres, reunião de contos publicada de forma independente. Seu primeiro romance foi Tempo de Vingança (Civilização Brasileira, 1970): com o qual ganhou o prêmio do Instituto Nacional do Livro.
Publicou mais um romance, A Vítima Geral (Editora José Olympio, 1972), este laureado pela Fundação Cultural do Distrito Federal e pela Academia Paulista de Letras. Aventurou-se, também, nos palcos com A Modelação, texto que também foi reconhecido pelos pares após sua publicação, ao fim dos anos 1960: venceu o prêmio do Serviço Nacional de Teatro.
O crítico Hildeberto Barbosa Filho sugere como projeto editorial um novo mergulho nas críticas diárias, sobretudo as que não foram compiladas nos livros que chegou a publicar ou que estão “perdidas” nos arquivos da imprensa local. Mas, apesar da atuação profícua e reconhecida como analista literário, ele aponta que Virginius deve ser mais reverenciado pela sua atuação como romancista.
“Ele não chegou a ser estudado de forma objetiva, isenta. Apesar de eu não me opor a isso, alguns artigos o incensam muito. Ficamos devendo uma análise mais profunda, no âmbito das teses e dissertações”, informa.
Participação no cinema
João de Lima Gomes, professor e presidente da Academia Paraibana de Cinema (APC), faz questão de frisar as contribuições pouco lembradas de Virginius para a sétima arte, como consultor, realizador e incentivador. A fonte de pesquisa do docente é Cinema na Paraíba/ Cinema da Paraíba, obra de Willis Leal que veio a público nos anos 1990. Na primeira função, destacam-se suas participações em filmes Menino de Engenho (de Walter Lima Jr., 1965), baseado no romance seminal de José Lins do Rego, e A Bolandeira (de Vladimir Carvalho, 1968).
Os registros audiovisuais de Virginius da Gama e Melo como realizador não estão acessíveis, mas João de Lima ilustra sua carreira neste segmento com Contraponto sem Música, rodado no fim dos anos 1960, com a participação da atriz Hedênia Boaventura.
“Esse filme contava com a fotografia de Machado Bittencourt e chegou a participar de um concurso promovido pela extinta loja Mesbla, naquela época. Virginius tinha um olhar muito aberto para as outras artes e essa tradição de aglutinar tudo. Ele ‘sacou’ o cinema e os seus circuitos como um espaço privilegiado”, sinaliza.
Homenagem ao menestrel
A Fundação Casa de José Américo (FCJA), mantenedora de parte do acervo do literato, promove, hoje, um evento em sua homenagem — a mesa redonda “Tertúlia com o menestrel: 50 anos sem Virginius da Gama e Melo”—, que será realizada a partir das 9h, na instituição, no bairro do Cabo Branco. Coordenado por Lúcia Guerra, gerente-executiva de documentação e arquivo da FCJA, o evento, gratuito, contará com as presenças de João de Lima, Ana Isabel de Souza Leão Andrade, Hildeberto Barbosa Filho e Neide Medeiros; todos os docentes citados tiveram contato com o trabalho do pessoense.
Neide Medeiros, a propósito, lançou, nesta semana, o livro Virginius Figueiredo da Gama e Melo – Recortes da Vida e da Obra (Lopes Impressões). Na capa, pintada pela ensaísta, está a casa onde o biografado nasceu e cresceu, na antiga Rua Nova, atual General Osório, 71.
O título de “menestrel”, pelo qual continua conhecido, teria sido dado a Virginius pelo realizador Ipojuca Pontes, segundo apurou o Correio das Artes, na edição de setembro de 2022. Para Neide, o apelido segue válido. “A contribuição dele é seminal. O que ele escreveu no passado, a gente ainda pode ler com gosto de presente”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de agosto de 2025.